Um caleidoscópio sobre a música dos amigos da Elephant 6
The Elephant 6 Recording Co., de C.B. Stockfleth, passa pela segunda vez no Indielisboa nesta quarta-feira, às 19h15, no Cinema São Jorge.
Amigos que queriam fazer música à sua maneira. É disso que era (e vai sendo) feita a Elephant 6, a editora/colectivo que teve o seu auge nos anos 1990 em Athens, na Geórgia, e estava ancorada na música das três bandas principais: os Apples in Stereo, de Robert Schneider, os Olivia Tremor Control, de Will Cullen Hart e Bill Doss, e os Neutral Milk Hotel, de Jeff Mangum. Um grupo de amigos que tinham crescido em pequenas terras do Louisiana e se mudaram para a cidade dos R.E.M. e B52s, fascinados pela pop e harmonias de vozes dos Beach Boys, dos Beatles ou dos Zombies, mas também pelo psicadelismo, dos Sonic Youth e de um espírito experimental. Cada um tocava nas bandas dos outros, todas com a sua própria personalidade. Ao longo dos anos, foram crescendo em número, chegando a englobar à volta de 50 projectos diferentes, de vários sítios.
The Elephant 6 Recording Co., um documentário que tem a segunda exibição no IndieLisboa nesta quarta-feira, às 19h15, no São Jorge, conta essa história. Era uma altura em que, como explica no início do filme Lisa Janssen, que tocou baixo nos Neutral Milk Hotel e depois teve o duo Secret Square, "toda a gente tinha um [gravador de] quatro pistas e não interessava se sabias cantar". Hilarie Sidney, por exemplo, a baterista dos Apples in Stereo e colega de Janssen nos Secret Square, nunca tinha tocado bateria na vida, mas convenceu Schneider a entrar.
C.B. Stockfleth é o realizador do filme. Numa conversa por Zoom, narrou ao PÚBLICO a longa aventura que foi fazer o documentário. Foi Schneider, o cabecilha da Elephant 6, além de produtor e engenheiro de som de boa parte do trabalho do grupo, que o convenceu a começá-lo. Tinham trabalhado juntos no filme-concerto dos Apples in Stereo em 2007. "Saiu bastante bem e ele abordou-me depois", partilha. "Ao longo dos anos, algumas pessoas tentaram e não foram bem-sucedidas", comenta, a dizer que dentro do grupo as pessoas "não são necessariamente reclusas, mas são todas algo privadas" e "nem todas gostam de ser fotografadas".
Começou por falar com Schneider e Sidney em 2010. Depois, aos poucos, foi ganhando a confiança de outros membros, como Bill Doss e Will Cullen Hart, e a fazê-los irem para lá da narrativa predefinida que têm sobre o seu trabalho. O filme começou por ser autofinanciado, e devagar foi ganhando vida. "Quando tinha 400 ou 500 dólares extra, ia até Athens" ou a vários outros pontos dos Estados Unidos e do Canadá onde agora vivem alguns membros, e falava com alguém. A ajudá-lo teve gente como o produtor Lance Bangs, que filmou várias bandas à volta de Athens e se tornou famoso como cameraman do programa-fenómeno cómico da MTV e saga de cinema Jackass – Bangs vomita em todos os filmes –, sendo também entrevistado no documentário.
Ao todo, Stockfleth acabou por falar com cerca de 70 pessoas, incluindo fãs famosos como Elijah Wood, David Cross ou Danger Mouse, que gostavam de toda esta música numa altura em que era complicado saber mais sobre as pessoas que a faziam. A ideia era fazer uma "colagem" e um "caleidoscópio" que desse uma "impressão artística" desta arte, mais do que ser escrupuloso com "factos" e "datas" e tentar ser cronológico.
Houve, como é natural, muito que ficou de fora. "Há grandes bandas como The Essex Green, Beulah ou The Ladybug Transistor que mal são mencionadas." Haveria espaço para uma parte dois, diz o realizador. Of Montreal, uma das bandas mais famosas do colectivo, aparecem pouco, mas "davam todo um documentário". Os oráculos a mencionarem a que grupos pertence cada pessoa entrevistada também foram complicados de gerir, já que cada pessoa toca em sete ou oito bandas diferentes. Há uns que mudam cada vez que as pessoas aparecem.
Jeff Mangum é ainda mais privado do que os outros. Há anos que recusa entrevistas e mal aparece, não tendo qualquer interesse em ser uma pessoa conhecida. Ao mesmo tempo, In the Aeroplane Over the Sea, dos Neutral Milk Hotel, é claramente o álbum mais famoso do colectivo. Mangnum é quase um mito, e não quis ser entrevistado, mas "foi muito generoso" e autorizou "o uso da sua música e da imagem", além de ter ajudado a "encontrar coisas". "É um tipo maravilhoso", resume.
O filme só tem chegado a festivais – ainda nem teve estreia em sala nos Estados Unidos. Pelo meio, Bill Doss morreu em 2012, o que obrigou a uma pausa de um ano. Além de ter sido feito aos poucos, havia também muitas horas de entrevista para editar e muita música para licenciar. Estava tudo pronto no final de 2019, mas depois veio a pandemia e trocou as voltas a um filme sobre uma comunidade que queria deixar claro o valor da arte feita em comunidade. E cujo realizador quer muito que seja visto no cinema, com público que poderá ser inspirado a fazer a sua própria arte.