Voltamos! Após quatro anos a assistir ao progresso do nosso país ser destruído, finalmente voltamos a ver o Brasil com destaque internacional como um país onde indígenas, negros, mulheres, pessoas com deficiência e operários sobem com o presidente o Palácio da Alvorada, onde novas tentativas de golpe de Estado não se criam, com um mediador de conflitos políticos, que consegue mais fundos internacionais para a causa climática e a preservação da Amazónia, e como um país que se compromete a criar políticas públicas de reparação histórica através da criação do Ministério dos Povos Indígenas, dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial, e do regresso do Ministério da Cultura, todos ocupados por pessoas negras e indígenas, e que também são activistas.
Eu emigrei em 2017, altura em que fazer um intercâmbio na Europa não era uma ideia financeiramente absurda para os brasileiros, já que herdamos dos governos anteriores o valor de um euro ser correspondente a 3,27 reais. Hoje, um euro corresponde a 5,60 reais e, durante a pandemia, chegou a 6,54 reais, o que tornou o sonho de muitos brasileiros que queriam ter essa experiência bem mais árduo.
Em 2018, após as eleições, ouvi muitos brasileiros dizerem que infelizmente precisariam de deixar o Brasil por receio de sofrerem violência por serem LGBTQIA+, mulheres e negros, identidades particularmente atacadas pelo ex-presidente e pelos seus apoiantes.
Nos quatro anos que se seguiram, nós, brasileiros emigrantes, assistimos ao progresso do nosso país de origem ser destruído, os direitos humanos serem esquecidos, os nossos amigos e familiares morrerem devido ao desprezo do governo pela vida do próprio povo e o incentivo ao negacionismo antivacinas. Por aqui, tivemos de ouvir que brasileiros não deviam meter-se na política de Portugal porque não sabiam votar, que somos estúpidos por acreditarmos em fake news absurdas, que não nos vacinamos e trazemos covid-19. Mais recentemente, ouvimos que os brasileiros de extrema-direita vêm para Portugal para destruir a democracia do país, utilizados por alguns partidos que são, paradoxalmente, anti-imigração.
O resultado destes últimos quatro anos de governo de extrema-direita no Brasil foi desastroso. É preocupante assistir ao mesmo cenário em Portugal, país que vivencia uma grande crise da qual a extrema-direita tenta aproveitar-se para se vender como sendo a salvadora, mas, como faltam propostas à altura do problema, apenas repete o velho discurso de Deus, pátria e família. Também sem explicar como grita que vai “acabar com a corrupção”, quando eles mesmos corrompem a verdade ao propagar mentiras contra imigrantes e pessoas de etnia cigana.
O governo, a política e a justiça têm sido muito tolerantes com a xenofobia e o racismo nas campanhas da extrema-direita em Portugal, que ferem os direitos humanos e enfraquecem a “terra da fraternidade” também com recurso às fake news para culpabilizar principalmente os imigrantes (brasileiros e africanos) por todos os problemas do país.
Os olhos do mundo nunca estiveram tão voltados para o Brasil e a extrema-direita, como de costume, criou mais uma desordem para ganhar visibilidade tentando apropriar-se do destaque e do protagonismo no qual o nosso governo volta a colocar o Brasil e distorcer a recepção calorosa do nosso presidente em Portugal, como se este, que valoriza tanto a relação entre nossos países, não fosse bem-vindo.
Para além de dançar fazendo o L e querer um pedaço do nosso presidente, a extrema-direita, que antes desprezava os imigrantes brasileiros, não conseguindo fugir da importância da comunidade brasileira no país, também tem iludido e recrutado brasileiros que “não trabalhem para os brasileiros, mas pelo povo português”, ou, pelo menos, para aqueles portugueses que querem o retrocesso do país.
Essa bizarrice mostra que a colonização não acabou e persiste no pensamento e que, como dizia Paulo Freire: “o sonho do oprimido é ser o opressor”, opressor do próprio povo, que por achar que “subiu na vida” ao estar vivendo na Europa, agora quer destruir a escada que utilizou, para que os conterrâneos não tenham a mesma possibilidade.
Num momento em que a sociedade começa a dizer basta à dominação de identidades, em que é inaceitável que o homem branco heteronormativo detenha o poder de dizer quem pode e quem não pode existir, continuar a “colocar panos quentes” neste tipo de estratégia política é envergonhar todas as pessoas que vieram antes de nós e que lutaram por liberdade, omissão que pode sair muito cara para a democracia do povo português.