Adiada outra vez sentença dos ex-fuzileiros acusados de matar polícia

Juízes entendem que arguidos devem também responder por tentativa de homicídio de outro cliente da discoteca naquela noite. Leitura de acórdão ficou marcada para 29 de Maio.

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Agressões tiveram lugar à frente da discoteca Mome, em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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A leitura da sentença dos dois ex-fuzileiros acusados de espancar até à morte o polícia Fábio Guerra junto à discoteca Mome, em Lisboa, foi adiada outra vez.

Os juízes decidiram que além de homicídio qualificado, os arguidos Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko devem responder também por tentativa de homicídio, uma vez que na mesma madrugada em que agrediram Fábio Guerra e outros colegas seus os ex-fuzileiros espancaram também outro cliente da discoteca, Cláudio Pereira. Estes factos tinham sido encarados pela acusação do Ministério Público como ofensas corporais qualificadas, um crime de menor gravidade. A leitura do acórdão ficou agora marcada para 29 de Maio. Porém, o advogado do primeiro arguido, Miguel Santos Pereira, contesta que a alteração da qualificação jurídica dos factos possa ser efectuada possa ser feita nesta fase do julgamento da forma como foi feita, até por se tratar de um tribunal que inclui jurados, tendo por isso suscitado duas nulidades.

A sentença já tinha sido adiada uma vez devido à morte do pai de um dos juízes.

Dizem as autoridades que os dois arguidos e um terceiro homem que fazia parte deste grupo mas continua fugido à justiça, Clóvis Abreu, tinha uma forma muito peculiar de actuar quando agredia alguém: um deles começava por deitar o alvo ao chão com um murro, e só depois de a vítima cair é que um dos colegas a pontapeava, na cabeça e noutras partes vitais.

Foi isso mesmo que sucedera meses antes na discoteca Lust in Rio, também em Lisboa, quando um dos fuzileiros e o irmão atacaram sem dó nem piedade um guarda da GNR que ali se encontrava a tomar um copo. “Lá fora vais morrer, bófia, (…) lá fora vais morrer, nem que seja com armas”, diz o guarda que lhe gritaram, antes de perder os sentidos com um pontapé no crânio. Depois dos acontecimentos do Mome a Marinha não renovou o contrato a nenhum dos dois homens, um dos quais tem cadastro por pequena criminalidade desde 2017.

Segundo a acusação do Ministério Público, bastaram dois minutos aos fuzileiros que estavam à porta da discoteca da Av. 24 de Julho para terem posto fora de combate vários polícias, ao murro e pontapé na fatídica madrugada de 19 de Março de 2022. Fábio Guerra, de 26 anos, havia de morrer dois dias depois na sequência de uma hemorragia intracraniana grave.

Na acusação de homicídio qualificado que deduziu contra os arguidos, o Ministério Público sublinha a natureza “extraordinariamente bárbara, violenta e desproporcional” destas agressões, das quais “não resultaram outras mortes por mero acaso”.

O desacato começou ainda dentro da discoteca. Já a noite estava quase a terminar quando Cláudio Coimbra, que chegou a ser campeão de boxe amador, se envolveu numa discussão com o tal outro cliente da casa, Cláudio Pereira. Em plena pista de dança deu-lhe várias cabeçadas. A altercação havia de continuar no exterior, e foi precisamente quando deram por ela que os polícias, que ali tinham ido também depois de um jantar de convívio, resolveram agir.

Já passava das 6h quando viram os fuzileiros e outros membros do seu grupo pontapearem no crânio Cláudio Pereira, mesmo depois de o terem deixado inconsciente, estendido no chão, “fazendo com que a sua cabeça se movimentasse de um lado para o outro”. O espancamento aconteceu defronte da discoteca do lado, a escassos metros de distância do Mome. “Polícia, pára!”, terá gritado um dos agentes, tentando impedir que os agressores continuassem a bater no homem desmaiado. Foi nesta altura que os agentes da autoridade se tornaram alvo das suas atenções. Os gritos “Parem, somos da polícia” de nada lhes valeram.

Num espaço de dois minutos, e sem recurso a qualquer tipo de armas, descreve a acusação, os fuzileiros puseram quatro polícias KO: “As agressões ocorreram entre as 06h19 e as 06h21, de forma muito violenta, concentrada e sucessiva, utilizando os arguidos os especiais conhecimentos de luta adquiridos nos fuzileiros.”

A sua preparação militar e desportiva permitiu-lhes “aplicarem violentos golpes de socos, de tal forma violentos, que as vítimas caíam ao chão, nalguns casos inconscientes”, prossegue o mesmo relato. Com o braço partido e várias outras sequelas, um dos agentes ficou dois meses sem poder ir trabalhar.

Depois disso, os militares ainda tiveram tempo para uma conversa amigável com os vigilantes do estabelecimento de diversão nocturna: “Ao passarem pelos seguranças que se encontravam perto da entrada da discoteca Mome confraternizaram com estes, encolhendo os ombros, com indiferença.”

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