Racista e xenófobo? “Chega é imberbe e imaturo”, responde vice do PSD
Miguel Pinto Luz não aplica os adjectivos de Luís Montenegro ao Chega e critica o PS e os media por amplificarem Ventura.
Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, acusa António Costa de ser o “fiador político” do Chega e de André Ventura e o Governo de estar “sem rei nem roque”. Pode ouvir a entrevista Hora da Verdade, uma parceria do PÚBLICO-Renascença esta quinta-feira pelas 23h.
O Presidente da República é foco de instabilidade ao falar semana sim, semana não da dissolução?
O Presidente é sempre foco de estabilidade. Quem provoca essa instabilidade não é o Presidente, é um Governo instável, inseguro, que já ultrapassou o seu prazo e que está envolto numa guerra intestina pela sucessão do actual secretário-geral do PS. O Presidente é muitas vezes instado a opinar sobre situações absolutamente inusitadas.
O critério da evolução das sondagens tem sido utilizado pelo Presidente para definir a altura em que há uma alternativa aritmética e política que leve a uma eventual dissolução. A vida do Parlamento pode ficar dependente de sondagens?
Não, já o dissemos. Compreendemos que um Presidente que, no decorrer do seu mandato, teve uma dissolução e que teve ganho de causa, uma vez que teve um resultado expressivo de clarificação, tenha alguns cuidados se o tiver que fazer segunda vez. Agora dizer que não há alternativa, não podemos concordar de forma nenhuma. Claro que há uma alternativa e em democracia há sempre alternativa e o PSD, quando está na oposição, é a alternativa óbvia e única.
O PSD nunca apresentou uma moção de censura nem votou a favor no Parlamento. Está à espera de que o Governo caia de podre?
Isso seria irresponsável. Colocar-nos-ia numa atitude quase cínica. A nossa postura é séria e construtiva. Vimos isso sobre a construção do novo aeroporto de Lisboa, na revisão constitucional, no Orçamento do Estado com mais de 200 propostas de alteração apresentadas. Temos feito oposição permanente, mas não desejamos mal ao país. Colocamos sempre o país à frente dos nossos próprios interesses.
Em que circunstância admitia apresentar uma moção de censura ao Governo?
Gostamos pouco de fazer futurologia. Nós não queremos discutir a dissolução.
Uma moção de censura a um Governo de maioria absoluta não implica a queda do Governo. É só um sinal político...
Essa avaliação será feita, mas não por antecipação.
Desde a entrevista à RTP-PÚBLICO, Marcelo Rebelo de Sousa já reviu a sua posição em relação à não-existência de uma alternativa aritmética e política?
Não sei. Longe de mim fazer análises sobre o que Marcelo Rebelo de Sousa pensa ou não pensa. O que me cabe é perceber que hoje sentimos um enorme nervosismo por parte do PS. Veja-se o discurso de Augusto Santos Silva quase a pôr as mãos por debaixo do Governo, a ânsia incessante de todos os dirigentes do PS pedirem estabilidade dos mandatos. Quem fala de dissolução é o PS, quem fala do bicho-papão do Chega é o PS. Não é o PSD.
Há uma consciência clara da podridão que reina no centro do PS fruto dessa guerra intestina. A fruta já caiu quase de podre e hoje temos uma guerra intestina. Não sabemos quem são os pedro-nunistas, os medinistas, agora o candidato Assis, a candidata Mariana ou a candidata Ana Catarina. Já são tantos que, de facto, não temos nem rei nem roque. Quase que dá a ideia de que António Costa já tem o seu destino traçado e que todos estes jovens turcos e os jovens há mais tempo têm que se definir e declarar quem vai ser o sucessor oficial de António Costa.
O país não pode estar em stand by à espera de que estes senhores e estas senhoras se entendam. Ou colocam os interesses dos portugueses à frente dos seus próprios interesses ou, de facto, não estão a servir bem quem os elegeu.
A percepção da direita, vista pelo lado do PS, é que o Presidente orquestra o jogo e manda no PSD...
O PSD tem o seu ritmo, tem uma independência total do Presidente da República, como é óbvio. Dir-me-á que há alinhamento sob a visão do país que temos. Isso é natural, mas não cabe ao Presidente da República influenciar a governação no seu dia-a-dia.
Mas, por exemplo, o Presidente da República pediu uma demarcação clara do PSD sobre o Chega e, passados dois ou três dias, o líder do PSD deu uma entrevista para falar sobre a posição do Chega...
