Aquele que é considerado o maior organismo do mundo chama-se Pando, e consiste num vastíssimo bosque de choupos, localizado em Utah, nos Estados Unidos. Juntos, os milhares de caules constituem um só ser vivo e estão interligados através das raízes. O retrato sonoro deste vegetal gigantesco foi apresentado, esta quarta-feira, nos Estados Unidos, num encontro da Sociedade Americana de Acústica, que decorre até 12 de Maio em Chicago.
“Os sons são bonitos e interessantes, mas, do ponto de vista prático, os barulhos naturais podem ser usados para documentar a saúde de um ambiente”, afirma o artista sonoro Jeff Rice, citado numa nota de imprensa. Registos sonoros da árvore apresentados na conferência de imprensa assemelham-se ao marulhar das ondas numa praia deserta.
“[Estes sons] constituem um registo da biodiversidade local e fornecem um parâmetro que pode ser avaliado em relação às mudanças ambientais”, acrescenta o criador que, em 2018, ficou conhecido por gravar os sons das folhas do Pando para um trabalho multimédia publicado no jornal The New York Times. Depois deste primeiro contacto com a árvore, Rice sentiu que tinha mesmo de voltar a fazer um retrato sonoro daquela “árvore única”.
Intitulada Debaixo da Árvore: Os Sons de um Gigante Trémulo, a apresentação do simpósio de Chicago resulta de um trabalho feito em conjunto com o fotógrafo Lance Oditt, que fundou há quatro anos a associação sem fins lucrativos Amigos do Pando. Em Julho de 2022, Jeff Rice tornou-se artista residente da organização e passou dias a gravar os sons que emanam do provável maior organismo do mundo.
“O projecto começou com uma pergunta: qual é o som do maior organismo à superfície do planeta?”, explicou Jeff Rice na conferência de imprensa, realizada terça-feira, em Chicago, cuja gravação foi disponibilizada ao PÚBLICO. “Tenho gravado sons da natureza há mais de 20 anos e sempre adorei o barulhinho dos choupos”, acrescentou o artista sonoro, que dirige um programa chamado Atlas Acústico, com o objectivo de “registar sons da natureza para a posteridade”.
Sons do gigante trémulo
O Pando pertence à espécie Populus tremuloides – e daí a referência aos gigantes “trémulos” no título da apresentação –, descrita pela primeira vez em 1976. Quando pensamos no som dos choupos, a memória sonora que temos é possivelmente aquele som produzido pelo tremer das folhas, “sustentado, calmo, quase como a chuva a cair”, referiu Jeff Rice na conferência de imprensa.
A designação Pando significa, em latim, o verbo “espalhar” na primeira pessoa do singular. Assim faz a maior árvore do mundo, espalha-se, ocupando vastos territórios.
O gigantesco organismo estende-se ao longo de quase 43 hectares da floresta de Fishlake, em Richfield, na porção Centro-Sul do estado norte-americano do Utah – sendo, por isso, considerada a maior árvore do mundo no que toca à extensão de terra ocupada. Os choupos que formam o organismo não estão necessariamente visíveis em toda essa área, lembrando que uma árvore também é composta por estruturas subterrâneas.
Os cerca de 47 mil caules que compõem o organismo são geneticamente idênticos – são clones naturais – e estão interligados através de um sistema radicular. O Pando também é considerado a maior árvore do mundo no que toca ao peso, 60 mil toneladas, e acredita-se que se regenera há pelo menos 9000 anos, podendo ser um dos seres vivos mais antigos do planeta.
“O Pando desafia a nossa compreensão básica do mundo”, afirma Jeff Rice. “A ideia de que essa floresta gigante possa ser um único organismo questiona o conceito que temos de um indivíduo. A vastidão [do Pando] humilha a nossa percepção de espaço”, diz o artista sonoro, citado na nota de imprensa.
Durante a residência artística, Jeff Rice interessou-se pelo som produzido pelas vibrações da árvore durante uma tempestade. E aí começaram os desafios: o artista sonoro teve a ideia de também captar registos sonoros a partir das raízes do Pando, que podem ultrapassar os 27 metros de profundidade (de acordo com “alguns relatos” – há ainda um conhecimento limitado sobre esta matéria). Mas como alcançar as raízes sem danificar as estruturas vegetais?
