Transportes a abarrotar em Lisboa: “Há cada vez mais pessoas e os autocarros são os mesmos”

O que “sempre foi mau” está agora “muito pior”, dizem alguns dos utentes do Metro e da Carris sobre o actual estado dos transportes em Lisboa nas chamadas horas de ponta.

#MAM Maria Abranches - 11 de Maio 2023 - Reportagem sobre o funcionamento dos transportes em Lisboa, Lisboa.
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Há quem acorde de madrugada para tentar fugir às filas que se formam nas paragens de autocarro ou de metro Maria Abranches / Publico
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Às 5h45, ainda noite, da passada quinta-feira, duas dezenas de pessoas já se perfilam junto a uma das paragens da Carris no lisboeta Largo do Lumiar. Esperam pela carreira 736 que sai de Odivelas e tem como destino o Rossio. Alice Lopes, de 54 anos, mora na zona e é ali que apanha todos os dias de semana, “vai para 14 anos”, o transporte para uma empresa de seguros na Baixa da capital onde faz limpezas. Só pega ao serviço “por volta das 7h”, mas “pelo seguro” vem com “alguma antecedência” para não falhar o transporte. “Quando o autocarro aqui chegar já vem, quase de certeza, cheio, mas ainda há lugares em pé. Daqui a meia hora, uma hora, é vê-los passar. Vêm cheios e já não param”, afirma ao PÚBLICO.

Alice assegura que “os transportes estão cada vez piores”. Ou seja: “Há cada vez mais pessoas e os autocarros são os mesmos ou ainda menos. Isto nunca esteve tão mau. Eu bem vejo quem anda a dizer na televisão que os transportes estão melhores, mas é mentira. Eles que venham para cá às sete ou às oito da manhã para verem as melhoras. Era o vinhas! Têm carrinho com motorista. Vivem no bem bom e o povinho na miséria”, acrescenta.

“Sabe quando é que isto esteve bem?”, pergunta. A resposta vem logo a seguir: “No princípio da pandemia. Havia lugares para todos [risos]. Mas também não foi por muito tempo. Ainda andava tudo de máscara e já isto estava cheio outra vez. Agora, está pior que antes da pandemia. E então, desde que começaram as obras em toda a cidade [da expansão do Metro e do Plano de Drenagem]”, ficou uma desgraça ainda maior.”

Quando sair do trabalho na seguradora, a meio da manhã, Alice Lopes ainda vai trabalhar mais três horas numa casa particular. “No regresso é a mesma confusão. Eu tenho sorte, porque saio [do trabalho] antes das cinco da tarde, mas tenho vizinhas minhas que demoram mais de duas horas para vir da Baixa para o Lumiar. Mais de duas horas!”, conta.

Sete transportes por dia para ir trabalhar

Maria Monteiro, de 65 anos, vive na Cidade Nova, no concelho de Loures, e trabalha nas limpezas numa empresa na lisboeta Av. António Augusto de Aguiar, junto ao El Corte Inglés. Por volta das 5h20, apanha a carreira 2769. Apeia-se no Campo Grande e segue no 36 para a Rua dos Bombeiros Voluntários, junto à Av. da Liberdade. Depois apanha o 42 ou o 13, que a deixa próximo do seu local de trabalho. Gasta “nunca menos de 1h30, 1h40” para chegar ao seu primeiro trabalho, “se não houver muito trânsito”.

Pelo menos três vezes por semana, ainda vai trabalhar numa casa particular na freguesia de Carnide. Nesses dias, para ir para o segundo trabalho, apanha o metro em São Sebastião da Pedreira e sai no Colégio Militar. Aqui apanha a carreira 3 até Carnide. Findo o trabalho, por volta das 18h, espera pelo 67 que a leva até ao Campo Grande. Por fim, regressa à Cidade Nova na carreira 2769.

