Queixas da movida continuam, executivo promete actuar: “A Câmara do Porto vai retirar licenças”
Após período de adaptação, regulamento da movida já está em pleno funcionamento. Executivo conhece incumprimentos e promete actuação que sirva de exemplo: “Só temos de conseguir fechar um.”
Sara Gonçalves toma antidepressivos e medicamentos para dormir há 12 anos. Moradora no Campo Mártires da Pátria, considerada zona da movida do Porto, há muito reclama o direito ao descanso: para ela, para os pais, de 90 e 91 anos, e para um filho paraplégico. E para toda a vizinhança. Nesta segunda-feira foi mais uma vez à câmara do Porto falar sobre o assunto: o novo regulamento da movida está em vigor desde 24 de Fevereiro e o período de adaptação às novas regras dado aos estabelecimentos já cessou, no dia 25 de Abril. Mas os incumprimentos acontecem a toda a hora, denunciou.
A moradora, cuidadora informal, sabe de cor as movimentações dos estabelecimentos da zona. E perante o executivo do Porto, na reunião pública desta segunda-feira, fez questão de denunciar uma série de incumprimentos de vários deles. Mercearias que agora só podem funcionar até às 21h e continuam abertas depois disso, estabelecimentos que fecham as portas mas mantêm clientes lá dentro, bebidas vendidas ao postigo. “Não tenho medo. O descanso é um direito que me assiste”, afirmou.
Com serenidade e revelando um cansaço já contado, em lágrimas, à directora da movida, a mulher de 64 anos deixou um pedido a Rui Moreira: “Pedia com todo o respeito e fulgor que haja fiscalização.” Na passada quinta-feira assim aconteceu, contou, revelando os resultados: “Foi melhor.” Mas só por uma noite: “Na sexta já foi horrível.”
O novo regulamento da movida alargou a área geográfica abrangida, criando regras diferentes consoante a área. A zona protegida (Rua dos Mártires da Liberdade, Campo dos Mártires da Pátria, Rua da Picaria, Rua do Almada, Rua de Ceuta, Calçada e Passeio das Virtudes e Rua de Cedofeita, entre a Praça Carlos Alberto e a Rua dos Bragas) tem as normas mais apertadas, seguindo-se o núcleo da movida (com 30 pontos, entre ruas, praças, largos ou travessas) e a zona de contenção (23 pontos).
O problema maior é, para esta moradora, a utilização de colunas de som portáteis. Grupos de pessoas juntam-se nas ruas com música em altos decibéis, noite e madrugada dentro, impedindo o descanso dos moradores, já poucos: “Somos só 12 habitantes na minha rua, o resto já é Alojamento Local.”
Sara Gonçalves não hesita em chamar a polícia, às vezes a municipal, outras, a de segurança pública. Mas o efeito, quando existe, é curto, contou: “Mal ouvem os carros da polícia escondem as colunas. E depois de a polícia passar voltam a ligá-las.”
O executivo ouvia-a atentamente e Ricardo Valente, vereador com as pastas das Actividades Económicas e Fiscalização, não mudou uma vírgula no relato. “Tudo o que diz está perfeitamente identificado e comprovado do nosso lado”, admitiu.
Pedindo “paciência” à moradora, o vereador de Moreira relatou um “reiterado incumprimento" por parte de “novas pessoas que chegam à cidade” e garantiu ter “casos identificados”. Neste momento, com o novo regulamento em pleno funcionamento, a autarquia ganhou novos poderes. E promete mão pesada: “A Câmara [Municipal] do Porto vai retirar licenças quando há um incumprimento reiterado”, avisou.
Os incumprimentos estão nesta fase a ser “coleccionados” pelo município para garantir os meios legais para encerrar espaços, afirmou Ricardo Valente, argumentando não querer avançar de forma precipitada e ter contestações em tribunais depois. No novo regulamento, está previsto que, além das contra-ordenações, o incumprimento das regras determina a “adopção imediata” da “suspensão” do funcionamento do estabelecimento ou da esplanada ou a “restrição do horário de funcionamento para as 20h”.
Sobre as colunas de som, Ricardo Valente admitiu ser um problema complexo: “É muito difícil controlar. O uso e abuso das colunas é um terror.”
Rui Moreira acenou à moradora com um efeito pedagógico da acção da autarquia: “Nós só temos de conseguir fechar um…”, sugeriu. Além disso, a solução exige, para o autarca, medidas de carácter legislativo. Desde logo, proibindo o consumo de bebidas alcoólicas na via pública, como é feito noutras cidades. E depois através de policiamento gratificado nas ruas, voltou a pedir, argumentando que esse modelo é usado noutras situações e poderia sê-lo na noite também.
A proposta tem sido liminarmente rejeitada pelo Governo. O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, já explicou por mais de uma vez o seu argumento: “Não devemos colocar a polícia a ser remunerada por interesses particulares, nomeadamente no período nocturno, que é um período em que há níveis de ameaças e de riscos e em que há fluxos cuja natureza exige uma independência, uma isenção e uma imparcialidade a toda a prova.”