Pescadores de Esposende vivem condicionados à mercê das marés

Há pescadores em Esposende que não vão ao mar há cinco meses. Desde 2017 que os barcos só podem navegar durante um número limitado de horas por causa do assoreamento da barra.

#TBL - Jose Manuel Nibre, Pescador - Erosao Costeira em Esposende - Abril 2022 - Tiago Bernardo Lopes
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José Manuel Nibre não vai ao mar há mais de três meses Tiago Bernardo Lopes
#TBL - Erosao Costeira em Esposende - Abril 2022 - Tiago Bernardo Lopes
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A navegação fica impossibilitada devido ao assoreamento do canal do estuário do rio Cávado Tiago Bernardo Lopes
#TBL - Jose Manuel Nibre, Pescador - Erosao Costeira em Esposende - Abril 2022 - Tiago Bernardo Lopes
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Já houveram pescadores a desistir por causa da instabilidade Tiago Bernardo Lopes
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À medida que as ondas rebentam cada vez mais perto da terra, Esposende assiste à destruição da restinga da foz e ao assoreamento do canal de navegação, o que torna a entrada dos pescadores para o mar mais perigosa e instável. O estuário do rio Cávado, porta de entrada por onde passam as embarcações que rumam ao Atlântico, fica sujeito às alterações climáticas por ser uma barra natural e tem vindo a estar restrito à actividade da comunidade piscatória esposendense. Há muita gente do mar que já foi para a terra devido à falta de condições.

A saída de rio para o mar fica condicionada, existem janelas de tempo em que se pode circular na barra, mas tem de se prestar muita atenção à maré — é preciso haver água para sair e para entrar. Já foram vários os casos em que, no regresso, as embarcações encalham nas pilhas de areia.

José Manuel Nibre nasceu numa família de pescadores, e pescador se tornou. Sentado a bordo do Flecha Portugal, um barco azul a dois motores atracado mesmo em frente ao Patrícia Alexandra, na doca do rio Cávado, contou ao PÚBLICO os problemas que tem vindo a enfrentar. “Não ando ao mar por esta barra já para aí há três meses...”

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Há pescadores em Esposende que não vão ao mar há cinco meses. 

Tiago Bernardo Lopes,Renata Mendes

O presidente da Associação dos Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende, Carlos Vilas Boas, disse ao PÚBLICO que “há pescadores que já desistiram”, foram trabalhar para terra por causa da falta de condições e, se o problema não for resolvido, vão perder-se “todas as embarcações em Esposende”.

Os pescadores “não conseguem trabalhar”, avisa Carlos, porque os riscos de navegar pelo estuário “são elevados”. Devido aos perigos, confessa, “aqui em Esposende já não vamos ao mar há cinco meses”. Desde 2017 que a barra está condicionada, diz o presidente da associação, e desde então os pescadores só podem “ir ao mar três horas até ao estofo da preia-mar [quando a maré atinge o ponto mais elevado] e três horas da preia-mar a descer”, deixando um período de tempo “muito pequeno” para trabalharem.

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Restinga de Esposende, ao fundo, onde o rio Cávado desagua no oceano Tiago Bernardo Lopes

Uma restinga instável

A restinga (acumulação de sedimentos que separa o rio Cávado e o mar) de Esposende é constituída por “formações arenosas sempre muito móveis”, explica Francisco Taveira Pinto, professor catedrático e presidente da direcção do Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, ao PÚBLICO.

Assim, “dependendo da relação de forças entre a acção do mar e o caudal do rio, podemos ter um recuo [da restinga], em casos de tempestade, ou podemos recuperar, se por acaso houver uma cheia e a agitação marítima não for tão significativa”. Recentemente, a tendência é de recuo e a “configuração ideal – estável – da restinga não existe”. Assim, “o mar consegue entrar de forma mais agressiva na parte final do estuário, arrastando os poucos sedimentos que ainda existem para o interior, assoreando o canal”.

A acumulação de areia no canal do estuário faz com que os barcos não consigam passar para o mar e encalhem. “Isto já aconteceu a todos os pescadores daqui”, diz Carlos Vilas Boas. “As areias estão soltas, o próprio mar transporta as areias e há situações de o pescador ir ao mar, sair por uma determinada zona da barra e, quando vem para terra, o sítio mais fundo já não é no mesmo sítio, e ficam encalhados”.

