Com ou sem Erdogan, uma saída fácil da crise já se tornou impossível para a Turquia
Seja qual for o vencedor das eleições, são muitas as nuvens negras que enfrenta a economia turca na sua tentativa de escapar ao ciclo de desvalorização da divisa e inflação alta em que tem vivido.
Há ano e meio a terem de viver com taxas de inflação acima de 40%, os eleitores turcos escolhem agora entre a insistência de Recep Tayyip Erdogan em não usar as receitas tradicionais de combate à escalada de preços e a estratégia mais ortodoxa de política económica que a oposição pretende recuperar. Uma coisa, no entanto, os turcos têm quase como certo: seja qual for o vencedor, os próximos tempos vão ser de dificuldades.
Ajudado nos seus primeiros mandatos como primeiro-ministro e Presidente por uma economia em forte crescimento (variação média anual do PIB de mais de 7% entre 2002 e 2007), Erdogan viu na última década o desequilíbrio das contas da Turquia com o exterior tornar a economia numa fonte permanente de crises constantes, com quedas abruptas do valor da divisa, perda do poder de compra da população e crescimento económico cada vez mais débil.
Desde que o actual Presidente assumiu o cargo de primeiro-ministro há 20 anos, em apenas um ano a Turquia conseguiu evitar apresentar um défice nas contas correntes com o estrangeiro. O saldo negativo chegou a ser de 9% do PIB em 2011 e em 2022 cifrou-se em 5,4% do PIB. É a consequência de um modelo económico que aposta na construção, no reforço da procura interna e onde, de forma permanente, as importações superam as exportações.
O problema é que, à medida que o desequilíbrio externo se foi acentuando, a Turquia perdeu a capacidade de defender a sua divisa nos mercados internacionais. Se, em 2003, um dólar comprava 1,5 liras turcas e, em 2013, duas liras, agora um dólar já chega para adquirir 19,5 liras.
Esta perda de valor da divisa turca conduziu à criação de persistentes pressões inflacionistas, com taxas de inflação anuais sempre entre os 10% e os 20%, que o banco central turco foi, ao longo de vários anos, combatendo com os instrumentos tradicionais à disposição das autoridades monetárias, nomeadamente subindo as taxas de juro para arrefecer a economia.
Erdogan, no entanto, cansou-se deste tipo de estratégia, que é a recomendada pela generalidade das instituições internacionais e, assumindo quase directamente o controlo do banco central, decidiu, perante a escalada de preços, não subir taxas de juro, mas cortá-las, impondo ao mesmo tempo controlos aos movimentos de capital para evitar uma fuga ainda mais acentuada do investimento estrangeiro.
O resultado foi, com a ajuda dos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia, o acentuar da queda da divisa, o aumento do mal-parado nos empréstimos concedidos em divisas estrangeiras e, principalmente, uma subida ainda maior da inflação. Desde o final de 2021 que a taxa de inflação homóloga na Turquia não baixa a barreira dos 40%, tendo-se atingido um máximo, de acordo com autoridade estatística turca, de 85,51% em Outubro de 2022 (em Portugal, o máximo registado durante a presente crise inflacionista foi de 10,1% no mesmo mês).
Estes números podem mesmo pecar por defeito. Se, segundo as autoridades, a inflação em Abril se cifrou em 43,7%, um grupo independente de economistas turcos calcula que, na realidade, a taxa de inflação está muito acima deste valor, atingindo os 105,2%.
Com subidas de preços desta dimensão, não é surpreendente que o aumento do custo de vida tenha assumido um papel de grande destaque na campanha eleitoral. Num dos seus mais marcantes vídeos de campanha, Kemal Kiliçdaroglu, líder do maior partido da oposição, aparece com uma cebola na mão, afirmando que “actualmente, um quilo de cebolas custa 30 liras, mas se Erdogan ficar passará a custar 100 liras”.
O Presidente respondeu, negando que o agravamento do custo de vida seja um problema que ainda está por responder. “Neste país, não há um problema com as cebolas, as batatas ou os pepinos. Já resolvemos os problemas na Turquia”, afirmou num discurso esta semana.
Para os turcos, o problema é que, seja qual for o caminho seguido, um agravamento da crise económica durante os próximos meses parece difícil de evitar. Se Erdogan vencer e decidir manter a actual estratégia pouco ortodoxa, o mais provável é que as pressões dos mercados se intensifiquem, os investidores estrangeiros encontrem forma de tirar o seu dinheiro do país e a lira continue a perder terreno para as outras divisas, mantendo a população a braços com uma persistente perda do poder de compra cada vez mais difícil de suportar.
Se a oposição sair vencedora, será o regresso das políticas de austeridade mais ortodoxas, com uma subida abrupta das taxas de juro que, tendo como objectivo controlar os preços, acaba ao mesmo tempo por travar o consumo e o investimento, provavelmente lançando no curto prazo a economia numa recessão profunda.