Portal para o mundo invertido
Profundo conhecedor do bosque que forma o Pando, Lance Oditt ajudou o artista sonoro a encontrar os locais ideais para a gravação. O objectivo era conseguir aceder a uma zona subterrânea através de um caule que estivesse parcialmente oco, por forma a estar em contacto com o sistema de raízes, instalar os diversos microfones e, assim, fazer um retrato sonoro da árvore.
Jeff Rice e Lance Oditt baptizaram o local escolhido como “o portal”, talvez porque se assemelhe à entrada para um mundo invertido da série Stranger Things. Na história ficcional exibida no canal de streaming Netflix, o portal facultava acesso ao Upside Down (mundo invertido, em inglês), localizado no subsistema subterrâneo do Laboratório Nacional de Hawkins. Tal como em Stranger Things, o portal escolhido para fazer o retrato sonoro da árvore consiste numa abertura espontânea na base do caule.
Jeff Rice usou hidrofones para captar as vibrações do sistema radicular. “Os hidrofones não precisam apenas de água para funcionar”, explica Jeff Rice. “Também podem captar vibrações de superfícies como raízes e, quando coloquei os meus auscultadores, fiquei instantaneamente surpreendido. Algo estava a acontecer. Houve um som fraco”, relata o artista sonoro.
Como num telefone de latas
Rice e Oditt afirmam ter conseguido demonstrar que, por via subterrânea, as vibrações podem passar de árvore para árvore. Quando bateram levemente num galho a 30 metros de distância, o hidrofone registou um baque surdo. É como na brincadeira em que duas latas são interligadas por um fio de embrulho, imitando um telefone.
“É semelhante a duas latas interligadas por um fio”, explica Rice. “Excepto que existem 47.000 latas interligadas por um enorme sistema de raízes”, refere o artista, citado no comunicado.
A associação Amigos do Pando quer agora usar os dados reunidos como base para estudos adicionais sobre o movimento da água no sistema arbóreo, como as ramificações estão relacionadas umas com as outras, colónias de insectos e a profundidade das raízes.
“Estas descobertas são fascinantes. Embora tenha começado como arte, vemos um enorme potencial para uso na ciência. O vento, convertido em vibração (som) e viajando pelo sistema radicular, também pode revelar o funcionamento interno do vasto sistema hidráulico oculto do Pando de maneira não destrutiva”, refere Oditt, citado na nota de imprensa.
Um organismo a encolher?
Estudar o Pando e aprimorar estratégias de conservação, importa. Há milhares de anos, o Pando regenera-se, enfrentando mudanças de clima e variações no ecossistema. Mas esta regeneração pode não ser eterna: um estudo publicado na revista científica Plos One, em 2018, sugere que o Pando está a encolher. E que a culpa, segundo o artigo, é da pastagem intensiva praticada por veados da espécie Odocoileus hemionus.
“Está a morrer”, diz o ecologista Paul Rogers, director da Aliança para os Choupos do Oeste, na Universidade Estadual de Utah. “Os veados-mula – e, em menor grau, o gado – frequentam esta área em tal número que estão a devorar os rebentos jovens e a impedi-los de se estabelecerem. Se pensarmos no Pando como uma aldeia, é como um lugar repleto de idosos, mas com pouquíssimas crianças a crescer para os substituir”, diz o cientista, citado na página da Agência Espacial Norte-americana (NASA).
Na página oficial dos Amigos do Pando, contudo, a ideia de que o Pando está a morrer é refutada. “Esta afirmação é falsa e enganosa. O Pando continua a regenerar-se. A investigação de Paul Rogers indica que veados e outros ungulados impedem o crescimento de pandos, mas enquanto uma descoberta recente numa área específica, ainda não sabemos a taxa de regeneração que podemos esperar para o Pando, considerando todos os outros factores humanos e não-humanos”, refere a associação dirigida por Lance Oditt.
“De um modo simples, o trabalho de Sam St. Clair sugere que o ponto de inflexão do encolhimento que marca a morte iminente é de cerca de 60% da área total, o que não vemos com o Pando, por enquanto. E, ao mesmo tempo, o que vemos é regeneração activa”, lê-se na página dos Amigos do Pando.