Boulaye Dia, o goleador que não ia crescer mais

Disseram-lhe que não ia crescer e até teve de deixar o futebol para ir sustentar a família. Mas depois cresceu, foi electricista, regressou ao futebol e é, agora, um dos goleadores da Liga italiana.

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Boulaye Dia, jogador da Salernitana EPA/MASSIMO PICA

Atentemos no seguinte relato: “Quando tinha 12 anos, fui convidado para fazer captações no Saint-Étienne. O meu pai já não queria muito e, quando o carro avariou na portagem, ele irritou-se e voltámos para casa. Eram nove da manhã. Tivemos de chamar um táxi e voltámos para trás. Não houve treino e nunca mais me chamaram novamente”.

E agora neste: “No Lyon, fizeram-me um teste no pulso para prever o crescimento futuro. Eu era muito pequeno e disseram-me que não ia crescer muito mais, portanto não encaixava no perfil que eles queriam”.

Estes dois episódios, contados por Boulaye Dia, ilustram um início de percurso futebolístico difícil para o goleador que agora, com 26 anos, marca golos na Liga italiana – e nesta quarta-feira foram três, no empate (3-3) da Salernitana, de Paulo Sousa, frente à Fiorentina.

Dia, que já foi campeão africano com o Senegal, vai com 15 golos – é o terceiro melhor marcador do campeonato –, mas nada na sua carreira foi normal.

12 milhões para um jackpot

Além das recusas que recebeu em clubes franceses, também se prestou a um teste falhado no agora famoso Wrexham. Foi numa altura em que o pai deixou de poder trabalhar, por questões de saúde, e Dia teve de trocar o futebol pelo labor noutras áreas.

Jogava na quarta divisão, mas teve de mudar os planos. Voltou para Oyonnax, para cuidar do que restava da família na pequena cidade perto da Suíça. “Eu queria ser futebolista, mas não era a minha prioridade. Primeiro tinha de trabalhar e ganhar dinheiro para mim e para a minha família [é o sexto de sete irmãos]. Tornei-me electricista, porque o meu irmão já me tinha ensinado. Gostava de participar em renovações de edifícios antigos e isso até era interessante”, explicou, em 2020, em entrevista ao site Get Football, acrescentando que a falta de trabalho permanente o levou a “biscates” em vários empregos em part-time.

Quando pôde regressar ao futebol, para o Jura Sud, primeiro, e o Stade Reims, depois, Dia foi conseguindo algum impacto – quatro, oito e 16 golos na Liga francesa – e foi comprado pelo Villarreal, que agora o emprestou à Salernitana.

Agora há boas e más notícias para o clube italiano. A má é que, sendo um clube modesto, o maior valor gasto num jogador ficou-se pelos sete milhões de euros. A boa notícia é que tem opção de compra por 12 milhões, o que significa que um pequeno esforço de tesouraria pode, pelo que se tem visto, resultar num jackpot – deverá ser relativamente fácil fazer lucro depois dos 12 milhões gastos.

Em Itália não há como ele

Fã de Robinho e Ronaldinho, Boulaye Dia é bem diferente dos seus ídolos. Está longe de ser um “artista” como os dois brasileiros e tem feito da potência, força e aceleração os principais predicados.

Ao contrário do que previu o teste em Lyon, Dia cresceu até um pouco mais de 1,80 metros e é fisicamente robusto. Tecnicamente está longe de ser um prodígio e, apesar de tentar muitos dribles, é o sétimo jogador do campeonato com mais perdas de bola e está no top 20 de recepções falhadas.

Tem, porém, algo único: a finalização. Boulaye Dia é, de longe, o jogador que mais supera o seu valor de golos esperados. Pela qualidade das oportunidades, seria suposto ter marcado apenas oito golos, mas já vai nos 15. Isto significa que tem sido um finalizador tremendo, marcando as bolas “supostas”, mas também as improváveis – e tem nove golos de pé direito e seis de pé esquerdo, mostrando versatilidade. Tem também uma altíssima taxa de conversão entre remates e golos – 25,4%, também o valor mais alto da Série A.

Por tudo isto, fica bastante claro que Boulaye Dia é um jogador de área, mais do que um criativo – apesar de já ter sido utilizado em posições mais laterais –, e que, numa equipa de alto volume ofensivo, pode levar os valores de finalização a níveis ainda mais altos, já que o aproveitamento é vincadamente elevado.

E o Villarreal “só” pediu 12 milhões…

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