Ex-director do Museu da Presidência condenado a seis anos e seis meses de prisão

Diogo Gaspar foi condenado por peculato, participação económica em negócio, abuso de poder, falsificação de documento e tráfico de influências. Outros três arguidos também foram condenados.

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Diogo Gaspar e mais três arguidos, José Dias, Paulo Duarte e Vítor Santos, foram condenados ANTÓNIO JOSÉ
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O ex-director do Museu da Presidência, Diogo Gaspar, foi esta segunda-feira condenado, no Campus de Justiça de Lisboa, a seis anos e seis meses de prisão efectiva, mas não lhe foi aplicada a pena acessória de proibição de exercício de funções públicas pedida pelo Ministério Público (MP).

Diogo Gaspar e mais três arguidos, José Dias, Paulo Duarte e Vítor Santos, foram julgados pelos crimes de abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais, num total de 42 crimes.

No fim do julgamento, Diogo Gaspar acabou condenado por 18 destes 42 crimes: sete de peculato, quatro de participação económica em negócio, quatro de abuso de poder, dois de falsificação de documento e um de tráfico de influências. O crime de branqueamento de capitais caiu.

José Dias, Paulo Duarte e Vítor Santos foram condenados a penas de prisão inferiores a cinco anos, ficando as mesmas suspensas mediante o pagamento de indemnizações ao Estado. Assim, Paulo Duarte foi condenado a uma pena de um ano e quatro meses de prisão, mas suspensa por igual período mediante o pagamento de quatro mil euros. Vítor Santos, por sua vez, foi condenado a uma pena de um ano e dois meses igualmente suspensa pelo mesmo período e mediante o pagamento de mil euros. Já José Dias foi condenado a um ano e sete meses com pena suspensa por igual período e terá de pagar três mil euros.

O juiz Rui Ribeiro considerou que Diogo Gaspar traiu durante muitos anos a confiança que lhe foi depositada por antigos presidentes da República, nomeadamente, Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva, porque "quis ter mais que aquilo a que tinha direito".

"Foi o senhor que conseguiu com a ajuda de terceiros montar o Museu da Presidência da República, demonstrou que tinha uma capacidade enorme de trabalho e que era uma pessoa digna de confiança. Mas traiu essa confiança", afirmou o juiz, sublinhando que Diogo Gaspar até recebeu louvores e condecorações pelo seu trabalho, mas andou "vários anos a tentar perceber sempre onde havia oportunidade de ganhar mais de forma directa ou indirectamente".

Quanto aos outros arguidos, o magistrado disse que não tinha dúvidas de que foram influenciados e controlados por Diogo Gaspar, mas que isso não os livra das responsabilidades. “O que aconteceu aos três foi que se deixaram influenciar por relações de poder. O arguido Diogo Gaspar é uma pessoa extremamente controladora. Vocês deixaram-se ir. E isto não significa que não tinham responsabilidade”, afirmou, acrescentando que “não vale tudo, temos direito a ganhar dinheiro, mas da forma correcta e não entrar nestes jogos de poder”.

Ministério Público tinha pedido pena de prisão efectiva

O MP tinha pedido uma pena de prisão efectiva para Diogo Gaspar, embora admitindo a sua suspensão, mediante o pagamento de um valor, pelo menos correspondente ao montante de que terá beneficiado, caso o tribunal decidisse aplicar uma pena inferior a cinco anos.

A procuradora, que não quantificou os anos de pena nem o valor a pagar em caso de suspensão da mesma, também tinha pedido que o ex-director do Museu da Presidência ficasse sujeito a uma pena acessória, nomeadamente, a proibição de exercer funções públicas durante cinco anos.

Para o Ministério Público, Diogo Gaspar utilizou a sua posição, funções e atribuições para obter vantagens patrimoniais e não patrimoniais indevidas, em seu benefício e de terceiros; violou vários deveres inerentes a um funcionário público, agindo por interesse próprio e não acautelando os interesses do Estado, transgredindo os seus deveres de isenção e de persecução de legalidade; beneficiou as empresas dos amigos em negócios com o Museu da Presidência – tendo, ele próprio, beneficiado financeiramente – e, finalmente, teve uma intervenção na gestão da sociedade História Escondida.

Além de favorecer empresas de amigos em negócios, o Ministério Público acusava ainda Diogo Gaspar de elaborar uma lista de peças de mobiliário do Palácio da Cidadela de Cascais [onde se encontra parte do espólio da Presidência da República] que classificava “como alienáveis, a abater, invocando o seu estado de degradação ou falta de valor”, para depois, através de empresas criadas para o efeito com cúmplices seus, as “adquirir para si”. Terá feito isto com, pelo menos, “178 peças de mobiliário, por valor inferior ao de mercado”, segundo a acusação do MP.

Vale a pena recordar que, em Novembro de 2022, o juiz comunicou aos advogados uma eventual alteração não substancial dos factos da pronúncia.

Destaca-se entre as mais de 30 eventuais alterações, que eram na sua maioria relativas a pormenores de datas e valores monetários, o facto de o colectivo de juízes considerar que, “face à prova constante nos autos e produzida em sede de audiência de julgamento”, o arguido adquiriu a preço inferior ao do mercado pelo menos 28 e não 178 peças de mobiliário como acusa o Ministério Público (MP).

A acusação referia que, “o arguido Diogo Gaspar” tinha conseguido adquirir, “pelo menos 178 peças de mobiliário - cadeiras de madeira, cadeirões estofados com braços e sem braços, sofás, bancos para pés, maples, mesas de centro, mesas de cozinha, mesas de cabeceira, secretárias, uma escrivaninha, armários, roupeiros, cómodas e camas – a um preço inferior ao seu valor de mercado, situado entre os seis e os sete mil euros, no total, assim se beneficiando ilegitimamente e prejudicando os interesses patrimoniais públicos que estava incumbido de defender”.

Na redacção sugerida pelo tribunal, Diogo Gaspar adquiriu pelo menos 28 peças de um lote de 178, avaliado no total entre os 6 e os 7 mil euros.

No fim do julgamento e segundo o acórdão, Diogo Gaspar apenas terá de devolver dois móveis de apoio, cada um com quatro gavetas, um tapete de Arraiolos rectangular, duas cadeiras estofadas vermelhas, um armário com vitrine, um banquinho de madeira e um banco colectivo.

No início do julgamento, Diogo Gaspar disse ter sido alvo de uma cabala destinada a acabar com uma carreira de cerca década e meia à frente do museu. E se nuns casos admitiu ter comprado a um antiquário material que este tinha por seu turno adquirido à Presidência da República, noutros alegou ter sido ele próprio e a sua família a emprestarem objectos à instituição, entre eles, serviços de jantar, peças de prata e candelabros.

À saída do tribunal, Raul Soares da Veiga, advogado do ex-director do Museu da Presidência, disse que ia recorrer da decisão e considerou que algumas das condenações foram injustas.

Juiz critica Conselho Superior da Magistratura

A leitura deste acórdão ficou ainda marcada pelo facto de o juiz, antes de dar por encerrada a sessão, ter feito duras críticas ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de gestão e disciplina dos juízes. De acordo com Luís Ribeiro, o CSM protelou durante sete meses a decisão de não conceder a exclusividade pedida pelo magistrado para este processo e ainda lhe negou o prazo de três meses para elaborar o acórdão. "Deram-me dois meses", sublinhou o magistrado, salientando que houve uma série de vicissitudes que contribuiu para que o julgamento deste processo se prologasse no tempo e que nenhuma era da sua responsabilidade.

O magistrado mencionou, por exemplo, o facto de o arguido ter falado durante várias sessões e depois ter ficado doente, de terem perdido uma juíza, que teve de ser substituída porque estava com uma gravidez de risco, e as cerca de 100 testemunhas que foram ouvidas.

Luís Ribeiro disse ainda que na sua opinião não é possível fazer justiça à pressa, nos corredores do poder, no âmbito das autoridades administrativas. "É aqui nesta sala de tribunal que as pessoas são condenadas ou absolvidas", afirmou, acrescentando que hoje em dia o tempo para se fazer justiça "está a ser ultrapassado por gráficos e por marcadores".

“É assim que actualmente se define os juízes e não pelo mérito da decisão”, sublinhou, para a seguir acrescentar: “Não ando atrás de cargos, não anseio ir para a Relação só por ir. Prezo acima de tudo a liberdade de expressão e não sou subserviente a ninguém. Sou juiz e ninguém me manda nunca acelerar um processo. Nunca conseguiram nem vão conseguir”, sentenciou, acrescentando que sabe que aquilo que esta a dizer hoje terá “eventualmente repercussões” na sua “vida profissional”.

“Mas não me preocupa. O que me preocupa é o sentido de justiça para com as pessoas que são julgadas ali (apontou para o lugar dos arguidos) e que têm direito a uma justiça justa e não acelerada”, afirmou o magistrado.

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