Activistas bloqueiam terminal de Sines por terra, mar e gasoduto e declaram vitória
Manifestantes retiraram-se do local pelas 20h30 com sentimento de missão cumprida.
Este sábado, dezenas de activistas da plataforma Parar o Gás bloquearam duas entradas do terminal de gás natural da Rede Eléctrica Nacional (REN), em Sines, ligando os braços com tubos para impedir a entrada e saída de veículos, acompanhados por mais de uma centena de activistas, vestidos de fatos brancos de corpo inteiro, a entoar palavras de ordem: “Gás? Petróleo? Carvão? Deixá-los no chão!” Além dos dois portões, foi também temporariamente bloqueada a entrada por mar e, ao final da tarde, os activistas afirmam que alguns elementos do grupo entraram numa das estações ao longo do gasoduto e “fecharam, com as suas próprias mãos, a válvula de emergência” que bloqueia o fluxo de gás natural do gasoduto de Sines. Cerca das 20h30, foi dada a ordem de retirada: objectivo cumprido.
Ao longo do dia, o protesto reuniu cerca de duas centenas de pessoas, que chegaram ao final da manhã em carro próprio ou num dos três autocarros com origem no Porto, Coimbra e Lisboa. Matilde Ventura, uma das porta-vozes da acção, estas acções de desobediência pacífica servem para tornar visível a “repressão” do sistema baseado em combustíveis fósseis sobre as pessoas.
Questionada sobre os esforços do Governo português para reduzir as emissões, considera que as medidas anunciadas e o discurso focado na transição ecológica são o que chama de “greenwashing”: uma forma de mascarar como ecológica uma estratégia em que, na realidade, afirma, “o Governo mostra que prefere defender os interesses das empresas fósseis”. “Nenhum governo do mundo está a fazer o necessário”, alerta.
“Não deveria ser necessário tanto”
Com um brilhozinho nos olhos (reforçado por purpurina) e ar de desafio, dez activistas sentaram-se lado a lado à frente do portão por onde habitualmente entram os camiões carregados com gás natural liquefeito (GNL) vindos do Porto de Sines, cerca do meio-dia. Ao centro estava Ana Maria, de 35 anos, presa ao portão pelo pescoço, com um dispositivo de bloqueio. É enfermeira de ajuda humanitária: “Tenho testemunhado em primeira mão o impacto das alterações climáticas em populações muito mais vulneráveis.”
Porquê escolher esta forma de acção? É, descreve, “mais uma tentativa, entre muitas”, de chamar a atenção. “Não deveria ser necessário tanto... Não deveria ser necessário tanto”, repete. É preciso abrir os olhos, acrescenta, perante "os lobbies capitalistas" que atrasam as decisões de descarbonização urgente. "É o ponto em que já estamos... Já não há tempo."
Umas centenas de metros acima, outra mão-cheia de activistas encenaram o mesmo protesto num portão menor, mais usado pelos funcionários da REN. Ao centro está Catarina Bio, estudante de direito, que também usa uma espécie de aloquete a prender o seu pescoço ao portão. Reconhecemo-la como uma das estudantes que, nas últimas semanas, esteve na “ocupação” de duas faculdades da Universidade de Lisboa, que culminou numa greve de fome de duas alunas de psicologia. Catarina está agora numa posição literalmente desconfortável, mas que parece encarar com serenidade. “O nosso objectivo foi sempre parar a saída dos camiões de gás”, explica. Ficarão, por isso, até serem retirados do local.
Um pouco à frente, no grupo de entoa palavras de ordem, encontramos o matemático Miguel Gaspar, docente e investigador no Politécnico de Leiria, que veio para o protesto com o filho adolescente. Vestido com uma bata com as palavras “Scientist Rebellion” nas costas, reforça o papel da comunidade científica nesta luta: “A informação sobre as alterações climáticas é tão vasta que qualquer pessoa com formação científica está minimamente preparada para tirar ilações óbvias a partir do que temos”. Para Miguel, ao fim de décadas de dados científicos, é preciso passar “desse processo formal” para outras formas de ter uma voz mais activa. “Senão não chegamos a lado nenhum.”
De acordo com Catarina Viegas, outra das porta-vozes da acção, durante a tarde foi a vez de membros da Parar o Gás, com o apoio de activistas da Greenpeace, “bloquearem por via marítima a entrada no Porto de Sines, com recurso a barcos e os próprios corpos dentro de água”. A porta-voz reconhece que houve intervenção policial, mas que foi possível contornar as forças policiais. À agência Lusa, entretanto, fonte da Polícia Marítima de Sines disse que o Porto de Sines está a “operar normalmente, sem qualquer constrangimento”.
Ao final da tarde, com o grupo reduzido já a menos de uma centena de pessoas, sob o olhar sempre atento de agentes da GNR, os activistas levantaram o bloqueio nas entradas menores e concentraram-se junto à entrada principal, com o içar de uma enorme faixa a dizer “Parar o Gás”.
Preparação cuidada
Para a plataforma Parar O Gás, um grupo que reúne diversos colectivos de todo o país, esta acção serve para reivindicar electricidade 100% renovável e acessível a todas as pessoas em Portugal até 2025.
Tendo em conta que “a grande maioria do gás fóssil é utilizada para produzir electricidade em Portugal” e que “a grande maioria do gás fóssil chega a Portugal por barco, no porto de Sines”, o curso de acção era óbvio: “No dia 13 de Maio de 2023, partiremos de vários lugares em Sines” para travar o funcionamento do terminal “com coragem e criatividade”, lê-se no chamado “consenso de acção”, onde são definidos os objectivos e regras.
Tudo é preparado com cuidado, entre a sessão inicial de apresentação a pessoas curiosas, a formação em acção de massas e o briefing legal em que uma jurista explica quais são os direitos e garantias de quem escolhe manifestar-se desta forma. Aqueles que se mostraram disponíveis para a acção de bloqueio concretamente — e, portanto, mais sujeitos a serem detidos — tiveram preparação ao longo de meses para saberem como actuar sem pôr em causa a segurança dos trabalhadores do porto de Sines ou mesmo a sua.
Na formação sobre acção de massas, uma das mensagens principais é a não violência: seguir o consenso de acção é abster-se de agredir ou insultar polícias ou quaisquer outras pessoas que intervenham. Mesmo a resistência às detenções é pacífica — mas são recomendadas técnicas para dificultar ao máximo o processo de detenção.