O labirinto de plástico: não temos solução para o lixo que fazemos

Em Portugal, as metas para a reciclagem em 2030 dificilmente serão atingidas. As falhas na UE para obter uma economia circular, a produção e o consumo estão a criar uma crise de resíduos de plástico.

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NAPLES, CAMPANIA, ITALY - 2022/11/23: Plastic bottles on the beach, washed up by recent storms at sea. The bad weather that hit Naples caused a lot of damage on the beaches. (Photo by Salvatore Laporta/KONTROLAB/LightRocket via Getty Images) KONTROLAB

Há um mistério escondido no contentor com o sinal amarelo onde se acumula o lixo de plástico. As pessoas que ali separam as suas embalagens vazias de manteiga, os invólucros que cobrem a carne, o peixe, a fruta e os legumes comprados no supermercado, as garrafas e latas amachucadas, os frascos de champô — quase tudo o que compramos tem plástico, por estes dias — pensam que cumpriram a sua parte na tarefa colectiva que se tornou vital nas últimas décadas, por razões ambientais e climáticas: separar o lixo, depositá-lo em locais onde será recolhido, tratado, reciclado.

Esse mistério foi, por fim, desvendado no dia 2 de Março, numa reunião do Conselho de Ministros. O Governo aprovou mais um daqueles volumosos documentos legais que, habitualmente, fogem da ribalta, o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU). Na página 29, está um valor concreto que o ministro do Ambiente e Acção Climática, Duarte Cordeiro, ali quis incluir. A tabela 6, que mostra a “preparação para reutilização e reciclagem” em 2019, em vez de um resultado, passou a mostrar dois, que comparam com o objectivo desejado para 2030, que é o de alcançar 60% de reciclagem — uma meta que, alerta o ministro, "dificilmente atingiremos”.

Um dos resultados parece optimista: garante que estamos a recuperar 42% do lixo que produzimos — e é o valor anunciado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pelas associações de produtores de embalagens, que são responsáveis pelo sistema de recolha selectiva, ao abrigo da política de “responsabilidade alargada dos produtores” (RAP), uma efectiva auto-regulação do mercado que parecia, nas últimas décadas, ser o caminho certo a seguir: quem produz as embalagens paga uma taxa que, depois, é investida na separação e tratamento dos resíduos feita pelos municípios.

O tempo em que isso parecia certo, e suficiente, esgotou-se. E o que Duarte Cordeiro fez, este ano, é a prova derradeira. Ao incluir na tabela 6 uma coluna onde os resultados são de apenas 13% de reciclagem de resíduos, o ministro quis usar “métricas mais exigentes” do que as que a APA geralmente publicita. Isso tem uma justificação, explica-nos Duarte Cordeiro: “O ministério inscreveu no PERSU uma métrica, a mais exigente, que nos diz que o país apenas tem 13% dos seus resíduos reciclados, o que significa que reconhece o atraso existente neste domínio”. “O atraso é evidente e não orgulha o país.” Esta discrepância de valores (42% contra 13%), resultado da aplicação da tal “métrica mais exigente”, demonstra que a indústria produtora de embalagens está a declarar uma pequena parte do lixo realmente existente.

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Lixo na praia da Agudela, Matosinhos Paulo Pimenta

Este mistério dos “ecopontos” está longe de ser um problema português. O trabalho realizado nos últimos meses pela equipa de jornalistas Investigate Europe revela o fracasso da Europa em lidar com o problema crescente do plástico.

Em Portugal, a maioria do plástico que compramos, e pensamos que estamos a reciclar quando o separamos do vidro, do papel e do lixo comum, acaba, longe da vista, enterrado ou queimado em incineradores potencialmente tóxicos, adiando o problema para o futuro.

Mas não é de todo impossível que uma garrafa vazia de água portuguesa acabe a boiar numa praia de Bergen, na Noruega. Há anos que Kenneth Bruvik recolhe resíduos de plástico na costa norueguesa. Numa manhã fria de Abril, recorda-nos a primeira vez que chegou a uma pequena praia nos arredores de Bergen. "Chorei", diz, ao lembrar a cena: montes de garrafas, sacos de plástico e embalagens de utilização única amontoadas entre as rochas.

Ironicamente, a maior parte do lixo não tem origem na Noruega. Vem da Europa, como podemos ver pelas marcas que ainda se conseguem ler naquele monte de detritos. "A todos os que produzem estas garrafas de utilização única: parem com isso!", apela, de pé sobre um monte de lixo de garrafas de plástico.