Quando vai à casa particular em Carnide, Maria é obrigada a apanhar sete transportes para ir trabalhar e regressar a casa: “A única coisa que eu pedia às pessoas que tratam destas coisas é que metessem mais duas carreiras logo às primeiras horas da manhã a saírem da Cidade Nova. Em muitas paragens, os autocarros já não param porque já estão cheios logo nas primeiras paragens e as filas são enormes. Isso já ajudava muito.”

“Uma pessoa paga passe, paga impostos para estar horas à espera de um autocarro, para ir como sardinha em lata nos transportes. E quando há greves, então é um inferno”, acrescenta.

Maria apanhou a primeira carreira na Cidade Nova às 5h20, deixa o seu segundo trabalho em Carnide por volta das 18h. “Se tudo correr bem, se os autocarros chegarem logo”, não chega a casa antes das 19h15. “Quando as coisas correm mal, já tive dias em que cheguei depois das nove [21h].” Ou seja, 16 horas depois de ter saído de casa.

A carreira 763 chegou ao Lumiar às 6h. Já vem bastante cheia, com muita gente em pé nos corredores, mas ainda consegue albergar aquelas duas dezenas de pessoas. “Isto é sempre assim, a partir das 5h, mais coisa menos coisa, é sempre cheio. Muitas vezes está tão cheio, que não cabe mais ninguém e temos de saltar algumas paragens”, diz Filipe Gonçalves, o motorista da Carris de serviço.

Menos pressão no Metro do que na Carris

Com muito pouco trânsito, a viagem do Lumiar ao Campo Grande demorou cerca de dez minutos. Junto às paragens de autocarros vêem-se novas filas. Oito pessoas aguardam junto a uma das portas da estação do metro, que só abre às 6h30. Quando os passageiros chegam à plataforma da Linha Verde, aguarda-os uma composição de três carruagens. Já foram seis, mas as obras de expansão da rede levaram a um corte para metade no início deste mês, além de motivarem o encerramento por cerca de três meses das estações de Telheiras e do troço entre o Campo Grande e a Cidade Universitária. A administração do Metropolitano de Lisboa anunciou que as seis carruagens vão voltar às estações pelo menos a 20 de Junho.

A primeira composição do dia sai com muito poucos passageiros. Mas conforme vão passando os minutos e as carruagens vão chegando de forma regular, com intervalos de três a quatro minutos, o número de pessoas na plataforma vai aumentado de forma significativa.

Perto das sete horas, o estrado de acesso às carruagens tem cada vez mais gente. De meia dúzia, aquando da abertura das portas da estação, passam agora a ser centenas os que enchem as carruagens. Seguem “marés” de gente, muitos de pé nos corredores, mas, entre as 6h30 e as 7h40, não há nenhuma de tal forma cheia que deixe gente apeada.

“Desde que reduziram as carruagens, há alturas em que é o caos. Até já houve cenas de pancadaria. As pessoas querem ir trabalhar e, às vezes, não conseguem apanhar o comboio. Hoje [quinta-feira] até nem está muito mau”, disse um funcionário de uma empresa de segurança privada que trabalha para o Metro e que pediu para não ser identificado por se encontrar “em horário laboral.

Explicação para neste dia não estar “muito mau” é dada por Andreia Pereira, que há cerca de 15 anos trabalha num pequeno café na plataforma agora também com vista para máquinas de obras, terra revolvida e muitos tapumes. “Teletrabalho é a explicação. Quinta e sexta-feira são os dias em que muita malta fica em casa em teletrabalho e isso nota-se logo na estação. Nestes dias, há para aí menos um terço de pessoas do que nos outros dias da semana”, afirma soltando um largo sorriso.

“Deviam fazer as obras no Verão, durante as férias [escolares] dos miúdos ou à noite. E agora só com três carruagens há dias em que é uma desgraça”, acrescenta Ana Prazeres, colega de trabalho de Andreia.

“Andam a fazer obras para mostrar ao Papa e aos que vêm para a Jornada da Juventude que vão ver uma cidade maravilhosa, linda, e os outros que se lixem. Pode ser que o Papa faça um milagre e resolva os problemas dos transpores da cidade”, acrescenta rindo.

