Já é possível fazer terapia assistida por psilocibina (a substância presente nos “cogumelos mágicos”) nos EUA. A primeira licença foi emitida na passada sexta-feira, em Eugene, no estado do Oregon, nos EUA. Só que, ultrapassadas as barreiras legais de acesso a terapia com psicadélicos, os interessados esbarram no preço: o programa com uma sessão individual com uma microdose de psilocibina pode custar 500 dólares (cerca de 456 euros) por pessoa; com a dose mais alta vai até aos 3500 dólares (3189 euros).
Chama-se Eugene Psychadelic Integrative Center — abreviado para EPIC Healing Eugene — e é pioneiro nos EUA: conseguiu a primeira licença oficial que permite a um centro de serviços oferecer terapia com recurso a cogumelos mágicos a adultos maiores de 21 anos.
É descrito como um “centro de saúde e bem-estar estilo boutique”, lê-se no site, e diz oferecer “serviços especializados de apoio que facilitam a cura, renovação, integração e o despertar”, mas também “terapia assistida por psicadélicos”, descrita como “transformacional”. A proprietária do centro, Cathy Rosewell Jonas, descreve-se como uma “facilitadora de psilocibina licenciada pelo estado do Oregon” — onde não é preciso ser médico nem psicólogo para ser um facilitador.
A psilocibina é uma substância que está a ser estudada em várias partes do mundo como tratamento para doenças como a depressão. Há ensaios a decorrer, quase todos financiados por empresas que testam uma formulação sintética da substância que se encontra naturalmente nos “cogumelos mágicos” e que provoca a viagem psicadélica – é o caso dos estudos da Compass Pathways que tiveram uma fase em Portugal. A escolha da formulação sintética permite saber exactamente que dose está a ser administrada, o que não acontece quando se consome os cogumelos. Contudo, na EPIC não se usam comprimidos com a versão sintética da substância: usam-se mesmo cogumelos, os tais Psilocybe cubensis, a única espécie autorizada naquele estado (e que têm de ser de produção local).
Angie Allbee, líder dos serviços de psilocibina no estado do Oregon, mostrou-se satisfeita com o passo, de acordo com o jornal The Oregonian. “Cada centro licenciado e os facilitadores que trabalham para eles vão decidir os custos e gerir as próprias operações e comunicações”, cita o jornal.
3500 dólares por uma viagem?
As sessões com psilocibina ainda não começaram, mas a EPIC Healing Eugene espera arrancar com o programa em Junho deste ano. No Oregon, os interessados não têm de ser referenciados por nenhum médico. O processo é descrito no site: primeiro, agendam uma consulta gratuita de 15 minutos com o potencial cliente, para “saber se a terapia assistida por psilocibina é a escolha certa”. Só depois se dá seguimento ao processo, passando por um rastreio feito por uma equipa “médica/de saúde mental”. A seguir chega a “primeira de três sessões de preparação”, quando o cliente é dado como elegível.
Estas sessões de preparação servem, normalmente, para apresentar algumas indicações sobre o que esperar e conselhos sobre o que fazer quando se é confrontado com uma bad trip, ou experiência desafiante. “Ensinamos uma variedade de estratégias de auto-ajuda para ajudar os clientes a prepararem-se e depois a obterem o máximo das suas experiências de transformação”, lê-se no site.
Depois da preparação chega a sessão (ou sessões) com psilocibina, seguidas de sessões de integração depois da viagem psicadélica — para desmontar o que se viveu e de que forma se podem integrar esses conhecimentos na vida quotidiana.
Mas é chegando ao preçário que aumentam as críticas. É que a sessão com a dose mais alta de psilocibina (entre 2,5g e 4g) oferecida pelo EPIC Healing Eugene custa 3500 dólares, preço que inclui a sessão de preparação, integração e a assistência de facilitadores que ficam com o cliente durante a duração da “viagem” – que pode durar até seis horas.
A empresa oferece mais modalidades. Há dois tipos de microdoses (a mais baixa vai dos 0,1g aos 0,4g e a mais alta dos 0,4g aos 0,8g), que podem durar entre uma a três horas e que custam 500 ou 800 dólares (respectivamente) na modalidade sessão individual e 300 a 500 na sessão de grupo. Estas doses não têm um efeito psicadélico perceptível, isto é, não induzem viagens, como se lê no site: “Nesta sessão, os clientes tomam uma quantidade suficiente para sentir uma expansão da consciência moderada, mas não o suficiente para entrarem numa viagem psicadélica mais profunda. A microdosagem constrói a neuroplasticidade e aumenta a receptividade do coração e da mente num contexto terapêutico”.
A chamada “dose baixa” (entre 1g e 1,5g), com sessões que duram até quatro horas, pode custar 1500 dólares numa sessão de grupo e 1800 numa individual, e a “dose média” (1,5g até 2,5g) pode durar cinco horas e custar 2300 dólares em sessões de grupo e 2800 dólares em sessões individuais.
Custos exactos ainda estão “por decidir”
Contudo, há um asterisco: “Todos os custos listados acima não incluem o custo do medicamento (mais 15% do imposto sobre psilocibina do Oregon) que deve ser pago em dinheiro antes da sessão experiencial”. E “porque a produção de psilocibina regulada pelo estado é tão recente”, os custos exactos “ainda estão por decidir”, de acordo com a última tabela publicada na segunda-feira.
O site da empresa acrescenta ainda que nenhum destes custos estão cobertos por seguros de saúde norte-americanos.
Os “cogumelos mágicos” são ilegais a nível federal. Contudo, são encontrados no “mercado negro”, e, de acordo com a Vice, há serviços de entregas que vendem 60 cápsulas de microdoses por 160 dólares.
Reggie Harris, fundador da Oakland Hyphae, uma organização que procura educar para os psicadélicos, ouvido pelo mesmo site, diz que meia grama de cogumelos custa menos de um dólar a produzir e questiona os preços tão elevados: “Estamos a pagar pelo quê? Por uma ou duas horas do tempo de alguém, que se senta contigo enquanto tomas uma microdose?”
Ainda poucos países no mundo usam psicadélicos em contexto médico, para auxiliar a terapia e tratar algumas doenças psiquiátricas. A Austrália é um deles e aprovou a psilocibina e MDMA (conhecido como ecstasy) para uso clínico.
Portugal participou num estudo com psilocibina, mas não há base legal que permita que esta substância seja usada fora dos ensaios clínicos.
Contudo, há terapia assistida por ketamina, anestésico que induz um efeito psicadélico em pequenas doses e que, em conjunto com a psicoterapia, se mostrou eficaz no tratamento de depressão resistente. Há pelo menos dois hospitais públicos em Portugal que oferecem esta terapia com ketamina, mas o acesso é muito mais restrito do que no Oregon com a psilocibina: o doente tem de ser referenciado por um médico e não ter nenhum critério de exclusão, como já ter tido um episódio psicótico antes. Há também algumas clínicas privadas que oferecem a terapia assistida por ketamina.