“Em algumas cidades costeiras, a terra está a afundar-se. Muitas pessoas vivem ali”
Especialista no estudo do impacto da subida do nível do mar nas regiões costeiras alerta para o planeamento das cidades contra fenómeno inescapável associado às alterações climáticas.
Há décadas que Robert Nicholls se dedica a estudar os impactos das alterações das regiões costeiras devido a causas humanas e fenómenos sistémicos, como as alterações climáticas. Formado em engenharia costeira, o investigador inglês é director do Centro Tyndall para a Investigação das Alterações Climáticas e professor na Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Os deltas, onde vivem centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, é um dos temas a que se dedica. Esta sexta-feira, o investigador inglês foi o orador principal no evento que marcou o primeiro aniversário do Azul, intitulado As Cidades Costeiras e a Crise Climática: da Ameaça à Urgência na Adaptação, que ocorreu no Porto. “Mesmo se estabilizarmos a temperatura, o nível do mar vai continuar a subir”, alertou durante a conferência.
É cada vez mais perigoso viver nas regiões costeiras?
Os riscos estão a aumentar. Não diria que é um aumento dramático. Uma das razões para isso é o aumento do nível do mar. Os eventos extremos são piores. Em algumas cidades costeiras, a terra está a afundar-se. É uma pequena porção da área terrestre, mas muitas pessoas vivem ali.
Pode explicar esse processo?
As pessoas estão a retirar água subterrânea que está no depósito dos deltas, que vão ficando consolidados. Isso significa que perdem elevação de uma forma dramática. Podem atingir dez centímetros por ano. É muito mais rápido do que o aumento do nível médio do mar induzido pelas alterações climáticas. Acontece em muitas cidades costeiras.
É possível escapar à subida do nível do mar?
Não. A escala temporal do oceano é muito grande. A água que se afunda no oceano pode levar 6000 anos até voltar à superfície. Do mesmo modo, as grandes calotes de gelo [da Gronelândia e Antárctida] têm escalas temporais muito grande e demoram muito tempo até estabilizar numa nova situação climática. Se estabilizarmos o clima sob o Acordo de Paris, por exemplo a menos de dois graus Celsius [em relação ao período pré-industrial], vai demorar muito tempo até à expansão térmica do oceano e o derretimento do gelo atingir um equilíbrio. É um período de tempo muito longo, para lá da vida humana.
O que é que o aumento do nível do mar vai significar para a vida das pessoas?
O grande impacto são as inundações. Na América, eles estão a ter a experiência disso agora. Na costa Leste dos Estados Unidos, o nível do mar está a aumentar anualmente entre três e quatro milímetros, o dobro do da Europa. Estão a viver inundações regularmente, mesmo nos dias soalheiros. Quando há grandes tempestades, os níveis da água são ainda maiores. Como o mar vai ficando com maior profundidade, acaba por provocar danos cada vez mais para dentro de terra. Mas isto vai afectar todos os fenómenos, os menos graves vão acontecer muito mais frequentemente, e, em conjunto, poderão ser bastante significativos.
Na conferência referiu que, muitas vezes, só após uma catástrofe é que as pessoas agem. Mas, ao mesmo tempo, é necessário fazer planos a longo prazo. Como se ultrapassa este dilema?
Somos reactivos à adaptação. Há algumas excepções, Londres e os Países Baixos, ambos fizeram planos pró-activos para a subida do mar. Acho que isso reflecte a existência de visionários nos governos, e havia os recursos. Nos Países Baixos, o furacão Katrina serviu quase como uma inundação virtual. Os cidadãos aperceberam-se de que, se os seus diques falhassem, seria mesmo mau. Na maioria dos lugares é necessário um desastre, como o Katrina.
Além disso, nos Países Baixos e no Reino Unido temos instituições que existem há muitas décadas. Elas foram financiadas o suficiente para se sustentarem e tentarem melhorar continuamente. Quando um desastre destes acontece, as pessoas vão pensar de uma forma diferente. E se alguém já tiver feito o trabalho e tiver um plano que, em vez de se construir como estava, prevê fazer-se diferente, as pessoas que iriam rir-se do novo plano antes do desastre vão passar a querer lê-lo. É preciso tentar dar um uso àqueles acontecimentos, tentar deixar um legado que é maior. Isso cabe às instituições e a quem tem uma visão.