Pediu? Não vi, não assisti, não li, não ouvi e não estou a meter a cabeça debaixo da areia. E a entrevista não foi dada por esse motivo. A entrevista foi dada na sequência de um conjunto de entrevistas e foi muito clarificadora, não só sobre esse tema.
É claro, para si, que o Presidente da República daria posse a um Governo PSD-Chega?
No seu livre arbítrio e liberdade, o Presidente tomará a decisão que entender na altura devida. O presidente do PSD já foi muito claro sobre isso. Em várias oportunidades, disse que num Governo liderado por Luís Montenegro não haverá espaço para partidos ou políticos com visões extremistas, xenófobas, racistas, populistas. Isto é mais do que óbvio.
Isso quer dizer que, por exemplo, se André Ventura e o Chega se moderarem, aí já há cabimento ao Chega para entrar num Governo do PSD?
Só quer dizer isto que Luís Montenegro disse, nem mais nem menos. Tudo o resto já estamos a especular e estamos a fazer outra coisa: não estamos a servir a democracia, porque, se repararem, aquilo que aconteceu terça-feira na Assembleia da República, tivemos um partido com 12 deputados que condicionou o debate todo na Assembleia da República, mas, pior, condicionou o debate todo nos media.
Os vossos colegas foram absorvidos por um partido de 12 deputados. Eu gostava de, 49 anos depois de termos democracia em Portugal, que ontem tivéssemos discutido naquele areópago por que é que o SNS não funciona, por que é que a escola pública hoje não garante mobilidade social. Eram esses os problemas que devíamos ter discutido. Tivemos duas horas de sessão onde estivemos só a dizer que a democracia está em causa. Mas a democracia está em causa? Onde? Por existir um partido imberbe, imaturo, que toma aquele tipo de atitudes? É por isso que a democracia está em causa? Quando 80 ou 90% dos portugueses são claramente em prol de partidos moderados e diferentes na sua forma de estar e actuar na Assembleia da República? Não percebo onde a democracia está em causa! Pode estar em causa, sim, por termos hoje um partido com maioria absoluta, que confunde maioria absoluta com poder absoluto, que confunde o exercício de uma maioria absoluta com o próprio partido, que tem uma rede clientelar e já tentacular que se alimenta e que agarra o Estado nas suas diferentes dimensões.
Para si, o Chega é um partido racista e xenófobo?
Para mim, o Chega tem demonstrado, como disse, atitudes radicais, populistas, extremistas, que não servem aquilo que Portugal precisa nem agora nem nunca. Portugal é um país moderado.
Registo que não diz que é xenófobo e racista. Portanto, não se aplica ao Chega a frase de Luís Montenegro?
Não me cabe a mim fazer essa avaliação. Se entendermos que o Chega é um partido racista e xenófobo, eu convido-as a instarem o TC a tomar uma decisão uma vez por todas. Já houve dezenas de queixas, como sabem, e o TC teve uma leitura diferente. Não me cabe a mim fazer essa leitura. Eu não sou o TC, eu sou vice-presidente de um partido que quer ser alternativa, que já é alternativa, que tem um projecto diferente, humanista, integrador, tolerante, que é a nossa imagem de marca e a nossa história. É esse legado que nós honramos. Não honramos o nosso legado estar a discutir o Chega permanentemente. Eu não quero discutir o Chega. Eu quero discutir os problemas de Portugal. Portugal está tão bem assim que possamos nós perder tempo com entrevistas públicas, com sessões na Assembleia da República, com debates televisivos sempre a discutir o Chega? Parece que a escola pública está bem, parece que a saúde está bem, parece que a Justiça está bem. Parece que a Segurança Social está bem, não está. O país está doente, os portugueses querem mais, os portugueses anseiam mais.
O nosso discurso no PSD não é contra quem votou Chega, é contra os dirigentes do Chega que têm tido estas atitudes quase em episódios infanto-juvenis que, como assistimos ontem. Agora, aos eleitores do Chega, não lhes apontamos o dedo, vêm eleitores para o Chega de todos os partidos, até do Bloco de Esquerda. Por alguma razão é. Que nós, partidos moderados do arco da governação, não estamos a ser capazes de passar a mensagem mobilizadora, transformadora da sociedade. Estamos a fazer qualquer coisa de mal. E temos que fazer essa auto-análise. Nós, partidos, e vocês, media.
Ontem, houve aquele protagonismo excessivo daquele partido com show off, com o tal episódio infanto-juvenil, mas depois não ficou por aí. Saímos do espaço da Assembleia da República e o presidente do Chega vem cá para fora e faz um comício que, se verificar, tinha meia dúzia de pessoas à frente. Faz-se do Chega um partido maior do que, de facto, é. Mas teve outra vez tempo de antena em todas as televisões, todas as rádios.