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Kenneth Bruvik recolhe resíduos de plástico na costa norueguesa DR

Alguns milhares de quilómetros a sul, numa instalação de recuperação de resíduos nos arredores de Atenas, os trabalhadores estão ocupados a abrir contentores de lixo. Os resíduos de plástico que, há três anos, vieram da Alemanha estão agora na Grécia. Trinta e sete contentores estão parados no porto do Pireu desde o final de 2021, após tentativas falhadas da Turquia de os importar para, depois, os enviar para o Vietname. "Trata-se de lixo impossível de reciclar", afirma Yannis Polychronopoulos, proprietário da empresa que se encarregou de esvaziar os contentores.

Mas aquela garrafa de plástico que foi deitada num ecoponto qualquer em Portugal pode ter feito uma viagem ainda mais clandestina. Exportada legalmente para Espanha, para onde vai a maioria das 2250,78 toneladas de resíduos de plástico de que Portugal se viu livre no ano passado. Em Espanha, a mesma carga pode ter sido vendida para outro país qualquer. E, pelo caminho, ser apanhada por uma das lucrativas “máfias do lixo”, que as retira da vista e das estatísticas oficiais.

Tráfico de resíduos: ganhos elevados com baixo risco

A Polónia, descrita por alguns como a "lixeira da Europa", é um destino em alta. Na cidade de Wschowa, não muito longe da fronteira com a Alemanha, a actividade de extracção de areia de um empresário chamou a atenção das autoridades depois de os habitantes locais se terem queixado do mau cheiro. Os documentos do tribunal mostram que Zbigniew T. (o seu nome completo não pode ser utilizado) fez fortuna não com a venda de areia, mas enterrando milhares de toneladas de resíduos ilegais provenientes da Alemanha. Os seus lucros ascenderam a milhões, não tributados.

Os buracos de areia e cascalho explorados pela sua empresa tinham várias centenas de metros de profundidade e os procuradores alegam que estavam cheios com quase meio milhão de metros cúbicos de resíduos — o suficiente para encher cerca de 5000 camiões de grandes dimensões.

Este processo — que é um dos maiores julgamentos de resíduos ilegais da Polónia — ainda está em curso, mas, até agora, a empresa alemã responsável não foi alvo de qualquer escrutínio dos inspectores.

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Lixeira ilegal de plástico na Polónia com resíduos vindos da Alemanha Massonstock/iStock/Getty Images Plus

O preço recebido por tonelada de resíduos ilegais oscila entre 30 e 50 euros na Polónia, muito mais barato do que se seguisse por vias legais para instalações de reciclagem na Alemanha, que podem custar 300 euros por tonelada. A deposição de resíduos num aterro no Reino Unido pode custar 113 euros por tonelada, mais do dobro do que na Polónia, Roménia, Bulgária ou Croácia.

O caso de Zbigniew T. está entre os poucos que vão a tribunal. As autoridades fazem centenas de inspecções, mas apenas algumas dezenas de casos relacionados com resíduos chegam aos gabinetes do Ministério Público na Polónia, um país com 38 milhões de habitantes.

Em Portugal não é muito diferente. Punir os responsáveis por este crime ambiental é uma tarefa difícil, ouvimos queixarem-se os organismos estatais que têm essa tarefa um pouco por todo o lado.

Legislação protege “agentes económicos”

"Tudo começou em 2018, quando a China fechou o seu mercado. Depois, outros países, como a Malásia e as Filipinas, a Polónia, a Eslováquia, a Roménia, a Tunísia, a Turquia, Marrocos e o Egipto, foram subitamente pressionados a aceitar mais resíduos", diz Piotr Barczak, especialista em economia circular da Associação Polaca de Resíduos Zero.

Publicamente, as autoridades polacas gabam-se de realizar centenas de inspecções a carregamentos de resíduos todos os anos. Mas apenas uma pequena fracção chega a tribunal. Os inspectores ambientais de Varsóvia, de Lisboa ou de Atenas sabem bem porquê: os procuradores não gostam destes casos. Os processos são árduos, os recursos limitados e as condenações raras. As penas máximas de prisão na Europa raramente excedem os cinco anos. Em Espanha, o máximo é de dois anos. A Eslovénia tem algumas das leis mais severas, com o contrabando e a descarga ilegal de resíduos puníveis com até 12 anos de prisão.

A incapacidade da Europa para combater o comércio ilegal de resíduos deve-se, em parte, à incoerência da legislação adoptada em Bruxelas. Helmut Maurer, antigo perito sénior da Direcção-Geral da Economia Circular da Comissão Europeia, que passou décadas a trabalhar em questões relacionadas com os resíduos, afirma que a legislação da UE é demasiado branda.

