Ciro rompeu o silêncio para lamentar uma derrota pesada
Desde que ficou em quarto lugar nas eleições presidenciais brasileiras que Ciro Gomes não se pronunciava publicamente. Fê-lo em Lisboa para distribuir críticas tanto a Lula como a Bolsonaro.
Ciro Gomes dedicou os últimos sete meses a um exercício inovador numa carreira política de mais de três décadas: o silêncio. Depois de ter ficado em quarto lugar nas eleições presidenciais brasileiras de Outubro, com apenas 3% dos votos, Ciro deixou de se pronunciar sobre a vida pública do país e resolveu quebrar esse silêncio inusitado em Portugal, onde participou na sexta-feira numa conferência na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O longo hiato não fez desaparecer por completo a sua notoriedade. Pelo menos entre as dezenas de alunos e professores, na sua esmagadora maioria brasileiros, que chegaram a fazer uma fila para tirar uma fotografia com o antigo governador do Ceará, atrasando irremediavelmente o início da sessão.
O fim do silêncio serviu para Ciro se estender sobre o que definiu como as suas “angústias” sobre o Brasil, elencando a estagnação económica, a ausência de cultura política, a corrupção e as desigualdades sociais como as principais fontes de preocupação. “É hora de dizer que a democracia brasileira fracassou e está fracassando”, sintetizou o ex-candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Ainda assim, Ciro Gomes mantém alguma esperança e acredita que o país pode reverter o caminho de degradação política, porque “ainda tem massa crítica”. O político esteve em Lisboa e em Estrasburgo a convite do eurodeputado português Francisco Guerreiro, do grupo Verdes/Aliança Livre Europeia.
Mas, pelo menos por agora, Ciro rejeita um regresso à vida política activa para uma potencial quinta candidatura presidencial em 2026. A mágoa pelo fracasso das últimas eleições é evidente. “Eu me sentia representando uma corrente de opinião, eu não me sinto mais”, afirmou o ex-governador, referindo-se à queda que a sua candidatura sofreu entre 2018, quando obteve 12% dos votos e ficou em terceiro lugar, e 2022, quando passou para 3%. “Alguma coisa está errada comigo, não é com o povo”, lamentou.
Mais tarde, em declarações aos jornalistas, reforçou a intenção. “Eu sempre vou militar, mas hoje, por tudo o que aconteceu no Brasil, perdi o apetite eleitoral”, afirmou Ciro.
No cenário de polarização vivido no Brasil, dividido entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, Ciro posiciona-se como crítico de ambos, embora o seu partido apoie formalmente Lula e até integre o actual Governo. “Falta ao país um projecto”, resume.
O seu corte com Lula, de quem chegou a ser ministro no início do seu primeiro mandato presidencial (2002-2006), é total e os dois não falaram mais directamente desde as eleições, nem sequer a 8 de Janeiro, quando Brasília foi palco de ataques violentos contra as sedes dos principais edifícios governamentais.
Na verdade, Ciro acredita que o Governo “estava informado” acerca da possibilidade de uma invasão e “não realizou nenhuma iniciativa para prevenir ou reprimir”.
No início da conferência, o político brasileiro tinha anunciado que os meses de recolhimento o levaram a mostrar-se mais temperado, em contraponto com a imagem de irascível pela qual é conhecido – foi condenado recentemente a pagar uma avultada indemnização a um político negro a quem chamou de “capitãozinho do mato”, numa entrevista em 2018, uma referência considerada racista pela justiça brasileira.
A nova postura foi-se aguentando, mas no final o antigo ministro não se conteve e exaltou-se ao falar sobre o rumo económico do Governo de Lula da Silva e da acção discricionária do juiz do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que acredita que pode “prender todo o mundo”. Há hábitos que demoram a morrer.