E se o PSD mais à frente precisar de criar uma maioria para governar e só tiver o Chega para onde se virar?
Deixe-me dizer uma coisa: há um fiador político do André Ventura e tem um nome: chama-se António Costa. Interessa-lhe muito manter, alimentar André Ventura. António Costa e a sua entourage: Santos Silva, que ainda hoje tornou público que vai impedir Ventura e o Chega de fazerem viagens oficiais. Continuemos nesta senda e vamos continuar a ver este espectáculo degradante na Assembleia da República que temos visto. Portanto, o dr. Santos Silva tem tido aquela atitude paternalista de colocar o Chega na ordem. Até agora, não conseguiu e, portanto, se não consegue, se calhar não é o homem certo para o cargo. O Partido Socialista quer muito manter o debate nessa discussão. Nós, não. Não vamos mais dar para esse peditório.
Na entrevista à CNN, Luís Montenegro disse que nas europeias o natural seria cada partido concorrer sozinho. Como é que vê as legislativas nessa altura? Já pode haver uma coligação pré-eleitoral, por exemplo?
Mas isso é algo que primeiro é discutido internamente nos órgãos certos e depois discutimos. É algo absolutamente extemporâneo.
Depois das europeias, o partido podia clarificar-se totalmente em relação a essa política de alianças?
Não é depois das europeias. As europeias são em 2024, as legislativas em 2026, e nós vamos definir políticas de alianças dois anos antes? Acho interessante que se peça ao PSD coisas que não se pede ao Partido Socialista. Não vejo ninguém a perguntar ao dr. Costa se pretende ou não fazer alianças com o Bloco e o PCP e quatro anos ou três anos de antecedência. Nós temos os nossos timings. Neste momento estamos muito preocupados em apresentar aos portugueses um projecto alternativo, o que temos vindo a fazer. Temos vindo a liderar a agenda nos últimos dez meses. Claramente o PSD tem liderado a agenda, por muito que queiram dizer que não.
Na mesma entrevista à CNN, Luís Montenegro disse que, se ficasse em segundo lugar nas legislativas, se demitia porque entendia que um segundo lugar em legislativas é uma derrota. Isto é uma posição que é partilhada pelos vários dirigentes do PSD?
O acto de demissão de um líder de um partido não cabe a uma direcção do partido. Cabe a um homem. Luís Montenegro mostra um enorme desprendimento que falta muito na política portuguesa. Luís Montenegro tem a ambição clara de governar o país, de ser primeiro-ministro de Portugal, mas também tem a humildade de dizer aquilo que disse.
É com enorme satisfação que vejo hoje o líder com esse desprendimento. No passado, nem sempre tivemos. É bom ter um líder que tenha clarificado, ao contrário de António Costa, que perdeu eleições e se quis agarrar com enorme vontade e a qualquer custo a partidos extremistas.
Em relação ao Partido Socialista, entende, com tudo o que se está a passar, que Pedro Nuno Santos e Fernando Medina se estão a tornar activos tóxicos para o próprio Partido Socialista?
Acima de tudo, activos tóxicos para o país. As trapalhadas, os casos, o conviver mal com a verdade, a impreparação, a ligeireza com que estes protagonistas e outros gerem a coisa pública é, no mínimo, arrepiante para qualquer português médio.
Mais de uma dezena de demissões, ministros a contradizerem, a não quererem partilhar documentos, a recusar sistematicamente a audição de governantes na Assembleia da República. Não me lembro nas maiorias absolutas de Cavaco Silva, na maioria absoluta de José Sócrates. É a primeira vez em Portugal que há constantes obstáculos a serem colocados a um escrutínio saudável.
Acredita na última explicação da ministra Mariana Vieira da Silva sobre o parecer sobre a demissão da CEO da TAP?
Claro que não! Agora é semântica? Eu pergunto o que é que estes senhores estão a fazer Não falam entre si? Não há comunicação dentro do Governo, não há coordenação? Eu não percebo, de facto, o que está a acontecer. Eu nunca vi tamanha desgovernação neste país e em Portugal.
Então e considera que isso colabora para o regular funcionamento das instituições?