José Manuel Nibre já encalhou “várias vezes”. No ano passado, com o cunhado, encalhou no rio, conta enquanto aponta em direcção à barra. “O barco ficou em seco” e os dois tiveram “que saltar à água em cuecas, às duas da manhã, cheios de frio, para empurrar o barco”, o que não é fácil. “Vi-me medonho para sair...”

Actualmente, segundo Carlos Vilas Boas, das 34 embarcações de pesca da sub-região do Cávado, apenas quatro trabalham, mas não em Esposende. “Estão a pescar porque estão em Viana do Castelo”, esclarece. A lota permanece aberta porque o pescado apanhado em Viana do Castelo é trazido para Esposende e vendido na Docapesca, onde, segundo Manuel Lima Nibre, se vende bem. “Até vêm pessoas de Guimarães e Braga aqui de propósito para comprar o nosso peixe...”

Um braço-de-ferro entre o rio e o mar

Devido principalmente à construção de barragens, o rio Cávado, como outros rios, perdeu força e caudal, por isso, perdeu também capacidade de transportar os sedimentos que reforçam e estabilizam a restinga da foz. Assim, a duna na parte final do estuário deixou de reter areias e vai sendo invadida pelo mar.

A Câmara Municipal de Esposende pediu um estudo à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto para perceber possíveis soluções ao problema de circulação na barra Tiago Bernardo Lopes
Tiago Bernardo Lopes
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A Câmara Municipal de Esposende pediu um estudo à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto para perceber possíveis soluções ao problema de circulação na barra Tiago Bernardo Lopes

Os sedimentos que vemos hoje nas praias e zonas costeiras foram transportados pelos rios durante vários séculos, quando não havia obras de retenção”, explica Francisco Taveira Pinto, que realizou, em 2021, um estudo para a Câmara Municipal de Esposende, financiado pelo POSEUR e com apoio da Universidade do Minho, sobre a barra do Cávado.

Actualmente, devido à construção de barragens, que o engenheiro descreve como “autênticas barreiras ao transporte de sedimentos”, existe uma diminuição das velocidades de escoamento, “os transportes são muito menores e as barreiras impedem que esses sedimentos possam fluir normalmente até à foz”.

No estudo pedido pelo município foram apresentadas algumas soluções com o objectivo de manter e fixar o canal de navegação, de reconstruir, reforçar, manter e garantir a protecção da restinga, nomeadamente a partir da sua renaturalização. O plano era proporcionar a acumulação de sedimentos e proteger a frente marginal de Esposende, “adoptando uma solução com impactos ambientais baixos ou positivos”, segundo Francisco Taveira Pinto.

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Proposta do estudo coordenado por Francisco Taveira Pinto

A proposta passa pela reconstrução da duna da restinga, “com um reforço do núcleo e ao plantar vegetação própria das dunas”, de “um dique, paralelo ao que já existe na embocadura no lado da cidade, que iria fixar o canal de navegação”, enumera o engenheiro. Além de balizar o canal, “o segundo dique iria servir de obra de retenção à própria duna, evitando que os sedimentos entrassem no canal de navegação ou do estuário”.

Para proteger a duna reconstruída do avanço do oceano propuseram ainda “a colocação, do lado do mar, de duas barreiras, que designamos por quebra-mar, que tinham essencialmente a função de dissipar a energia das ondas”, que seria, assim, muito menor quando chegasse à restinga reabilitada, acrescenta o coordenador do estudo.

O estudo foi concluído e apresentado publicamente em Esposende a todas as entidades em 2022, agora a bola está do lado político, a equipa continua a ter “periodicamente algumas reuniões com essas entidades para discutir pequenos pormenores”, adianta Francisco Taveira Pinto, mas não lhes compete “a decisão final” e, por isso, estão “à espera que dêem o aval para eventualmente seguir para um projecto, ou não”.

Se o problema fosse resolvido, Carlos Vilas-Boas diz que a pesca em Esposende aumentava entre 60 e 70%. O presidente da Associação de Pescadores Profissionais do Concelho de Esposende acredita que o problema vai ser resolvido em breve, porque sabe “que há processos em andamento para isso acontecer, que estão a trabalhar no assunto”. Sobra a esperança que ainda não encalhou: “Espero que nos levem a bom porto, que haja mesmo uma barra em Esposende...”