"A legislação europeia sobre infracções ambientais — e também sobre resíduos de plástico — é muito permissiva para os infractores", afirma Maurer, que se reformou no ano passado. "A lei considera os infractores como 'agentes económicos'. As infracções ambientais são consideradas menores, embora de uma forma óbvia. Na maior parte dos casos, os processos contra eles não se aguentam em tribunal porque a lei torna difícil provar as infracções."

Barczak concorda: "O pior é que as penas são pequenas para estes crimes." O impacto duvidoso da legislação é descrito num documento de trabalho dos serviços da Comissão Europeia. Este documento apresenta uma avaliação negativa da eficácia do actual regulamento relativo às transferências de resíduos: falta de dados fiáveis; falta de sanções; falta de pessoal formado; falta de cooperação entre os Estados-membros.

Muitos países não dispõem de pessoal suficiente para realizar inspecções e, quando estas se realizam, as drogas ou o álcool são frequentemente o foco preferido, de acordo com um perito em transferências de resíduos da IMPEL, uma organização voluntária de inspectores ambientais da Europa.

Apenas 22 pessoas trabalham no departamento de transferências transfronteiriças de resíduos da Polónia. Em Espanha, o Ministério da Transição Ecológica e dos Desafios Demográficos (MITECO) tem seis funcionários dedicados a estas questões. Na Noruega, a Direcção do Ambiente tem quatro funcionários a trabalhar nos certificados de exportação de resíduos e 30 como inspectores. Dezoito funcionários são responsáveis pelo controlo das transferências de resíduos em França.

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Plataforma de reciclagem em Sainte-Marie-la-Blanche, França. Para além deste país, o plástico aqui reciclado tem origem na Bélgica e na Alemanha Andia/Universal Images Group via Getty Images

A Inspecção-Geral de Portugal (IGAMAOT) fiscaliza os crimes ambientais, mas também a agricultura, o mar e a gestão do território. Resultado de mais uma das célebres “reformas” do Estado, a IGAMAOT resulta da fusão de várias inspecções sectoriais, realizada em 2012 e acordada com a troika, que incluía a Comissão Europeia, o FMI e o BCE, na sequência do "resgate financeiro" do país após a crise da dívida de 2011. Actualmente, apenas 30 inspectores trabalham em questões ambientais. Os salários também são baixos, em comparação com outros funcionários públicos. No topo da carreira, os inspectores ganham menos de 3800 euros brutos por mês, o que não é competitivo com as suas habilitações (são todos engenheiros químicos ou de ambiente). O mesmo problema se verifica na Polónia, onde os inspectores estão a trocar os seus empregos por outros mais bem pagos no sector privado.

"A falta de pessoal é um problema generalizado. Não temos pessoal suficiente para fazer inspecções", afirma o funcionário da IMPEL.

Conseguirá a Europa apanhar os criminosos?

As inspecções são dificultadas pelo facto de a maior parte do comércio de resíduos se basear em documentos em papel. Não existe uma base de dados electrónica única para os resíduos na Europa e alguns países ainda não publicam os seus registos de licenças de gestão de resíduos.

Muitas vezes, várias instituições são responsáveis pelo controlo simultâneo das transferências de resíduos (inspectores ambientais, polícia, funcionários fiscais e autoridades aduaneiras e de transportes). Um relatório da Interpol de 2020 alertava para o facto de que, "devido a limitações nos poderes, as investigações de crimes relacionados com resíduos podem estar dispersas por diferentes autoridades".

Para melhorar esta situação, a UE criou o IMSOC, um sistema de gestão das informações provenientes das inspecções oficiais. A utilização do sistema tornar-se-á obrigatória após a introdução do novo regulamento da UE relativo às transferências de resíduos (WSR).

A Comissão Europeia afirma que "os sistemas de controlo/inspecção divergentes e a falta de critérios de inspecção harmonizados prejudicam a aplicação uniforme do Regulamento Transferências de Resíduos", indicando que "uma das principais razões para a persistência de transferências ilegais de resíduos é a falta de aplicação uniforme em toda a UE".

Desde 2016, a UE financiou pelo menos três projectos para combater estes transportes ilegais. Trata-se, em grande parte, de uma colecção de ferramentas de formação, informações regulamentares e tendências actuais em matéria de resíduos ilegais. Uma delas poderia fornecer aos inspectores um apoio digital valioso: uma ferramenta de localização de resíduos baseada em GPS.