Como já sinalizámos, estamos extremamente preocupados, exigimos respostas do senhor primeiro-ministro e exigimos que ponha ordem na casa, ponha ordem naquele quase-colégio, naquela escola primária, porque, de facto, temos uma enorme imaturidade no Governo. Temos uma enorme incapacidade de gerir dossiers importantes da governação de forma séria, adulta e competente. Foi para isso que foi eleito há um ano. É para isso que os portugueses votaram em si. Governe. Nós estamos cá para fazer o escrutínio da sua governação. Ora, hoje nem conseguimos fazer esse escrutínio da governação porque não há governação, não há decisões, há PowerPoints atrás de PoweePoints mal-amanhados. São propaganda pura e dura.
Gostaria ainda de explorar um bocadinho as relações actuais do PSD com o Presidente da República, porque nem sempre têm caminhado lado a lado. Qual é a relação, neste momento, com o Presidente da República? Enfim, o PSD já encaixa melhor o estilo muito próprio de Marcelo Rebelo de Sousa?
Isso não configura desconforto, mas termos opiniões diferentes. Só demonstra que existe independência entre o PSD e o Presidente. No plano pessoal, estão óptimas. Conheço o Presidente há muitos anos, somos conterrâneos, vivemos no mesmo concelho. Luís Montenegro também conhece o Presidente há anos. As relações são óptimas.
O PSD concorda sempre com as posições do PR?
Não, mas isso não configura desconforto. Configura viver bem em democracia, conviver bem com a diferença e, portanto, se o Presidente disse, a dada altura, que não via ainda uma alternativa clara no arco da democracia portuguesa, nós sinalizámos de forma clara que somos alternativa e já explicámos porquê. E acho que as sondagens têm sido cada vez mais claras de que somos, que os portugueses olham para nós como alternativa. Há dez meses consecutivos que o PSD tem vindo a consolidar-se paulatinamente. Temos eleições em 2026 e, portanto, o PSD está a fazer o seu trabalho.
Há um ano, Luís Montenegro integrou na direcção várias sensibilidades, incluindo a sua, a de Paulo Rangel. Estão sempre todos de acordo?
Não. Por isso é que somos um partido interessante e somos grandes precisamente porque nem todos partilhamos as mesmas opiniões. E, portanto, é nessa multiplicidade de formas diferentes de olhar para a sociedade que o PSD é um “catch all party”. Eu sou mais liberal nos costumes e menos liberal do ponto de vista económico. Acho que o Estado tem que ter um papel regulador forte e, portanto, sou mais social-democrata. Se quiserem, nessa dimensão, cada um de nós tem uma opinião diferente. Agora, como comungamos de um grande caldo comum que é a social-democracia à portuguesa, onde colocamos muita ênfase na dimensão humana da governação, na preocupação de estabelecer igualdade de oportunidades para todos os portugueses, não tendo aqui qualquer tipo de espartilho ou de capricho ideológico ou qualquer dogma em relação à iniciativa privada. Convivemos bem com iniciativa privada, convivemos bem com um terceiro sector fervilhante, que foi uma dádiva de Abril.
A divisão que existia dentro do partido já não existe?
Não faço ideia se existe ou não existe.
Esse acerto entre as diferentes sensibilidades é para sempre, é eterno?
Se o partido for um mar de rosas e não existir alternativa, que dizer que o partido está morto. Portanto, é bom que existem essas alternativas internas dentro do partido, que elas brotem, cresçam.
Considera-se uma alternativa? Não para já, mas no futuro?
No momento certo, candidatei-me à liderança do PSD, quando ninguém esperava. Sou muito livre. Mas também sou muito leal e convicto nas decisões que tomo. Tomei a decisão de aceitar estar nesta equipa porque senti que o partido tinha demasiadas feridas internas construídas e alimentadas ao longo de muitos anos e tínhamos que ter um momento de catarse interna, de juntar outra vez a família social-democrata.
Pedro Santana Lopes ofereceu-se para ser candidato presidencial. Teria o apoio do PSD? Não houve nenhuma reacção. Ou vão ficar à espera para saber qual é a vontade de Pedro Passos Coelho, por exemplo?
As eleições presidenciais vivem muito da vontade própria de cada um. A vontade de Santana Lopes já se conheceu. A dos outros há-de se conhecer. Não é o PSD que lança um candidato. Aguardemos para ver quais são as personalidades que manifestam vontade de serem candidatas ou sinalizam mesmo essa candidatura. E depois o PSD tomará uma decisão sobre essas candidaturas em presença.
Mas causou embaraço no PSD esta abertura de Pedro Santana Lopes?
Nenhum. Há anos que o conhecemos e é um homem que sempre mostrou muito claramente as suas ambições, as suas vontades. O PSD no tempo próprio tomará uma decisão.