“Em Portugal a natalidade está muito prejudicada pelas condições salariais e pela precariedade”
Reforçar as licenças parentais pode incentivar a decisão de ter filhos, mas a baixa natalidade não se resolve sem combater a precariedade, os baixos salários e o problema da habitação, diz demógrafa
Ana Fernandes, demógrafa e investigadora do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, aplaude a proposta do Governo que vai garantir um apoio de 20% do salário através da Segurança Social aos pais que decidam trabalhar em part-time por três meses cada um após o gozo da licença parental inicial. Por via desta alteração ao Código do Trabalho, que entra em vigor no dia 1 de Maio, os pais passam a poder acumular aquele apoio com o salário correspondente ao trabalho a tempo parcial. A especialista alerta, porém, que o problema da natalidade requer um combate mais veemente aos baixos salários e à precariedade laboral, assim como às dificuldades no acesso à habitação.
Considera que o apoio de 20% a pagar pela Segurança Social aos pais que optem pelo trabalho a tempo parcial até aos 12 meses do bebé responde ao problema da natalidade em Portugal?
Penso que sim. É uma medida que poderá facilitar a decisão de ter um filho e ajudar a responder à pergunta dos pais sobre que condições vão ter para criar uma criança. O facto de uma mulher ou de um homem poderem dispor de mais tempo no primeiro ano de vida para dar maior atenção ao bebé pode sem dúvida ajudar nessa decisão.
Que outras medidas gostava de ver em cima da mesa para responder às dificuldades que as pessoas enfrentam quando ponderam ter filhos?
O que a literatura diz é que todo o apoio parental, nomeadamente ao nível das creches e das condições de trabalho, é fomentador da natalidade. Isto promove-se mais pelas condições de trabalho do que pelos apoios ou abonos. Agora, em Portugal, nós temos uma questão prévia que é a precariedade no trabalho e agora também na habitação. Há famílias com crianças pequenas que estão a ser praticamente despejadas da casa onde estavam.
Estas são questões prévias que não são directamente orientadas para a natalidade, mas que são as condições de estabilidade que permitirão a decisão de ter uma criança. Portanto, evidentemente que a medida apresentada ajuda na promoção da natalidade, mas é preciso que os entraves prévios sejam resolvidos ou pelo menos mais resolvidos do que têm estado até ao momento.
E aqui entra também o nível dos salários, que em Portugal é baixíssimo nas categorias mais jovens. Realmente, a literatura aponta os apoios parentais, a existência de creches acessíveis e as condições de trabalho, mas em Portugal a natalidade está muito prejudicada pelas condições salariais e pela precariedade.
Ainda vamos a tempo de desacelerar o envelhecimento demográfico?
Isso não. Há duas questões aqui: uma é a natalidade, que responde à pergunta sobre quantas crianças nascem por ano, e outra é a fecundidade, que nos diz quantas crianças tem a mulher ao longo da sua vida. E o indicador da fecundidade em Portugal está relativamente estável, ou seja, nós estamos ligeiramente abaixo do nível de fecundidade dos outros países da Europa.
Agora, o que está muito abaixo da média dos restantes países europeus é a natalidade, ou seja, nós temos poucas mulheres em idade fecunda, comparativamente com outros países que têm uma população mais jovem, e penso que essa compensação só poderá vir a ser feita com a entrada de população migrante, porque já não vamos a tempo de repor as crianças que não nasceram e os jovens que não cresceram porque não chegaram a existir.
O emagrecimento da pirâmide não permite que actualmente tenhamos uma quantidade de mulheres em idade fecunda suficiente para que a natalidade seja afectada e possa crescer. Estas medidas também vão afectar a fecundidade – são direccionadas à decisão dos pais, nomeadamente das mulheres para poderem ter filhos –, mas, mesmo que elas decidissem agora ter muitas crianças, nunca iríamos recuperar o défice que temos relativamente à população jovem de que precisávamos para repor os níveis da natalidade.