Aldina: “O fado foi sempre uma arte que retratou o tempo”

Um ano após o lançamento, Tudo Recomeça vai ser apresentado por Aldina neste sábado no CCB, em Lisboa, às 19h. Numa viagem que vai da pandemia à sua superação.

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Aldina fotografada para divulgação de Tudo Recomeça (2022) ISABEL PINTO

O mais recente álbum de Aldina Duarte, que na capa surge apenas como Aldina, foi lançado em Março de 2022 e os seus fados reflectem os tempos da pandemia, como ela explicou ao Ípsilon na altura. Nesse mesmo ano, aliás, chegou a ser apresentado ao vivo no São Luiz, nos dias 6 e 7 de Junho, na íntegra, em sessões seguidas de conversas com a audiência. Agora, passado pouco mais de um ano, o disco é mote para um concerto no CCB, em Lisboa, integrado no ciclo Há Fado no Cais, parceria do CCB com o Museu do Fado. Será neste sábado, 29 de Abril, às 19h.

Mas muito mudou desde que o disco foi pensado e gravado e mais ainda desde Março de 2022 até 2023, diz Aldina agora ao PÚBLICO: “Primeiro, era um disco feito durante a pandemia e absolutamente centrado naquela circunstância trágica pela qual passámos todos. Entretanto, superámos esse tempo e não faria sentido agora estar a fazer um concerto num grande auditório só sobre a pandemia. Então, o que fiz? Vou apresentar o disco, mas reorganizei e repertório no sentido de ir buscar outros fados, construindo o modelo que aprendi com o Jorge Silva Melo: conto a minha própria história – a partir da qual cada um fará a sua, ao ouvir –, que vai da pandemia à superação.”

Porque, acrescenta, houve uma superação: “A ciência deu um passo gigantesco, com a vacina, em termos de rapidez e eficácia na imunidade colectiva. E como sou uma eterna optimista, acho que alguma coisa deve ter ficado. A pandemia semeou qualquer coisa que há-de dar o seu fruto: uma mudança de paradigma no sentido em que estávamos mesmo fechados na nossa vidinha, a querermos consumir mais e mais, e agora acho que as pessoas já não estão tão consumistas como dantes, há uma nova ordem que não se sabe bem qual é, mas sinto que as pessoas já não querem voltar ao mesmo.”

Pelo menos até sermos surpreendidos por outro acontecimento com reflexo nas nossas vidas: “A seguir, rebentou uma guerra aqui à porta. E aí o peso já era muito grande e às vezes dá o efeito contrário. Quando o medo e a desilusão são demasiados, já é estrume a mais, não dá flor. E talvez nos tenha empurrado para aquela coisa da sobrevivência: ‘Eu quero é tratar da minha vida e safar-me.’ E lá voltamos àquele individualismo ancestral.”

E todas estas mudanças acabam por se reflectir no que Aldina canta agora. “Eu mudei, a minha vida mudou e eu quero que o meu fado reflicta isso. O fado foi sempre uma arte que retratou o tempo.” Quanto à matéria-prima do seu trabalho, mantém-se inalterada: “O fado tradicional, material com que trabalho e com que trabalharei, porque não pára de me surpreender, tem estruturas melódicas que são de facto abertas. E basta alterar-se a vivência de quem o canta, a tonalidade, a sonoridade, incluindo ou excluindo algum instrumento, para, com uma abordagem diferente, essas músicas se tornarem outras.”

Assim, há fados que vai cantando de forma diferente, alguns dos quais não abandonará: “Algumas letras, a sensação que tenho é que as cantarei até morrer, porque elas têm uma intemporalidade poética extraordinária. E a música ainda a amplia mais, no seu sentido, nos seus registos emocionais. E com a interpretação podem ir muito longe.”

Gravado com Paulo Parreira na guitarra portuguesa e Rogério Ferreira na viola de fado, Tudo Recomeça vai ser apresentado no CCB não em duo e sim em trio. Não podendo Paulo Parreira estar presente, por motivos pessoais, o trio será formado por Bernardo Romão (guitarra portuguesa), Rogério Ferreira (viola de fado) e Paulo Paz (viola baixo).

O próximo disco de Aldina, porém, será de novo gravado com uma dupla (guitarra e viola) e terá, como já antes sucedeu, letras de um só autor. Desta vez, a escolhida foi Capicua. “Ela inventou uma linguagem nova, palavras que nunca foram cantadas em fado, com aquela escola do rap encontrou ali uma musicalidade bem interessante entre versos”, diz Aldina. Os trabalhos começam em Outubro e o disco sairá em 2024.

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