Cidade Azul: andar a pé, moda sustentável e lixo como matéria-prima
No primeiro dia da Cidade Azul dezenas de participantes foram desafiados a pensar sobre temas como mobilidade, reciclagem, moda sustentável, plástico, desperdício alimentar, animais e crise climática.
Mobilidade, economia circula e reciclagem, moda sustentável, plástico, desperdício alimentar, animais e crise climática. Foi de propósito que esta quinta-feira se fugiu ao tema central da acção Cidade Azul que continua nesta sexta-feira, no Pavilhão Super Bock Arena, no Porto, com uma conferência internacional sobre "Cidades costeiras e a crise climática, da ameaça à urgência da adaptação". Dezenas de palestrantes e participantes juntaram-se em diferentes espaços de debate sobre temas que têm sido tratados pelo Azul, o projecto do PÚBLICO exclusivamente dedicado ao ambiente, crise climática, biodiversidade e sustentabilidade que comemora um ano.
Em diferentes salas, a audiência juntou especialistas e activistas, mas também era composta por trabalhadores de outras áreas que quiseram aproveitar a oportunidade para saber mais sobre alguns temas para tomar decisões (mais) informadas. Este é o caso do professor de Educação Física Alexandre Libanio, que participou activamente nas respostas às perguntas feitas pelos palestrantes. “São sempre actividades positivas. Discutir, trocar ideias com outras pessoas. Ter também outra perspectiva da experiência que os oradores nos estão a passar para tentar obter mais informação do dia-a-dia e transmiti-la depois aos meus alunos”, comentava.
Mais do que apresentar um tema, o objectivo era promover discussões de modo a obter respostas acerca de vários assuntos que tinham, pelo menos, um ponto comum: todos estão relacionados com a crise climática. Vamos a alguns exemplos.
Na sala onde Abel Coentrão, ex-jornalista do PÚBLICO especializado em mobilidade, propôs falar sobre "cidades sustentáveis e mobilidade", juntaram-se mais de duas dezenas de pessoas interessadas na sustentabilidade à escala urbana. Partindo da sua própria evolução enquanto cidadão e jornalista, Abel Coentrão contou que começou por escrever sobre transportes públicos quando chegou ao PÚBLICO há 20 anos.
Com o tempo, o jornalista voltou-se para a mobilidade num sentido mais lato, "abrangendo outros modos de deslocação como o andar a pé e de bicicleta, até se centrar, em anos mais recentes, na cidade como um todo – e no seu espaço público –, como um lugar onde a mobilidade, a circulação de pessoas (em múltiplos modos), é apenas uma das actividades".
Abel recordou que vivemos num país onde ainda 66% das pessoas se deslocam para a escola ou trabalho de carro, uma dependência com consequências ambientais e sociais, "quase 6000 mortes por poluição, sinistralidade equivalente à queda de três aviões por ano". Mas insistiu noutras consequências deste "urbanismo centrado no carro". Socorrendo-se de alguma referências, citou, por exemplo, um estudo de Donald Appleyard que mostrava, em 1991, que, quanto maior era a intensidade de tráfego rodoviário numa rua de São Francisco, menores eram as interacções entre os moradores de um e do outro lado dessas ruas. Simples, não é?
Mobilidade e vizinhança, uma ligação provável
De forma surpreendente, a conversa que sugeria falar de mobilidade desviou-se para outros terrenos próximos: "Palavras-chave como vizinhança, convivialidade, proximidade, não apenas como expressões de cidades mais amigas do ambiente – por dependerem de uma mobilidade com menor dispêndio de energia –, mas de cidades mais resilientes perante as crises que se prenunciam." Mas nada como uma crise para inspirar uma mudança, sublinhou Abel Coentrão. "Crises que, no entanto, devem ser encaradas como oportunidades para mudanças nos espaço urbanos que beneficiem as pessoas que o habitam, como as crianças, os idosos, os deficientes, bem como o comércio de rua."
Na parte final, Abel Coentrão mostrou uma das últimas "utopias urbanas" de Jan Kamerski e as funcionalidades de uma aplicação, a StreetPlan, que permite a qualquer cidadão redesenhar a sua rua. Curiosos, os participantes quiseram saber mais sobre conceitos como"a cidade dos 15 minutos", "ou a oportunidade perdida, pela pandemia, para fomentar o teletrabalho, libertando alguma pressão sobre os centros urbanos". Houve ainda espaço para o elogio ao andar a pé como um meio de locomoção nobre.
Sustentabilidade só se for colectiva
Salomé Areias, coordenadora do movimento Fashion Revolution em Portugal, foi convidada para um workshop sobre “Moda sustentável: uma nova forma de seguir as tendências”. Para início de conversa, Salomé defende que “a sustentabilidade não existe” a menos que seja praticada no colectivo.
Os participantes foram confrontados com quatro "problemas ambientais" propostos por Salomé Areias, a saber: o mercado livre ou, como lhe chamou, a "escravatura moderna", o colonialismo têxtil, o consumismo e " a economia que circula roupa em vez de ser circular" num exemplo de greenswashing. Mas o propósito era encontrar soluções para estes complexos problemas ali num workshop com pouco mais de uma hora? Não, apenas discutir estas questões. Saber que estes problemas existem.
A coordenadora do movimento Fashion Revolution reconheceu ao PÚBLICO que o consumo sustentável “é um tema muito sensível de gerar culpa, as pessoas querem defender-se e isso gera discussão”. No entanto, conclui que o sistema culpa os consumidores e não o consumismo, quando, na verdade, “o Governo está a fazer esforços para contribuir para as questões ambientais, mas as marcas, que incentivam a cultura capitalista e consumista, continuam a incentivar os grandes volumes de produção e de compra”.
Embalagens que são matéria-prima
Afonso Noutel, gestor na Sociedade Ponto Verde, foi convidado para falar no workshop com o tema “O contributo da economia circular para um mundo mais sustentável: as boas práticas da reciclagem”. Como tema principal da apresentação, Noutel trouxe para o centro da conversa as embalagens dos produtos que consumimos. Embalagens que mais do que lixo podem ser matéria-prima. Por exemplo? Camisas, mesas e cadeiras, mangueiras que podem incorporar uma percentagem de plásticos, que hoje são, para muitas pessoas, apenas lixo.
E além das velhas lições sobre os ecopontos que concretizam os conhecidos três R (reduzir, reutilizar e reciclar), o convidado trouxe a pergunta: "Até quanto estamos dispostos a investir no futuro?" Mais do que dúvida, era uma inquietação que quis colocar os participantes a pensar sobre o marketing agressivo das empresas que incita ao consumo e sobre possíveis soluções. Entre outras, a audiência sugeriu mais e melhor regulamentação.
Para Helder Claro, coordenador do Planeamento do Porto Ambiente, espectador no primeiro dia da conferência, as palestras abordaram “dúvidas que muitos cidadãos têm", mas ressaltou também que “o mais interessante foi a discussão gerada relativamente ao consumo e prevenção". "É discutido, mas as pessoas ainda não estão preparadas para discutir. Acho que com este workshop deu para perceber qual o papel do consumidor”
A Cidade Azul continua nesta sexta-feira, no Centro de Congressos do Pavilhão da Super Bock Arena, com uma conferência internacional para debater as cidades costeiras e o desafio da sustentabilidade ambiental, que junta cientistas, governantes e cidadãos preocupados em garantir o seu futuro.