Tribunal nega providência cautelar que travou destruição das Alagoas Brancas

Acção judicial do PAN tentou travar construção de zona comercial na zona húmida do Algarve rica em espécies de aves. O PAN vai recorrer e há outras acções em curso, entre elas uma queixa-crime.

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Início de obras para a construção de uma zona comercial destruiu parte das Alagoas Brancas Guillermo Vidal

As Alagoas Brancas, uma pequena zona húmida situada na cidade algarvia de Lagoa rica em biodiversidade, está em maior risco de ser destruída. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu esta semana uma sentença que recusa a providência cautelar interposta em Novembro passado pelo partido Pessoas Animais Natureza (PAN) para travar as obras iniciadas para a construção de uma zona comercial naquela zona húmida de poucos hectares.

O tribunal deu “procedência à excepção de ilegitimidade invocada pela Câmara Municipal de Lagoa e pela contra-interessada Edifícios Atlântico, S.A.”, lê-se no comunicado do PAN desta sexta-feira. Tanto a Câmara Municipal de Lagoa como a Edifícios Atlânticos S.A. invocaram que o PAN não tinha legitimidade para interpor a providência cautelar por ser um partido político.

“Essa é uma faculdade que manifestamente não assiste aos partidos políticos ao contrário do que sucede, por exemplo, e no seu específico raio de actuação, com as associações sindicais ou com as organizações não governamentais de defesa do ambiente”, lê-se na sentença do tribunal assinado pela juíza Maria Helena Paulino Costa Filipe. “Constitui a ilegitimidade processual uma excepção dilatória, a qual impede legalmente o conhecimento pelo tribunal do mérito da acção.”

O PAN tem agora a possibilidade de recorrer desta decisão nos próximos dias. “Não concordamos com esse argumento”, disse ao PÚBLICO Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN e deputada única do partido na Assembleia da República, recordando que o deferimento que o tribunal deu à providência cautelar em Novembro e a ordem da paragem imediata das obras nos terrenos das Alagoas Brancas mostraram que, na altura, o tribunal dava legitimidade à interposição feita pelo PAN. “Muito nos espanta agora a decisão, de que iremos recorrer e iremos até às últimas instâncias para defender as Alagoas Brancas.”

Centenas de espécies

A importância das Alagoas Brancas enquanto lugar de grande biodiversidade começou a estudada em 2008 pelo biólogo alemão Manfred Temme, que se apercebeu de que aquele território albergava várias espécies de aves em diferentes alturas do ano. Em 2019, um estudo da Almargem registou 114 espécies de aves associadas àquele território. Hoje, a contagem já atingiu as 140.

Entre as aves descobertas estão a íbis-preta (Plegadis falcinellus) e o caimão (Porphyrio porphyrio), o que confere ao espaço uma importância a nível nacional em termos de biodiversidade. Além disso, há ainda outros animais, como o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), com o estatuto de conservação em perigo de extinção, a rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa), que foram também identificados pelo estudo da Almargem e são alvo de protecção.

Ao fim do dia é comum avistarem-se íbis-pretos que vão passar a noite nas Alagoas Brancas Manfred Temme
Uma garça-boieira caminha no terreno das Alagoas Brancas Manfred Temme
Íbis-pretos sobrevoam as Alagoas Brancas Manfred Temme
O colhereiro-comum (Platalea leucorodia) de plumagem branca também é um visitante das Alagoas Brancas Manfred Temme
Um íbis-preto nos terrenos das Alagoas Brancas Manfred Temme
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Ao fim do dia é comum avistarem-se íbis-pretos que vão passar a noite nas Alagoas Brancas Manfred Temme

No entanto, os terrenos das Alagoas Brancas foram adquiridos pela empresa Edifícios Atlântico S.A. para serem urbanizados numa zona comercial, como possibilitava o Plano de Urbanização da Cidade de Lagoa de 2008. O projecto de arquitectura foi aprovado em 2013, sem ter sido exigida uma avaliação de impacte ambiental. Mais recentemente, a 12 de Outubro de 2020, a câmara municipal deu à empresa o alvará para o loteamento em 11 parcelas de uma área de quase 5,7 hectares.

A importância das Alagoas Brancas foi entretanto ganhando cada vez maior visibilidade, e grupos de cidadãos começaram a tentar proteger aquela zona húmida. Hoje, o grupo Salvar as Alagoas de Lagoa está activamente a trabalhar para preservar a região.

Após ter sido dado o alvará de loteamento, uma primeira providência cautelar foi interposta contra a urbanização daquela região. Mas, em 2022, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu a favor da Câmara Municipal de Lagoa, que não quer travar a urbanização do território, alegando que isso terá um custo para o município, que terá de ressarcir a empresa.

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A terraplanagem iniciada em Outubro de 2022 destruiu a vegetação em parte do terreno Guillermo Vidal

Outras vias de combate em curso

A 12 de Outubro de 2022, as máquinas entraram no terreno para fazer a terraplenagem das Alagoas Brancas, alterando completamente parte do território, como o PÚBLICO testemunhou semanas depois. As obras puseram em risco as populações locais de répteis, anfíbios e outros animais que não podiam fugir, entre as quais as espécies alvo de protecção descritas acima, o que justificou a providência cautelar interposta pelo PAN que agora foi recusada.

Apesar de o partido ir recorrer da sentença do tribunal, Inês de Sousa Real defende que seria desejável haver uma outra providência cautelar em andamento para se garantir que o património natural das Alagoas Brancas não é ameaçado.

“Tendo em conta que [na sentença] as demais questões [sobre a conservação do património natural] não foram apreciadas, não foram objecto de qualquer decisão, os pressupostos das mesmas mantêm-se e qualquer cidadão ou organização não governamental (ONG) pode interpor uma nova providência cautelar”, diz Inês de Sousa Real.

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Outras vias de combate pelas Alagoas Brancas estão entretanto em curso. “Está a decorrer uma queixa-crime por danos contra a natureza e já estão a ser chamadas testemunhas para depor”, avisa a deputada. Por outro lado, o PAN deu entrada a um projecto de resolução na AR para o Governo avaliar o nível de protecção que as Alagoas Brancas devem ter.

Para a deputada, a riqueza daquela região exige um nível de protecção que ultrapassa os poderes locais, devendo passar a ser responsabilidade do Estado. “A câmara e o Estado que promovam uma solução alternativa que não passe por destruir um património de todos, e não de uma câmara ou de uma empresa que estão a negar às gerações futuras o direito de usufruir daquele lugar”, remata a deputada.