O Kremlin fecha palcos e censura vozes do teatro russo

O Teatro Maly, em São Petersburgo, viu as suas portas encerradas, na mesma semana em que duas figuras da cena teatral russa foram detidas, acusadas de “apologia ao terrorismo”.

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O Teatro Maly, em São Petersburgo, viu a sua actividade “suspensa temporariamente”, entre os dias 5 e 12 de Maio wikicommons images
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Primeiro, no passado dia 4 de Maio, foram detidas em Moscovo, e depois colocadas em prisão preventiva, a encenadora Evguenia Berkovich e a dramaturga Svetlana Petriychuk, acusadas de “apologia do terrorismo”. No dia a seguir, as portas do Teatro Maly, em São Petersburgo, dirigido por Lev Dodin, foram encerradas por alegadas razões sanitárias. São os mais recentes ataques do poder do Kremlin à comunidade teatral, que, desde o início se tem manifestado, mais ou menos abertamente, contra a invasão da Ucrânia.

O Teatro Maly é o nome mais recente da instituição fundada em 1944 com a designação Teatro Dramático Regional de Leninegrado das Pequenas Formas, entretanto tornado teatro estatal, e que desde 1983 é gerido pelo prestigiado encenador Lev Dodin, que em 2003 assumiu a direcção artística.

O Maly de São Petersburgo é membro, desde 1998, da União de Teatros da Europa, e Lev Dodin foi um dos distinguidos, em 2018, com o Prémio Europa de Teatro.

Foi esta instituição que agora viu a sua actividade “suspensa temporariamente”, entre os dias 5 e 12 de Maio, em “sequência da decisão do Serviço Federal de Supervisão dos Direitos dos Consumidores e do Bem-Estar Humano da Cidade de São Petersburgo” – pode ler-se no aviso colocado sobre um fundo negro no site do teatro.

É previsível, avança o Le Monde, que o encerramento se prolongue por três meses.

O Teatro Maly tinha já visto cancelada, no final de Abril – e na sequência de uma denúncia anónima –, a apresentação de encenações de Intriga e Amor, de Friedrich Schiller; e Hamlet, de Shakespeare, ambas com Danila Kozlovsky como cabeça-de-cartaz. O actor-vedeta da companhia dirigida por Lev Dodin vinha sendo acusado de “desacreditar” o exército russo.

Já Lev Dodin, agora com 78 anos, um herdeiro assumido de Peter Brook e uma referência tanto do teatro russo como internacional, foi dos primeiros artistas no país a manifestarem-se contra a invasão da Ucrânia – a alegada “operação especial” do Kremlin –, tendo escrito logo no dia 28 de Fevereiro de 2022 uma carta-aberta a Vladimir Putin a pedir para parar a guerra.

“O teatro [de Dodin] não abordava directamente o tema [da guerra], mas o trabalho que vem desenvolvendo desde há mais de 40 anos sobre a história da Rússia pô-lo na mira” das autoridades do Kremlin, escreve o correspondente do Le Monde em Moscovo, Benoît Vitkine, lembrando ainda que o encenador foi o responsável por espectáculos emblemáticos da Perestroika, como Irmãos e Irmãs, de Fyodor Abramov, ou Gaudeamus, que adaptou a partir de uma peça de Sergei Kaledin, uma sátira sobre o exército russo.

“Contra as mentiras da acusação”

O encenador russo foi agora também um dos primeiros subscritores da petição internacional, lançada logo no dia 5 de Maio, a exigir a libertação de Evguenia Berkovich e Svetlana Petriychuk.

“Somos contra a prisão de encenadores, dramaturgos, actores – ou qualquer outra pessoa – por causa de uma peça de teatro no século XXI”. Assim começa esta petição, publicada pelo jornal russo independente Novaya Gazeta, e que esta quarta-feira contava já mais de cinco mil assinaturas.

E continua: “Somos contra as mentiras da acusação: a obra de Evguenia Berkovich e de Svetlana Petriychuk não contém nem um indício de justificação do terrorismo; tanto Finist, o Bravo Falcão [peça de Lev Potyomkin, que também deu um filme], quanto a sua encenação teatral apontam claramente para uma mensagem antiterrorista”, defendem os subscritores, assim contestando a acusação de “apologia do terrorismo” em que as autoridades de Moscovo basearam a detenção das duas autoras.

Finist, o Bravo Falcão conta a história de jovens mulheres russas recrutadas, via internet, por combatentes do ISIS, com quem se vão juntar e casar na Síria. A encenação de Evguenia Berkovich, com o apoio do Ministério da Cultura, foi estreada em Moscovo em 2021, tendo recebido, no ano seguinte, duas Máscaras de Ouro, principal prémio de teatro na Rússia.

Um ano depois, após alegadas denúncias de grupos ultranacionalistas, é o pretexto usado pelas autoridades do Kremlin para mais um gesto de afrontamento de tudo quanto possa pôr em causa a invasão da Ucrânia pela Rússia ‘Z’ – a letra-símbolo da “operação especial” de Putin.

Uma situação que se estende também à província da Federação Russa, como nota o Le Monde, citando o que aconteceu com o Teatro Bestoujev de Ulan-Ud, capital da República da Buriácia, cujo director artístico, Sergueï Levitsky, foi demitido já em Março de 2022 e depois obrigado ao exílio – a programação do teatro foi depois substituída por comédias e um reportório mais “amigo” das autoridades.

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