Um Cumplicidades para mostrar que a dança em Portugal é feita de várias línguas

A 4.ª edição do festival decorre em Lisboa entre esta segunda-feira e dia 21, com criadores estrangeiros a residir em Portugal e artistas nacionais como Marco da Silva Ferreira.

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Iwa-Kagami, de Yuko Kominami Bohumil Kostohryz
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Espectáculos, debates, aulas de dança e formações compõem a quarta edição do Cumplicidades - Festival Internacional de Dança Contemporânea de Lisboa. Tal como em anos anteriores, o programa divide-se entre criadores portugueses e estrangeiros, mas, desta feita, o alinhamento internacional foi desenhado através de uma open call destinada a artistas a residir e a trabalhar em Portugal.

“Isto veio de uma reflexão que fizemos durante a pandemia: e se começássemos a prestar mais atenção a artistas que tenham chegado recentemente do estrangeiro, que tenham dificuldades em ter visibilidade e em criar ligações com a comunidade artística local?”, explica ao PÚBLICO Francisco Camacho, coreógrafo e director da Eira, estrutura responsável pela produção do festival.

Assim, em vez da habitual aposta em criadores do Médio Oriente e do Mediterrâneo, este Cumplicidades abre portas ao brasileiro Roberto Dagô, com Bâtard Sauvage, ou Vira-lata Selvagem (dias 12 e 13, Rua das Gaivotas 6), solo em que aborda as heranças do colonialismo nas dinâmicas psicossociais do Brasil; à japonesa Yuko Kominami, que em Iwa-Kagami segue a linguagem do butô para prestar homenagem ao seu falecido pai (13 e 14, Teatro Taborda); à cubana Laura Rios, com Escritura Del Movimiento, uma peça “de detalhe, atenta ao pequeno movimento” (Teatro Taborda, num double bill com Yuko Kominami); e ao brasileiro Magnum Soares, que em Raízes endereça o impacto da mineração no Brasil do presente e do futuro (18 e 19, CAL – Centro de Artes de Lisboa).

Com esta pequena amostra, o festival aponta para um circuito de dança nacional cada vez mais diversificado e “em mudança”. “Está a criar-se uma dinâmica mais internacional, e não é só em Lisboa”, diz Francisco Camacho. “Isto é muito enriquecedor, tanto para criadores e intérpretes como para programadores. Ajuda-nos a abrir caminhos, a perceber que há outras lógicas físicas, de pensar movimento, de estar em cena.”

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Já Não Sou a Amar-te Menos, de Guilherme de Sousa & Pedro Azevedo José Caldeira

Artistas emergentes

Já a programação focada em criadores portugueses foi escolhida pelo coreógrafo, bailarino e investigador Luiz Antunes, sob o tema “Cara a Cara, Somos todos Sapiens”, procurando reflectir sobre “os limites e as fronteiras nos planos da cultura e do território, assim como na experiência dos corpos e da interioridade”. A primeira apresentação, na quinta e sexta-feira, cabe ao jovem coreógrafo Hugo Cabral Mendes, que leva O Ser Inumano, “uma performance para dois irmãos”, ao quartel do Largo Cabeço de Bola (Largo Residências).

Segue-se O Que é Um Problema? (dias 13 e 14, São Luiz), espectáculo para público juvenil de Beatriz Valentim, também ela a dar os primeiros passos na criação, nota Francisco Camacho. A atenção dada a artistas emergentes, sobretudo de fora de Lisboa, é notória nesta edição: no programa estão também Margarida Montenÿ e Carminda Soares, com Simulacro, no qual exploram as lógicas degenerativas do gesto (17 e 18, Centro Cultural de Belém) e a dupla Guilherme de Sousa & Pedro Azevedo, que depois de terem estreado Karpex no DDD - Festival Dias da Dança, apresentam mais uma nova criação, Já Não Sou a Amar-te Menos (20 e 21, Auditório da Biblioteca de Marvila). Pedro Azevedo venceu recentemente a 4.ª edição do Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II, pelo seu trabalho de cenografia e figurinos.

Mas há também nomes mais reconhecidos, e reconhecíveis, neste Cumplicidades. Marco da Silva Ferreira estreia Salão Pavão na discoteca Lux, dia 18, uma performance em que a pista de dança servirá como espaço de encontro e experimentação entre certos códigos das danças de salão e os vocabulários do clubbing, que, indirecta ou directamente, o coreógrafo tem vindo a resignificar em alguns dos seus trabalhos. Já André Braga e Cláudia Figueiredo, da companhia portuense Circolando, apresentam a sua mais recente criação, Feedback, em que procuram “novas gramáticas de sensibilidade” e a “inteligência selvagem” dos corpos (CCB, 20 e 21)

A quarta edição do Cumplicidades fica completa com três debates em torno das dinâmicas entre cultura e território; com o PED - Projecto de Estudo em Dança, uma acção de formação para profissionais das artes performativas orientada por Francisco Camacho; e com o Passaporte da Dança, projecto educativo do festival que activa, entre esta segunda-feira e sexta, mais de 300 aulas de dança de acesso gratuito, para todas as faixas etárias. Este ano, a iniciativa estende-se até Amadora, Oeiras, Sintra, Mafra, Odivelas, Cascais e Setúbal, em parceria com várias estruturas locais.

“No início do Passaporte, fiquei muito impressionado com a quantidade de escolas e estúdios de dança que obedecem aos mais variados estilos e técnicas de dança”, refere Francisco Camacho. “Gosto muito da ideia de podermos contribuir para divulgar esta oferta: além de ajudar a construir públicos, como um chamariz, pode ajudar as pessoas a ter uma vida mais preenchida através da prática da dança.”

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