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Primeiro a Turquia. E a seguir, Twitter?
Uma newsletter de João Pedro Pereira sobre inovação, tecnologia e o futuro.
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O anúncio foi singelo, burocrático e terá surpreendido zero pessoas: no sábado, véspera das eleições na Turquia, o Twitter aceitou censurar algum conteúdo naquele país, quase de certeza a mando do Governo autocrático de Tayyip Erdogan.
Não é pouca coisa. O Twitter não é a maior rede social, mas é a que tem mais influência no espaço político de muitos países. E, como Jorge Almeida Fernandes explicou na sua newsletter, as eleições turcas são as mais importantes de 2023. Erdogan saiu do escrutínio de domingo 5% à frente do principal rival, e as eleições vão agora a uma segunda volta.
Já aqui tinha escrito que o Twitter nas mãos de Musk ficaria refém dos outros interesses de negócio do empresário, os quais muitas vezes passam por desenvolver laços com regimes que não convivem bem com a democracia. A China é o exemplo mais óbvio. Mas é difícil acreditar que seja apenas coincidência esta complacência face às autoridades da Turquia e o facto de a Tesla se ter estreado há pouco mais de um mês no mercado turco.
A medida de censura, explicou o Twitter, foi tomada "em resposta a um processo legal". A rede social também assegurou que todo o conteúdo continua visível para utilizadores fora da Turquia. Já as tiradas do próprio Elon Musk sobre o assunto são menos contidas.
Escreveu Musk, em resposta a um comentário do colunista americano Matthew Yglesias: "O cérebro caiu-te da cabeça, Yglesias? A escolha era entre todo o Twitter ser abrandado ou limitar o acesso a alguns tweets. Qual deles queres?" ("Abrandado" significa aqui que, segundo Musk, os operadores de telecomunicações iriam tornar muito mais lento o acesso a toda a rede social se esta não acatasse a ordem de censura.)
Musk – sempre o absolutista da liberdade de expressão, excepto quando esta não lhe convém – recorreu a um argumento velho e falacioso. A ideia de que "mais vale alguma coisa do que nada" foi em tempos usada por várias tecnológicas na China, do Yahoo ao Google, sempre com maus resultados. Nestes casos, fizeram o favor censório a Pequim e acabaram chutados de lá assim que os chineses desenvolveram as suas próprias alternativas.
A Turquia pode ter fragilidades democráticas, mas não é a China, o que torna a posição de Musk ainda pior. O fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, respondeu a Musk com o exemplo da enciclopédia online, à qual também as autoridades turcas já ordenaram que censurasse conteúdo: "O que a Wikipedia fez: batemo-nos pelos nossos princípios e lutámos no Supremo Tribunal da Turquia e ganhámos. Isto é o que significa tratar a liberdade de expressão como um princípio, e não como um slogan."
Além disso, se o Twitter acabasse bloqueado na Turquia no fim-de-semana de eleições, a rede social teria feito aos turcos o favor de expor o modus operandi de Erdogan.
Esta não é a primeira vez que o Presidente turco tenta silenciar o Twitter. Fê-lo com algum sucesso em 2014, em vésperas de eleições locais, quando a plataforma estava a ser usada para disseminar documentos e escutas que mostravam casos de corrupção no seu círculo próximo. Na altura, os operadores de telecomunicações desviaram para outra página alguns utilizadores que tentavam aceder à plataforma. Em contraste com o que agora aconteceu, o Twitter publicou então uma explicação sobre como mitigar a interferência.
Se Musk fez o que fez na Turquia, que não é um mercado fundamental para a Tesla e onde é plausível a ideia de recorrer aos tribunais para contestar uma ordem oficial, imaginemos o que não fará na China, um mercado muito mais importante. Ou na Arábia Saudita, de onde proveio uma parte do dinheiro que usou para comprar o Twitter.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que decorria este triste episódio, o Twitter anunciou a sua nova CEO, que vai substituir Musk no cargo (o empresário continuará no conselho de administração e terá ainda o cargo de chief technology officer). Linda Yaccarino, 60 anos, era a executiva responsável pela publicidade na NBC Universal, um vasto conglomerado de media, dono de televisões e estúdios de cinema.
Percebe-se a escolha, tendo em conta que a gestão errática de Musk tem afastado os anunciantes. É curioso notar que Yaccarino costumava defender as plataformas tradicionais de media como um lugar mais seguro para as marcas fazerem publicidade, contrapondo a previsibilidade das televisões ao caos das redes sociais.
Outra alínea que não passa despercebida no currículo de Yaccarino é ter sido nomeada em 2018, pela Administração de Donald Trump, para integrar a organização governamental que promove o desporto e a nutrição. Por outro lado, enquanto presidente de uma organização de publicidade sem fins lucrativos que trabalha com o Governo americano, colaborou com a Administração de Joe Biden na campanha de incentivo à vacinação.