"Até agora, desenvolvemos um manual para as autoridades sobre a forma de utilizar os localizadores e, para alguns países, encomendámos e entregámos localizadores", afirma um porta-voz deste projecto Europeu, o SWEAP. "Ainda não foram utilizados, pelo que, de momento, não temos resultados."

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Não existe uma base de dados electrónica única para os resíduos na Europa e alguns países ainda não publicam os seus registos de licenças de gestão de resíduos Matthew Horwood/Getty Images

A nova legislação europeia está em cima da mesa desde Dezembro de 2022. Poderá entrar em vigor no início de 2025, prevendo-se sanções mais pesadas e medidas para resolver as diferenças de interpretação e aplicação na Europa.

No entanto, para os inspectores ambientais no terreno na Polónia, a detecção de operações ilegais de resíduos continua a ser um desafio. "Por vezes, chamam-nos polícia ambiental", diz um inspector. "Mas nós somos um organismo administrativo, conduzimos processos administrativos e não investigações. A primeira coisa que ouvimos dos advogados das empresas inspeccionadas é que não tínhamos motivos suficientes para fazer a inspecção. Se se provar que abusámos dos nossos poderes, todas as nossas conclusões são inválidas. Os regulamentos são fracos."

Uma economia de resíduos não tão circular assim

Os europeus produzem, em média, 35kg de resíduos de embalagens de plástico por ano. E a tendência está a aumentar. De acordo com a OCDE, o consumo de plástico triplicará até 2060. Ao contrário do que muitos pensam, a maioria das embalagens não é reciclada. Em vez disso, acaba em aterros sanitários ou em incineradores potencialmente tóxicos. Estima-se que, no máximo, 40% das embalagens de plástico produzidas na Europa sejam recicladas.

"Temos de acabar com a ilusão de que estes resíduos são reciclados", afirma Nusa Urbancic, directora de campanhas da fundação internacional Changing Markets. "É uma sensação muito estranha quando sabemos que o plástico em que comprámos as coisas não é reciclado, mas acaba num aterro ou é incinerado."

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Nusa Urbancic FRANCOIS DE RIBAUCOURT

O plástico é produzido a partir do petróleo e do gás, combustíveis fósseis que estão na origem da crise climática. Investigadores dos Estados Unidos prevêem que a produção e a eliminação de plástico serão responsáveis por 15% das emissões globais de CO2 até 2050. O plástico está também a acelerar uma catástrofe ambiental sem precedentes. Estudos europeus e norte-americanos calcularam recentemente que 11 milhões de toneladas de resíduos de plástico afluem anualmente aos oceanos. Em 2030, esse número poderá ser o dobro — se os políticos, as empresas e os cidadãos não actuarem.

Em 2015, a UE apresentou um plano de acção para uma economia circular. O então vice-presidente da Comissão e actual comissário para a Acção Climática, Frans Timmermans, prometeu "fechar o ciclo". No futuro, as matérias-primas, como o plástico, deverão circular infinitamente. Da produção para o supermercado, para a mesa de jantar, para o caixote do lixo e de volta para a fábrica de reciclagem.

Mas este círculo perfeito é uma miragem, por agora. Os dados mostram que a incineração é um recurso, igualmente poluidor, em crescimento.

A incineração está a aquecer

"Vai cheirar um pouco mal", diz o director da única incineradora da Hungria, Tamás Jászay, abrindo uma porta para o chamado “bunker” de resíduos: com vários andares de altura, é o local onde se concentra muito do lixo de Budapeste, do qual os pombos se alimentam, antes de ser engolido por fornos de betão que o vão queimar a quase mil graus. Os quatro fornos queimam uma média de mil toneladas de plástico e outros resíduos por dia. No final, não resta nada para além da escória, que é transportada por camiões à espera, e do dióxido de carbono que sobe silenciosamente pela chaminé.

O impacto ecológico da incineração foi recentemente analisado pelo toxicologista holandês Abel Arkenbout, que foi encarregado por várias ONG de investigar a possível poluição nas imediações de instalações em França, Espanha, Lituânia e República Checa. O estudo de Dezembro concluiu: "Foram também encontradas quantidades crescentes de poluentes orgânicos persistentes perigosos na vegetação nas proximidades das incineradoras de resíduos."

De acordo com a associação industrial CEWEP, cerca de 500 instalações em toda a Europa queimaram resíduos domésticos em 2020. As instalações emitem 300 quilogramas de resíduos por tonelada de resíduos incinerados. Estas poeiras e resíduos são por vezes altamente tóxicos. Em Portugal há apenas duas, perto de Lisboa e do Porto.

