Operadoras cobraram indevidamente 11 milhões por Internet nos computadores das escolas

Auditoria do Tribunal de Contas agora divulgada diz respeito à Fase Um do processo, em que foram adquiridos 350 mil computadores, no valor de 126,8 milhões de euros.

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Comparam-se 1,05 milhões de computadores para garantir o acesso total ao ensino durante a pandemia Paulo Pimenta
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O Estado pagou, indevidamente, mais de 11 milhões de euros por contratos de conectividade, relativos a 350 mil computadores adquiridos para as escolas, durante a pandemia. Os montantes pagos indevidamente resultam de “desconformidades” já detectadas pela Secretaria-Geral de Educação e Ciência (SGEC) e que uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) vem agora revelar, instando a que as diligências já em curso para resolver o problema sejam céleres.

O actual relatório, divulgado esta segunda-feira, diz respeito à Fase Um de aquisição de computadores, posta em prática para permitir o total acesso às actividades lectivas, durante a pandemia, quando as escolas encerraram e as aulas passaram a ser feitas à distância.

O processo foi dividido em três etapas, tendo o TdC analisado já a designada Fase Zero, em que foram adquiridos 100 mil computadores, e olhando agora para a Fase Um, com a aquisição de 350 mil destes equipamentos, no valor de 126,8 milhões de euros, destinados a alunos com acção social escolar e a docentes. A última fase, a Dois, permitiu a aquisição dos restantes 600 mil computadores, que perfaziam o total de 1,05 milhões que o Ministério da Educação se comprometeu a fornecer às escolas.

Num relatório anterior, que se debruçou sobre a Fase Zero, o TdC já concluíra que tinham sido cobrados indevidamente 1,3 milhões de euros por contratos de conectividade. O erro, referia, na altura, o TdC, era que a conectividade começara a ser cobrada assim que os computadores chegaram às escolas e não quando foram efectivamente entregues aos alunos ou docentes e os cartões SIM devidamente activados, como deveria ter sido feito. Só que, quando essa informação foi divulgada, a SGEC já iniciara os novos contratos para a Fase Um e também para a Fase Dois, pelo que a desconformidade, num primeiro momento, se manteve.

Contudo, a divulgação do relatório anterior terá permitido que a SGEC se apercebesse com rapidez de que o problema ocorrido na Fase Zero continuava em vigor, permitindo-lhe iniciar as devidas diligências para o corrigir nas fases então em curso.

Segundo a auditoria, realizada no segundo semestre de 2022 (quando todos os computadores das três fases já tinham sido entregues às escolas), a execução dos contratos de conectividade “foi, sobretudo, afectada por desconformidade com os termos contratuais, relacionadas com cartões de conectividade (cartões SIM)”. Por causa dessas desconformidades — e, em consequência, a SGEC ter devolvido às operadoras a facturação indevida para correcção —, a execução destes documentos situou-se em 65%, quando a aquisição dos computadores atingiu os programados 100%.

O que foi feito de errado, segundo o TdC, é que as operadoras facturaram cartões SIM que nunca foram afectos a alunos ou docentes e, portanto, nunca activados. Alertada pelos erros detectados na Fase Zero, a SGEC concluiu que, em relação à Fase Um, as operadoras tinham de devolver 7,9 milhões de euros, já pagos, e mandou para trás “facturação desconforme no montante de 3,2 milhões”. Deste último bloco, refere-se no relatório, a SGEC acabaria por pagar, já em Março deste ano, 400 mil euros, tendo emitido uma nota de crédito do restante valor, 2,8 milhões de euros.

E, antecipando-se a uma futura auditoria à Fase Dois, refere o TdC, a SGEC devolveu já às operadoras facturação no valor de 25 milhões de euros, referentes a esta última etapa do processo, por também conterem “desconformidades”. Em ambos os casos, o TdC insta o organismo do Estado a “concluir este processo de verificação e validação do cumprimento das obrigações contratuais e da conformidade da facturação emitida”. É que só depois de concluídas todas essas diligências é que será possível “proceder ao apuramento de responsabilidades financeiras”, refere-se no documento.

Computadores a mais

O TdC refere ainda que, tal como indicado em auditorias anteriores relativas a todo o processo relacionado com a digitalização das escolas, tornada urgente pela pandemia, subsistem problemas relacionados com o acondicionamento e segurança dos computadores. A principal razão encontrada pelo tribunal — embora seja recusada pela SGEC — é que as escolas têm “computadores em quantidade superior às necessidades”, conclui-se no documento.

E isto acontece muito por força de dois factores: os encarregados de educação que se recusam a receber os equipamentos, por não quererem arcar com eventuais consequências económicas caso estes se estraguem por uso indevido das crianças; e o processo de reutilização que tem sido posto em prática, entregando a novos estudantes computadores entretanto devolvidos por alunos que os utilizaram anteriormente, o que faz com que “inúmeros computadores” permaneçam armazenados nas escolas, ainda por usar.

A auditoria conclui ainda que a qualidade dos equipamentos melhorou, comparando com os computadores adquiridos na Fase Zero, mas ressalva que ainda subsistem problemas, alertando para questões complementares, como a falta de pessoal técnico em número suficiente ou o facto de a garantia de dois anos prevista na aquisição não ter sido prolongada, o que faz com que em vários casos ela esteja prestes a expirar, com o eventual ónus que esse facto acarreta.

Contudo, tanto para este como para outros problemas relacionados com a segurança ou problemas detectados nestes equipamentos, o TdC realça o facto de o Orçamento do Estado 2023 ter criado uma linha de financiamento para o desenvolvimento de um plano de “manutenção, substituição e controlo” dos computadores, que, a ser posto em prática, poderá resolver as questões detectadas.

A única parte do processo em que não foram mesmo detectadas quaisquer desconformidades foi a da compra dos computadores, pelo que o TdC concluiu que “não há razões ponderosas para realizar auditoria às aquisições da Fase Dois”.

Ainda assim, salvaguarda, pode vir a realizar acções, “em função quer das diligências da SGEC, já em curso, no que respeita ao apuramento de desconformidade nos contratos de prestação de serviços de conectividade, quer dos resultados de acções realizadas por entidades sujeitas a um dever especial de colaboração com o TdC”.

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