Ramina e Somba: dois linces-ibéricos que convivem perto de humanos na mina de Neves-Corvo

O lince-ibérico Ramina nasceu em liberdade e estabeleceu o seu território perto da mina devido à alta densidade de coelho-bravo na região e pela coexistência pacífica com os trabalhadores.

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O lince-ibérico esteve perto da extinção há cerca de 20 anos. Imagem de arquivo, não relacionada com Ramina DR
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No dia 3 de Maio, foi publicado um vídeo no Facebook em que se vê um lince-ibérico a caminhar tranquilamente entre carros na mina de Neves-Corvo, em Castro Verde. Ouve-se a voz surpreendida de quem grava, com a proximidade daquele animal numa zona com tantas marcas da presença humana. E porque estava ali aquele lince? É normal circular tão perto dos humanos? Nos comentários desenrolaram-se preocupações de que estaria com fome ou doente, mas, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), este tipo de aproximação não é incomum.

O lince-ibérico das imagens é Ramina, uma fêmea que nasceu em 2020, em liberdade, a cerca de sete quilómetros da mina, refere o ICNF ao Azul. Em 2021, “esta fêmea estabeleceu o seu território no perímetro da mina”, devido à alta densidade de coelho-bravo na região (uma das presas preferidas do lince-ibérico). Desde essa altura que o ICFN, “com a colaboração dos funcionários do complexo mineiro”, diz que tem estado a acompanhar a situação.

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As imagens recolhidas na mina de Neves-Corvo DR

No entanto, a Liga de Protecção da Natureza (LPN) ressalva que, “apesar de ser uma ‘historia bonita’”, é preciso alertar que esta não é a situação ideal ou a mais vantajosa para a espécie.

Este ano, Somba, um jovem macho nascido em 2021 a cerca de 13 quilómetros da mina, juntou-se a Ramina. “Os dois linces apresentam boa condição física e aparentemente estão bem adaptados ao local, exibindo uma grande tolerância à presença humana, garante o ICNF.

O motivo que levou estes dois animais a juntarem-se e aproximarem-se de uma zona com presença e actividade humana será “a elevada abundância de coelho-bravo, a principal presa do lince-ibérico” sugere a LPN. Para motivar a presença do lince-ibérico, é necessário um conjunto de condições essenciais, acrescenta a LPN, onde, além da presença do alimento, se destaca “a estrutura do habitat e a ausência de perturbação”.

Um exemplo: no Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico, em Silves, o contacto dos linces com humanos é quase nulo para aumentar a sua taxa de sobrevivência. Os linces-ibéricos estiveram quase extintos nos anos 2000, mas um programa de recuperação conseguiu que os linces fossem aumentando de ano para ano. Os linces estiveram perto da extinção em grande parte por causa da caça por humanos (e atropelamentos), mas também por causa do declínio das populações de coelho-bravo.

Neste caso, “como, aliado a uma elevada abundância de coelho, temos uma coexistência pacífica com os trabalhadores da actividade (extractiva) daquele espaço”, indica a LPN, o factor de perturbação parece não ser um problema para Ramina e Somba.

“Não é a situação ideal para a espécie”

Apesar de parecer atractivo um local recheado de alimento e sem “chatices” com as populações, esta situação “não é a ideal ou a mais vantajosa para a espécie”, alerta a Liga para a Protecção da Natureza. “O lince-ibérico é uma espécie silvestre, vulnerável a um alargado conjunto de ameaças de origem não-natural, de onde destacamos o atropelamento, e de origem natural, como doenças infecciosas, muitas delas transmitidas por espécies domésticas, como é o caso da leucemia felina que também afecta os gatos.”

Por isso, esta proximidade pode ser um risco para a espécie, que, em Portugal, “continua com um elevado estatuto de ameaça (Em Perigo) e reduzida a um total de pouco mais de duas centenas de exemplares na Natureza”, avisa a organização não-governamental. Apesar disso, salientam que esta história ajuda a ilustrar o papel do lince-ibérico “na manutenção de populações saudáveis de coelho-bravo, que ali continuam a existir, e a demonstrar a possibilidade da coexistência do ser humano com este importante superpredador da fauna ibérica”.

A Liga de Protecção da Natureza elogia a população de Castro Verde “pela sua interacção e protecção deste emblemático símbolo da biodiversidade ibérica no seu concelho, classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO e parte integrante da Rede Natura 2000”.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva