Futuro da Constituição chilena nas mãos da extrema-direita

As eleições para o Conselho Constitucional deram uma vitória expressiva à lista de José Antonio Kast, um saudosista da ditadura de Pinochet. Lista pró-governamental terá escassa representação.

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Apoiantes do Partido Republicano celebram a vitória nas eleições para o Conselho Constitucional EPA/AILEN DIAZ
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A extrema-direita chilena obteve uma vitória retumbante nas eleições de domingo para o Conselho Constitucional, garantindo um poder assinalável para redigir a nova Constituição do país. Os partidos que apoiam o Governo do Presidente Gabriel Boric alcançaram um resultado magro e terão muito pouca margem para influenciar as discussões sobre o texto constitucional.

Numas eleições vistas mais como um referendo à governação de Boric do que como um passo rumo à nova Constituição, a grande maioria do eleitorado chileno decidiu dar um novo castigo ao Governo. Em Setembro do ano passado, o chumbo da proposta de Constituição anterior, redigida por uma assembleia em que a esquerda estava em maioria, já tinha sido visto como uma rejeição não só do rumo em que o processo estava a seguir, mas também uma punição a Boric.

A lista do Partido Republicano, do ex-candidato presidencial José Antonio Kast, alcançou 35% dos votos, o que garante à extrema-direita 22 assentos entre os 51 do Conselho Constitucional. Com essa representação, o partido fica com a capacidade de vetar qualquer votação de artigos na Constituição sem precisar de negociar, passando a poder agir efectivamente como força de bloqueio se assim o entender.

A coligação de partidos de direita moderada conseguiu 27%, o que equivale a 17 parlamentares no conselho. Juntos, os dois sectores de direita têm representação suficiente para redigir livremente a nova Constituição. Já a lista de esquerda conotada com Boric não foi além dos 21%, ficando abaixo do limiar mínimo de 21 parlamentares que lhe poderiam dar capacidade para bloquear propostas. Foi ainda eleito um representante dos povos indígenas, aumentando a dimensão do Conselho Constitucional para 51 lugares.

Kast defendeu publicamente o legado do ditador Augusto Pinochet – chegou a dizer que, se fosse vivo, o antigo chefe de Estado votaria em si –, pelo que uma das principais questões que agora se coloca é se os parlamentares eleitos pelo seu partido irão usar o seu poder de veto para fazer descarrilar o processo de redacção de uma nova Constituição que iria substituir a que foi aprovada em 1980, durante a ditadura.

“Neste cenário inclinado para a direita, os republicanos alcançaram um tal nível de poder que lhes permite exercer uma chantagem dupla: por um lado, impondo as suas condições sobre o espírito e a letra de uma nova Constituição (redigindo um texto à sua medida) e obrigando a outra direita a vergar-se à sua vontade e, por outro, exercendo um poder de veto perante uma eventual convergência entre todas as esquerdas e a direita tradicional”, escreve no El País o sociólogo Alfredo Joignant.

No seu discurso de vitória, Kast apontou baterias ao Governo de Boric – que o derrotou na segunda volta das presidenciais, no final de 2021. “O Chile derrotou um Governo falhado”, afirmou, perante a euforia dos seus apoiantes.

Boric reconheceu que a primeira tentativa de redacção da Constituição fracassou por a esquerda, que então liderava o processo, não ter escutado “aqueles que pensam de forma diferente”. “Pedimos ao Partido Republicano que não cometa o mesmo erro que nós cometemos”, acrescentou.

Ao contrário do que aconteceu na Assembleia Constituinte da qual saiu a primeira versão da Constituição, desta vez o Conselho Constitucional vai trabalhar a partir de um esboço que foi redigido por uma comissão de especialistas designados pelo Parlamento. O objectivo é garantir o respeito por alguns princípios básicos, como a defesa do Estado democrático de direito ou o reconhecimento dos povos indígenas.

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