No contra-relógio da adaptação às alterações climáticas, existe já um menu de medidas à disposição, mas o investigador Robert Nicholls avisa: são precisas "abordagens híbridas", já que nenhuma solução única será completa. O especialista em adaptação climática foi um dos oradores principais da Conferência Cidade Azul, dedicada aos problemas das cidades costeiras, que marca o primeiro aniversário da secção do PÚBLICO sobre ambiente, crise climática e sustentabilidade.
Robert Nicholls, director do Tyndal Center e professor da Universidade de East Anglia na área da adaptação climática, falou à plateia do centro de congressos do Pavilhão Rosa Mota, no Porto, sobre os dilemas das cidades costeiras, entre a subida do nível das águas do mar, resultante do aquecimento global, e o problema do abatimento do solo, fruto da pressão das megacidades sobre o solo (este segundo problema, notou o convidado, ainda não é preocupação para Porto ou Lisboa).
A erosão costeira foi o tema abordado ao longo das últimas semanas pelo Azul, mas não é a única questão que apoquenta as cidades do litoral em contexto de alterações climáticas. No seu discurso de abertura, o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), Rui Moreira, reconheceu que "sem cidades sustentáveis, a humanidade não conseguira travar o aquecimento do globo e os seus efeitos". Precisamos de "políticas mais ambiciosas e inovadoras, de práticas mais sustentáveis nas cidades", sublinhou o autarca, que aproveitou para notar os esforços da CMP no caminho para a neutralidade carbónica, condensados no Pacto do Porto para o Clima.
"Não deixar ninguém para trás"
No painel da manhã, moderado pela jornalista Andréia Azevedo Soares, o tom foi lançado logo ao início, por Miguel Miranda, director do IPMA. "Será que a democracia consegue atacar a questão da mudança do clima?" O geofísico notou que estamos numa "emergência planetária", que "tem muitos elementos que não são apenas climáticos".
Um dos grandes temas debatidos no painel foi a complexidade da mudança de comportamentos. "Nada garante que os comportamentos vão mudar para melhor", lamentou Miguel Miranda. "Preparem-se: a resposta da humanidade não vai ser racional. E não vai ser boa."
João Morais Mourato, investigador auxiliar no ICS – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, reforçou que "as alterações climáticas vêm chocar com privilégios". "Vamos estar a gerir acima de tudo, choques": na forma como comemos, como nos vestimos, como nos movemos, como vivemos. E onde vivemos, também. "A orla costeira deve ser encarada como um privilégio?", questionou o investigador.
Miguel Miranda deixou, ainda o alerta de que é necessária "humildade científica", na medida em que é preciso "saber quais as consequências do que vamos fazer", mas reconhecendo que os cenários a longo prazo devem ser encarados com flexibilidade.
Também a bióloga Helena Freitas sublinhou que "não podemos construir soluções para o futuro com base naquilo que tínhamos no passado". No contexto das cidades, em particular, "vamos precisar de mais ciência". E acrescentou: "Vamos precisar de trazer mais ciência para a política."
Será preciso encontrar um conjunto de soluções com base no conhecimento científico, com particular foco para as soluções de base natural. "Não há nada que nos aproxime mais da nossa condição humana do que a natureza", afirmou.
Um terceiro tema central do painel foi a questão das desigualdades: é preciso encontrar soluções tecnológicas que não tenham "impactos sociais gigantescos", notou Miguel Miranda. "Temos que ter o princípio de não deixar ninguém para trás, e muitas das nossas soluções estão a deixar segmentos importantes da população para trás", sublinhou o geofísico.