Na Alemanha, as empresas de construção civil reutilizam os resíduos da incineração para pavimentar novas estradas. "Ao contrário do que muitas vezes se afirma, as instalações de incineração não dispensam as lixeiras", alerta o engenheiro ambiental Peter Gebhardt.

E o seu número está a aumentar. Há planos para 39 novas instalações na Polónia. Até à data, o país tem dez. Poderão ser co-financiadas pelo Banco Europeu de Investimento, que atribuiu 1,3 mil milhões de euros para a construção de novas incineradoras. Na República Checa, vão ser construídas cinco novas. O país terá assim uma capacidade de incineração anual de 2,2 milhões de toneladas.

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Plástico reciclado granulado Pedro Elias

A razão pela qual apenas uma parte do plástico pode ser reciclada em fábricas como esta está no design. Um frasco de ketchup ou de champô, por exemplo, pode ser composto por três ou quatro tipos de plástico diferentes. Estes não podem ser derretidos em conjunto, uma vez que têm pontos de fusão diferentes. Por conseguinte, só podem ser incinerados ou enviados para aterros sanitários.

Para fechar o ciclo, como prometia Frans Timmermans, a composição da embalagem deve ser alterada. Mas, até agora, está a acontecer o contrário. "A indústria aumentou a quantidade de plásticos flexíveis e multicamadas baratos", escreveu a empresa de consultoria Changing Markets num relatório recente. Numa carta aberta, várias ONG, incluindo o Gabinete Europeu do Ambiente e a Zero Waste Europe, apelaram a "uma concepção verdadeiramente circular que prepare os plásticos para a reutilização e a reciclagem".

A indústria protesta contra os objectivos obrigatórios que a Comissão Europeia propõe. Mas mesmo que as medidas prevaleçam, isso não é suficiente, diz Helmut Maurer, antigo especialista em plásticos da Comissão Europeia. Para ele, o preço das embalagens deve ser aumentado de forma a reflectir o seu impacto climático e ambiental, incentivando assim as pessoas a "produzir o mínimo de resíduos possível".

Maurer, e muitos outros, afirmam que, em última análise, o ciclo de resíduos sonhado pela UE deve tornar-se mais pequeno. "A verdadeira resposta deve ser evitar os resíduos de plástico.”

Isso seria o início de um caminho para uma economia circular mais pequena, com menos produção e de onde sairia menos plástico. Nessa altura, os trabalhadores portuários gregos não teriam de se desfazer de carregamentos ilegais provenientes da Alemanha e Kenneth Bruvik poderia caminhar ao longo da costa norueguesa sem se desviar dos detritos de plástico.

Anniina Koivu, 47 anos, é a curadora finlandesa da exposição inaugurada recentemente no MAAT (Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia), em Lisboa. Plástico: Reconstruir o nosso Mundo percorre as origens do plástico e a sua expansão em massa e termina com uma reflexão sobre o futuro.

Um exemplo, na última sala. Vemos alguns contentores com plástico triturado. E depois dois vídeos. Esse trabalho é de Maxwell Ashford, que é um designer britânico, ex-aluno de Design de Koivu. “O que eu achei muito interessante para o seu trabalho final foi o facto de ele ter decidido visitar fábricas de reciclagem e de gestão de resíduos na Suíça. Penso que visitou quatro para perceber o que acontece com as coisas que vai desenhar e como vão ser recicladas. E, de facto, descobriu alguns aspectos muito interessantes que as pessoas podem conhecer, mas que não têm em conta. Por exemplo, hoje é muito difícil reciclar plástico preto porque os sensores das fábricas não reconhecem o material de um objecto preto. Por isso, levanta-se a questão sobre se deveríamos evitar o plástico preto porque não o podemos reciclar. E quais são as lições aprendidas quando se olha para o ciclo final de um objecto desde o início?”, interroga-se a curadora.

Koivu deixa-nos a dúvida essencial: “Penso que é difícil viver sem plástico. Sim, estamos muito dependentes dele. Por isso, não diria que podemos simplesmente fazer uma espécie de corte radical e livrarmo-nos dele. A resposta é que, definitivamente, toda a gente devia ser mais consciente quando compra coisas. No início, o plástico era um novo material que lutava contra a extinção dos materiais naturais, do marfim às madeiras exóticas. E agora criámos o problema do plástico. A história parece estar a repetir-se, e chegamos a uma situação de emergência.”