Sheraldo, o homem-aranha, disse “sim” ao Suriname

Se o Suriname jogasse com o que de melhor saiu do país, talvez já tivesse tido resultados de alto nível nas últimas décadas. Assim, é só um pequeno país que precisa de Sheraldo Becker, o homem-aranha.

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Becker e o português Diogo Leite Reuters/ANNEGRET HILSE
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Há coisas certas na vida. Uma é que o sol nasce todos os dias, outra é que um jogador nascido no Suriname – ou com ascendência da pequena nação sul-americana – vai querer representar a selecção dos Países Baixos.

Mas há um homem em destaque no futebol europeu que quer mudar essa premissa que se julgava ser pouco menos do que uma fatalidade. Sheraldo Becker, que neste sábado somou dois golos e duas assistências no triunfo (4-2) do União Berlim frente ao Friburgo, é um atacante de 28 anos que escolheu o Suriname, país que nem um campeonato profissional tem, mas que pode ter o epíteto de melhor equipa da qual nunca ouvimos falar. Ou “melhor equipa que nunca o foi”, como descreveu o jornalista Jake Rosengarten num artigo na Austrália.

Não, Becker não nasceu em Paramaribo. Não, não viveu no Suriname. Mas ao contrário de outros que lá cresceram, Becker quis o Suriname.

Levemos este texto para um mundo imaginário tomado pela total fantasia futebolística. Nesse mundo, todos os talentos nascidos ou com ascendência no Suriname jogariam pelo país. Nesse mundo, a nação teria jogado futebol com os seguintes jogadores: Ruud Gullit, Frank Rijkaard, Clarence Seedorf, Patrick Kluivert, Edgar Davids, Michael Reiziger, Mario Melchiot, Winston Bogarde e Jimmy Floyd Hasselbaink.

Se esse mundo ainda existisse, então o Suriname jogaria agora com Virgil van Dijk e Dumfries na defesa, Georginio Wijnaldum e Ryan Gravenberch no meio-campo e Sheraldo Becker e Jeremain Lens no ataque.

Um lugar em 2026?

Mas se voltarmos ao mundo real o cenário é diferente. O colonialismo neerlandês explorou o Suriname durante décadas e nem o futebol ficou fora disso. Sem esse êxodo, talvez pudessem ir a um Mundial, algo que nunca fizeram.

A mágoa dos surinameses fez com que durante anos o país não permitiu que cidadãos com nacionalidade neerlandesa e ascendência do Suriname representassem a selecção, algo que só mudou em 2019, quando aceitaram “passaportes desportivos” a futebolistas profissionais com nacionalidade neerlandesa.

A mais de nove horas de avião de Paramaribo, Sheraldo Becker entregou-se à nação dos seus pais por via desta alteração nas leis do país. E talvez venha a colher frutos, já que com Becker na batuta o Suriname terá uma boa oportunidade de chegar a um Campeonato do Mundo.

Em 2026, o Mundial organizado por Estados Unidos, México e Canadá vai dar às três nações lugar directo na prova. Ou seja, na qualificação da América do Norte e Caraíbas haverá espaço para selecções menos poderosas, algo que se junta ao formato de 48 equipas. Mesmo havendo selecções mais poderosas atrás daquelas três, sobretudo Costa Rica, Jamaica, Panamá e Honduras, o cenário está montado para Becker e o seu Suriname poderem sonhar.

Ao nível de uma qualificação da CONCACAF, um jogador como Becker poderá ser um elemento diferenciador.

Força acima da técnica

Nesta temporada, já leva 12 golos e dez assistências pelo impressionante União Berlim, que se prepara para chegar à Liga dos Campeões. E não estamos a falar de um ponta-de-lança.

Becker, formado num Ajax que nunca lhe deu uma oportunidade na equipa principal, é um ala que até esta temporada tinha feito uma carreira modesta.

Andou por clubes modestos dos Países Baixos e mesmo no União Berlim, onde chegou em 2019, não conseguia grande destaque. Jogava pouco até ao ano passado, quando fez 40 jogos, embora sem muitos golos.

Nesta temporada, tornou-se o primeiro jogador da história do União a ser jogador do mês na Bundesliga e não fossem os 28 anos e talvez estivéssemos a falar de alguém para outros voos.

É o quinto melhor do campeonato na soma entre golos e assistências e está em posições de destaque em oportunidades e grandes oportunidades criadas, bem como passes decisivos. Está longe de ser um driblador – os valores de dribles tentados ou de sucesso são baixos – e destaca-se, sobretudo, por ser um jogador de força e potência, que gosta de pedir a bola no espaço e cruzar ou rematar.

Se o fizer com sucesso, celebra como o homem-aranha – a imitar o lançamento da teia ou mesmo com uma máscara, como fez neste sábado. E o Suriname poderá ser feliz com o homem-aranha.

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