Sim, é verdade que o mês de Maio já vai quase a meio, mas os meteorologistas precisam de tempo para interpretar o clima. Só esta seman,a o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) divulgou o boletim mensal do mês de Abril. Antes da divulgação do relatório detalhado, já tínhamos algumas pistas. Mas as previsões e suspeitas não chegam. Era preciso chegar até ao fim do mês de Abril e fazer bem as contas para vermos quando, onde e como passámos dos limites neste Verão fora do tempo.
O boletim do IPMA sobre Abril tem 21 páginas, mas é possível poupar algum tempo na leitura dos dados do clima. Uma das formas de o fazer é olhar para uma imagem e socorrermo-nos das legendas, ou seguirmos o instinto de associar (como numa torneira) o vermelho a uma temperatura quente e o azul ao frio. Outra dica para a leitura cromática é procurarmos o amarelo para ligar à terra seca. Entre os vários gráficos, tabelas e mapas partilhados pelo IPMA, destacamos aqui alguns dos mais importantes indicadores do retrato do mês de Abril.
Começamos pela análise da temperatura máxima ao longo de Abril. O IPMA lembra que foram ultrapassados os anteriores maiores valores da temperatura máxima e mínima do ar em várias estações meteorológicas da rede IPMA do continente, algumas séries com mais de 60 anos: 60% das estações meteorológicas ultrapassaram os anteriores valores extremos de temperatura máxima do ar; 45% das estações registaram novos extremos de temperatura máxima do ar, no dia 27; em 11 estações, os recordes alcançados nos dias 17 e 26 foram ultrapassados no dia 27. A temperatura máxima do ar foi a mais alta desde 1931 para o mês de Abril, com um valor médio de 23,77 graus Celsius, 5,59 graus acima do valor normal no período de referência (1971-2000).
Baixando o termóstato, espreitemos as anomalias nos valores da temperatura média. Foi o quarto Abril mais quente desde 1931 (o valor mais alto data de 1945, com 17,19 graus Celsius) com um valor médio da temperatura média do ar, 16,59 graus Celsius.
Agora, juntemos um pouco de tudo, com a apresentação da distribuição espacial dos valores médios da temperatura média do ar e anomalias das temperaturas média, mínima e máxima. Este mês foi marcado por valores diários da temperatura média e máxima do ar, quase sempre acima do valor médio mensal 1971-2000, em especial nas regiões do interior norte e centro, vale do Tejo e Alentejo.
Sobre as ondas de calor, confirmam-se que foram três. A primeira, de 2 a 11 de Abril: 75% das estações estiveram em onda de calor abrangendo as regiões do interior norte e centro, vale do Tejo e Alentejo. Seguiu-se nova onda entre 15 e 21 de Abril, com 45% das estações em onda de calor abrangendo essencialmente as regiões do interior. Por fim, de 23 de Abril a 9 Maio, Portugal teve 50% das estações em onda de calor, abrangendo as regiões do interior norte e centro, vale do Tejo, Alentejo e sotavento algarvio.
O IPMA sublinha que o número de dias ocorridos nestas ondas de calor em Abril 2023, pela sua duração e abrangência espacial, não será um evento de carácter excepcional (se olharmos para o período entre 2017 e 1997), ainda que, admitem, estas ondas possam considerar-se das mais intensas.
Sobre a chuva, ouvimos mais do que uma vez que não se fez jus ao ditado que promete águas mil. No mês de Abril 2023, o total de precipitação mensal, 18,2mm, foi muito inferior ao valor médio (23%), fazendo deste o terceiro Abril mais seco desde 1931. Verificaram-se valores inferiores ao normal, com percentagens inferiores a 30% tanto na região a norte como na região a sul. O maior valor mensal da quantidade de precipitação em Abril foi registado na estação meteorológica de Vila Nova de Cerveira (106,9mm) e o menor valor em Castro Marim (1,6mm).
Por fim, ficam os dados que nos trazem o mau prenúncio de uma seca aguda que podemos ter pela frente nos próximos meses. Verificou-se um aumento significativo da área e da intensidade em seca meteorológica; destaca-se a região nordeste na classe de seca moderada, e na região sul os distritos de Setúbal, Évora, Beja e Faro nas classes de seca severa a extrema. No final de Abril, 89% do território estava em seca, com 34% nas classes de seca severa e extrema.
Sabemos que o diagnóstico piorou com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a falar em 40% do território nacional em seca severa e extrema no dia 8 de Maio. Sobre a percentagem de água no solo, registou-se "uma diminuição muito significativa da percentagem de água no solo em todo o território; regiões do Nordeste Transmontano, vale do Tejo, Baixo Alentejo e Algarve com valores de percentagem de água no solo inferiores a 10% e com alguns locais ao nível do ponto de emurchecimento permanente".