Pode explicar o caso de Londres?
Em 1953, houve uma tempestade com sobrelevação costeira que matou 307 pessoas em Inglaterra e 19 na Escócia. A maioria das mortes foi fora de Londres. As defesas que existiam a jusante [do rio Tamisa] falharam. Ficou claro que Londres estava ameaçada. Por isso surgiu a ideia de se construir uma barreira, finalizada em 1982.
Como a barreira tem um tempo de vida de 50 anos, em teoria, será necessário construir uma nova em 2032. Hoje, há mais pessoas a viverem atrás da barreira, há mais bens e há alterações climáticas. Acabaram por reconhecer que iriam ter de gastar muito mais dinheiro. Mas como gastá-lo de forma inteligente? E quando é necessário gastar? Usaram-se cerca de 17 milhões de euros para se perceber quais são as melhores opções contra o aumento extremo do nível do mar.
Em paralelo, fez-se muito trabalho para se perceber o que se pode esperar da dimensão das alterações climáticas e do aumento do nível do mar. Isso tornou-se o projecto Estuário do Tamisa 2100. Conheço pessoas que estão a ser financiadas para monitorizar a subida do mar a cada cinco anos. Há um plano do que é que se vai fazer e uma projecção da subida do nível do mar, e estão a monitorizar se estamos a ir ao encontro dessa projecção. Isso permite responder se é necessário começar a tomar medidas já, ou se, afinal, a evolução está a ser mais lenta do que o esperado e é possível adiar a construção. Acho que é um grande exemplo e todas as cidades costeiras poderiam adoptar a filosofia desta abordagem.
Quando é que se deve relocalizar comunidades e quando construir barreiras contra o mar?
Cerca de 90% da linha costeira mundial não necessita de ser protegida. A maioria das pessoas não vive aí. Pode-se deixar a costa ajustar-se naturalmente às mudanças. Em menos de 10% da costa há grandes populações. Provavelmente é possível proteger-se uma pequena porção da costa mundial, é preciso avaliar qual é o comprimento apropriado e proteger a maioria do actual uso humano da costa.
Faz sentido proteger a maioria das cidades. O que não significa que não se possa relocalizar localmente dentro da cidade. Mas a filosofia geral seria a de se manter na região. Em cidades pequenas, qual é o risco residual de as tentar manter? Se as protecções falharem, pode ser catastrófico. Para pequenas povoações, acho que provavelmente vamos ter de relocalizar algumas delas.
Mesmo em grandes cidades, temos de pensar nos riscos residuais. Há uma tendência de construir um grande sistema de protecção e achar que ficamos a salvo. Mas o que acontece se a protecção falha? Infelizmente, nunca existe uma protecção perfeita e é necessário pensar qual é o risco aceitável.
E no caso de Portugal?
Estive poucas vezes em Portugal, mas vocês têm uma linha costeira comprida, com muitas praias. Imagino que a erosão irá ser um grande problema que vai ameaçar o turismo, provavelmente um dos vossos recursos fundamentais. Não quererão paredões nas praias, por isso há a questão da alimentação artificial das praias. De alguma forma, isso serve para segurar a linha costeira. Mas será muito difícil segurar toda a linha de costa.
Em lugares como Porto e Lisboa, onde existem estes grandes estuários, as inundações tornam-se um grande problema. Mal conheci o Porto, mas é bastante íngreme. Provavelmente não será terrivelmente ameaçado, apenas em áreas pequenas. Mas, ainda assim, haverá a necessidade de reconstrução de infra-estruturas. Aquando dessa renovação, a nova construção deverá ter em conta o aumento do nível do mar. Por isso, se for construída uma nova ponte, construam-na um pouco mais alta.
Neste processo, qual é o papel das comunidades?
As pessoas deveriam questionar os seus representantes eleitos e responsabilizá-los. Vamos necessitar de mudanças. O questionamento irá facilitar essas mudanças. Se as comunidades forem passivas e apenas esperarem pelas catástrofes, ficarão zangadas. Estes problemas estão a chegar. Seria bom estar-se informado e colocar as questões que o bom senso exige.