Costa Silva critica quem “segue regras europeias” em vez de “servir o interesse nacional”
Costa Silva defende que seis navios novos para a Marinha devem ser construídos pelos estaleiros nacionais e não passar por concursos que “desviam” a produção para o estrangeiro.
A Marinha portuguesa vai precisar de seis navios, que já estão previstos, e na opinião do actual ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, a indústria naval portuguesa deveria ser mobilizada para "produzir esses equipamentos e não pôr [as encomendas] em cadernos de encargos altamente sobrecarregados que depois fazem desviar" essa produção para fora do país.
Ouvido nesta quarta-feira de manhã no Parlamento, na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, o governante respondia a uma questão levantada pelo PCP, sobre a criação de 400 postos de trabalho nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), quando deixou uma crítica velada à "nomenclatura" que prefere "cumprir as regras europeias" a "servir os interesses nacionais".
"Nós estamos a seguir a questão dos 400 empregos. Sou da opinião, por exemplo, [neste caso em] que a Marinha vai precisar dos seus seis navios que estão previstos, de que deveríamos utilizar os estaleiros nacionais para produzir esses equipamentos e não pôr em cadernos de encargos altamente sobrecarregados que depois fazem desviar tudo. Mas isso na nossa nomenclatura em Portugal. Às vezes temos pessoas que querem seguir mais as regras europeias do que servir os interesses nacionais e uma das coisas que nos perdem aqui é a famosa síndrome do bom aluno. O bom aluno significa fazer o que diz Bruxelas ou até acima disso. Depois vemos os espanhóis a construir os seus 12 navios nos estaleiros de Ferrol, o que os holandeses fazem, e nós temos de defender também a nossa indústria nacional", afirmou o ministro, respondendo ao deputado comunista Bruno Dias.
"Que nós saibamos, o anúncio da criação de 400 empregos que foi feito no momento da privatização nunca se concretizou", observou Bruno Dias, quando interpelava o ministro, retomando um tema que a bancada comunista não tem deixado cair. O deputado sublinhou isso mesmo, quando destacou que o PCP tem feito perguntas sobre este assunto junto do Governo, mas que "até agora" não houve fumo branco. E rematou com ironia: era tão difícil apoiar os estaleiros de Viana do Castelo quando era uma empresa pública, mas já é fácil dar apoios públicos à empresa após a privatização, sem que, no entanto, se tenham cumprido as promessas em relação à criação de postos de trabalho.
Evitar erros do passado
De entre os muitos temas puxados pelos deputados para esta audição (o Plano de Recuperação e Resiliência, a agenda para o turismo no interior, o apoio à indústria têxtil, os salários, o desempenho da economia face às dificuldades das famílias), sobressaiu esta resposta do ministro, ao deixar implícito que, entre quem terá responsabilidades nesta encomenda de navios para a Marinha, nem toda a gente parece remar para o mesmo lado, isto é, o de defender a produção nacional.
Costa Silva não identificou, contudo, quem prefere seguir as regras de Bruxelas a entregar esta missão aos estaleiros portugueses. Mas insistiu, quando depois sustentava a ideia de que tem havido uma recuperação salarial e do poder de compra, desde 2015, em que é "absolutamente decisivo" para o "país criar riqueza" e que a actividade económica também consiga "diminuir o conteúdo importado das nossas exportações".
"É fundamental usar toda a capacidade produtiva do país, fabricarmos nós as nossas máquinas, os nossos equipamentos e diversificarmos nós, depois, a nível internacional, as exportações dos mercados tradicionais", disse o ministro, afirmando ser uma "dor de alma" assistir à "destruição de valor impressionante ao longo do tempo" no país, em empresas como a Sorefame, mas também a Cimpor e a Portugal Telecom, onde foram cometidos "erros" que colocaram estas empresas numa "rota de perda".
"Temos de dar cada vez mais atenção ao sector industrial do país. O desaparecimento de algumas destas empresas reflectiu-se na perda de importância do sector industrial, que hoje representa 10% a 12% do PIB", sentenciou.
Pressionar a Galp
Costa Silva teve também de responder sobre o fecho da refinaria da Galp em Matosinhos e sobre a Efacec, que foi nacionalizada e cuja primeira tentativa de privatização falhou.
Em relação à Galp, respondendo a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, o ministro garantiu que o Governo está "a pressionar" a empresa para "readmitir trabalhadores". E assegurou que a descontaminação dos terrenos é uma obrigação da empresa.
O encerramento daquela unidade, anunciada em vésperas de Natal em 2020, levou ao despedimento colectivo de 137 pessoas que, ano e meio depois, continuavam com a vida em suspenso, como o PÚBLICO deu conta numa reportagem no início de Abril.
Em Setembro de 2021, o secretário-geral do PS, António Costa, defendeu num comício do partido, em Viana do Castelo, que era preciso dar uma "lição exemplar" à Galp, como agora recordou a deputada do BE, na audição ao ministro que tutela o Mar. Mortágua tinha diversas perguntas para Costa Silva: qual foi essa lição? O que acontece aos trabalhadores, que não viram concretizadas as promessas de reconversão laboral? Qual é o contributo da Galp para as pessoas que foram despedidas ou para os terrenos deixados ao abandono?
Na resposta, o governante reconheceu que "há claramente um problema com os trabalhadores". "Costa Silva revelou ter abordado "esse assunto" com a autarca de Matosinhos, Luísa Salgueiro (PS), e "o que se está a fazer é tentar pressionar a Galp para readmitir trabalhadores. Alguns já foram readmitidos para a refinaria de Sines".
Alguns dos trabalhadores poderão passar pela formação de maquinista que o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) vai promover, salientou o ministro, que disse não ter informação sobre as condições de transferência de trabalhadores de Matosinhos para Sines. Segundo Mariana Mortágua, aqueles que aceitaram ser reintegrados na refinaria de Sines têm de aceitar a perda dos direitos laborais inerentes à antiguidade na empresa. Costa Silva prometeu que iria informar-se e "trabalhar com o Ministério do Trabalho", defendendo que os direitos "devem ser respeitados" e os trabalhadores "devem ser tratados com dignidade".
Finalmente, sobre a Efacec, o novo processo de reprivatização está "em conclusão", garantiu Costa Silva. "Penso que muito proximamente vai ser levada uma recomendação ao Conselho de Ministros", para a venda do capital que foi nacionalizado em plena pandemia, quando a gestão liderada pela accionista Isabel dos Santos se tornou um problema.
"Estamos a lutar para termos um projecto credível para a Efacec. É uma grande empresa tecnológica, emprega muitos trabalhadores. Não posso garantir nada nem prometer nada, estamos a fazer o melhor possível e ter da parte do comprador um compromisso com a empresa e com o país."