Eutanásia: Deputados do PSD vão avançar com pedido de fiscalização sucessiva e recusam apoio do Chega
Ventura quer colar-se ao pedido do PSD, mas Montenegro já garantiu que o partido não precisa de mais ninguém. Bloco diz que direita está “desesperada”. Parlamento confirma texto nesta sexta-feira.
Os deputados do PSD que subscreverem o pedido de fiscalização sucessiva ao diploma que legaliza a morte medicamente assistida não irão permitir que os deputados do Chega se associem ao processo. Mesmo depois de Luís Montenegro ter afirmado que o PSD "não fará contactos com outros partidos porque não precisa" e de ter desvalorizado as pretensões do Chega, André Ventura não quer perder a oportunidade de se colar ao PSD e disse no Parlamento que tenciona pedir ao líder social-democrata para que os seus deputados se possam associar ao pedido, uma vez que foi seu o desafio para irem juntos ao TC.
Se o PSD recusar, Ventura afirma que vai recorrer a todos os “instrumentos jurídicos” e pedir ao Tribunal Constitucional que associe o Chega ao processo dos sociais-democratas. O partido não tem os deputados suficientes (23) para fazer sozinho um pedido de fiscalização abstracta (é esse o termo constitucional correcto), isto é, feito ao TC depois de uma lei ser publicada em Diário da República, e, por isso a sua pretensão deverá ser recusada pelo TC.
O decreto do Parlamento vetado pelo Presidente da República há três semanas volta ao plenário para discussão durante meia hora nesta sexta-feira, será confirmado por maioria absoluta pelos partidos (PS, IL, Bloco, PAN e Livre) e Marcelo é obrigado a promulgá-lo. Desta vez, até duas deputadas socialistas que tinham votado contra o diploma em Março vão alinhar na estratégia do partido e, segundo a Lusa, dirão sim à confirmação do decreto.
E é por o texto ainda nem ter sido discutido, reconfirmado, enviado para promulgação e publicado em Diário da República que o Bloco considera que este anúncio é a prova do “desespero político" de alguns deputados do PSD (“e do Chega que se quer colar”) para “desvalorizar o debate elevado que foi feito” e para, “de forma abusiva, colocar pressão sobre o Tribunal Constitucional”, apontou o líder parlamentar Pedro Filipe Soares. Que recordou que Marcelo Rebelo de Sousa, desta vez, “não teve qualquer dúvida sobre a constitucionalidade do decreto”.
Já o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, defendeu a “legitimidade parlamentar que advém do voto popular” para o PS confirmar o decreto. O partido, porém, não colocou a legalização da morte medicamente assistida no seu programa eleitoral (a IL também não, só o Bloco e o PAN – os quatro partidos que contribuíram na elaboração do diploma).
O dirigente socialista lembrou que esta lei “teve um escrutínio único de outros órgãos de soberania (Presidente da República e Tribunal Constitucional)”, leva “anos de discussão, afinação e melhoramentos”. E desvalorizou o pedido de fiscalização abstracta do PSD dizendo ser o “normal funcionamento das instituições” e lembrando que o PS também chegou a recorrer ao TC no tempo de Passos Coelho sobre os cortes salariais na função pública.
Eurico Brilhante Dias aproveitou para criticar o “ziguezague” do PSD sobre a eutanásia, que com Rui Rio não tomou qualquer iniciativa, já com Montenegro, “à boca da votação, sugeriu um referendo; e agora, depois do escrutínio, vem dizer que fará a fiscalização sucessiva”.
PSD recusa colagem do Chega
A iniciativa do PSD de recorrer ao Constitucional poderá não partir das direcções do partido e da bancada, admitiu Montenegro aos jornalistas à margem de uma visita em Leiria. “Não creio que seja necessário dar esse impulso em termos de direcção. Os deputados vão expressar-se individualmente”, disse, lembrando que têm “liberdade de voto” nesta matéria. E “a avaliação do processo de fiscalização também terá o mesmo enquadramento”, notou.
Questionado sobre se o partido vai fazer algum contacto com o Chega, que tem defendido o recurso ao TC, o líder social-democrata foi directo: "Não, não vamos fazer contactos nesse sentido porque não precisamos." O PSD tem 77 deputados e Sobre o partido de Ventura, disse não ter "deputados suficientes para fazer algumas coisas nos termos da Constituição", mas tem que "se conformar com isso e fazer pela vida". E vincou: "No PSD não dependemos de ninguém e não vamos depender, e muitos menos do Chega."
No Parlamento, na reunião quinzenal do grupo parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento disse que a direcção da bancada não tenciona organizar, formalmente esse pedido de fiscalização mas, como que incentivando tal iniciativa por parte dos deputados, recordou que são precisos apenas 23 (um décimo da composição do Parlamento) para esse processo. Segundo a Lusa noticiou, Sarmento manifestou disponibilidade para assinar um tal pedido, no que foi secundado por diversos deputados.
A subsidiariedade da eutanásia ao suicídio
Em Abril, Marcelo Rebelo de Sousa vetou o decreto de legalização da morte medicamente assistida com base no facto de ter sido alterado o paradigma do processo ao estipular que o doente não pode escolher entre suicídio assistido e eutanásia: só pode recorrer à eutanásia quando estiver fisicamente impedido de praticar o suicídio assistido. Além desta nova questão da subsidiariedade, o Presidente da República questionou a ausência, no texto, sobre a quem compete identificar e atestar que é fisicamente impossível ao doente administrar a si próprio os fármacos letais (suicídio assistido).
De facto, impor a subsidiariedade da eutanásia ao suicídio é uma solução inédita, que não existe em nenhum outro país onde a eutanásia é permitida. Entre os 15 países onde pelo menos um dos métodos é permitido (suicídio assistido ou eutanásia), só seis colocam em patamar de igualdade o recurso à eutanásia e ao suicídio, os restantes permitem exclusivamente uma das técnicas.