Para Andreia Pereira, “pior que o Metro é a Carris”: “Há filas com mais de 100 pessoas nas paragens. Há não muito tempo, levava 30/40 minutos para ir do Campo Grande ao Alto de Santo Amaro, agora levo 1h30.”

As obras, que causam um barulho ensurdecedor na estação, também estão a ser más para o negócio do pequeno café. “A facturação caiu 80%. Quem é que quer beber um café e comer qualquer coisa com esta poeirada e este barulho?”, pergunta Ana Prazeres.

Início de manhã calmo no Rossio

O PÚBLICO apanhou a composição que saiu do Campo Grande pouco antes das 8h. As carruagens, como quase todas as anteriores, levam bastante gente e, mais uma vez, há muita gente de pé nos corredores, mas cabem sempre mais alguns, que vão entrando ao longo das nove estações da Linha Verde até à chegada ao Rossio.

Pelas 8h30, há muita gente nos corredores da estação da Baixa, mas nada a que se possa chamar multidão. Ainda há poucos turistas e não há qualquer fila junto às máquinas de aquisição de bilhetes nem nos torniquetes que dão acessos às plataformas. Nas carruagens da Linha Verde, que rumam a norte, há muito menos gente no sentido inverso. Há mesmo cadeiras vazias.

No exterior da estação, também não há filas de gente junto às paragens da Carris. Os autocarros que fazem a ligação entre o Rossio e o Campo Grande partem mesmo com a grande maioria das cadeiras vazias.

Passageiros quase ao nível da pré-pandemia

Segundo um comunicado de quarta-feira do Ministério do Ambiente e da Acção Climática sobre a procura nos transportes colectivos urbanos tutelados pelo Governo, no que respeita ao Metropolitano de Lisboa, o número de passageiros ainda não bateu os níveis da pré-pandemia, mas já anda perto. Nos primeiros quatro meses do ano, foram registados 54,2 milhões de passageiros em 2019, 39,2 milhões em 2020, 17,1 milhões em 2021, 38,5 milhões em 2022 e 53,1 milhões este ano.

O PÚBLICO regressou à plataforma da estação do Rossio e apanhou a composição de regresso ao Campo Grande, pelas 9h. As carruagens levam bastante gente, mas há mais uma vez algumas cadeiras sem gente. Duas jovens que fazem este percurso regularmente àquela hora dizem que “este é um dia igual aos outros”. “A meio da tarde, quando as pessoas começarem a sair do emprego, é que isto enche. Nessa altura vai à pinha”, acrescenta uma delas.

Às 9h30, ainda há filas em algumas estações da Carris no Campo Grande. A maior está na da carreira 701, que tem destino final em Campo de Ourique. “Isto sempre foi do piorio, mas com obras por todo o lado ficamos horas nas paragens porque muitos autocarros já apinhados nem param. Há pouco tempo, estive aqui mais de uma hora e só apanhei o terceiro [autocarro] porque os outros não pararam”, diz Maria do Carmo. “Estou aqui há meia hora”, reclama outra mulher.

Pouco tempo depois, chegam dois autocarros da mesma carreira ao mesmo tempo. O primeiro está cheio, mas o motorista ainda permite a entrada de três pessoas. Os restantes enchem a segunda viatura, que chegou quase vazia.

Ainda antes das 10h, as filas de espera começam a diluir-se. As estações do Metro e as paragens dos autocarros da Carris vão voltar a encher-se a meio da tarde, quando as pessoas começam a deixar os postos de trabalho e as crianças as escolas. Agora não para entrar em Lisboa, mas para sair da grande cidade em direcção a bairros e concelhos dos arredores.

Notícia alterada. Corrigida a informação sobre as estações de metro afectadas pelas obras de expansão da rede. A estação encerrada é Telheiras e não Carnide.

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