Nesta casa vivem quatro petauros-do-açúcar — os animais que a Internet adora (e é fácil perceber porquê)
Cabem na palma da mão e planam durante breves segundos. Joana e Alexandre Ferreira têm uma família de quatro, que, como todas, tem os seus problemas: “Quando se chateiam, dorme cada um na sua bolsa.”
O apartamento de Joana e Alexandre Ferreira está a poucos passos de se transformar num jardim zoológico. Assim que a porta se abre, avistamos as três gatas do casal, que espreitam pelo corredor. Quando a porta se fecha, percebemos que há mais animais por perto. Prova disso é a enorme gaiola que serve de casa a quatro pequenos animais que podiam ser confundidos com esquilos, mas que, neste caso, voam.
Chamam-se petauros-do-açúcar, são oriundos da Austrália, cabem numa mão e são cada vez mais populares no TikTok, onde os vídeos que os mostram a planar entre portas, armários ou até mesmo para as mãos dos tutores somam vários milhares de likes. A popularidade, contudo, tem um lado menos doce. No Facebook, encontram-se vários grupos de venda destes animais por criadores. Em Portugal, estão numa zona cinzenta: não é ilegal criá-los nem vendê-los, destaca o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) em resposta ao P3, contudo, não quer dizer que a prática não possa — e deva — ser denunciada a este organismo ou à GNR, nos casos em que os animais apresentem sinais de abuso, como viver em gaiolas pequenas demais.
No apartamento de Joana e Alexandre, o relógio marca as 19h10, mas para os petauros-do-açúcar o dia está apenas a começar. Os marsupiais começam a sair das bolsas. “Quando se chateiam, dorme cada um na sua bolsa”, começa por dizer a engenheira civil enquanto pega num deles. Hoje não foi o caso.
Mommy, que como o nome deixa adivinhar, é a mãe, foi o primeiro petauro que tiveram e o único que foi comprado. Em 2016, Joana e o marido tinham começado a viver juntos e procuravam um animal de companhia que não fosse muito grande. Os petauros surgiram nas pesquisas e até lhes despertaram o interesse, mas só quando passaram numa loja de pássaros e viram Mommy num aquário, sem espaço para trepar e com apenas uma maçã e alguns cereais para comer, é que decidiram levá-la para casa.
“Fiquei chocada com aquilo. Perguntei o preço e o senhor ficou admirado por querermos levá-la. Disse que eram 120 euros, mas podia ficar por 60”, recorda Joana.
Só depois começaram a investigar a sério sobre esta espécie. Perceberam que, afinal, a gaiola que o vendedor disse ser a mais adequada era pequena demais — é um animal pequeno, mas precisa de bastante espaço para planar. E também iam ter de lhe arranjar uma companhia, sob pena de Mommy entrar em depressão, automutilar-se ou até mesmo morrer devido à solidão. Por isso, o médico e a engenheira decidiram adoptar rapidamente outro petauro, neste caso um macho, que, para não destoar, recebeu o nome de Pai.
A família foi crescendo e com meses de diferença nasciam as crias Gordinha, depois as gémeas Pumpkin e Zucchini. Nasceu ainda um outro petauro macho, que deram para adopção. Queriam evitar ao máximo o acasalamento entre animais com o mesmo ADN, o que pode resultar em deficiência e sofrimento para esta espécie.
Foi o que aconteceu com Narval, um dos três petauros de Sarah Ramos. Segundo a auxiliar veterinária e fundadora do Projecto Risca, que resgata animais exóticos, esta fêmea nasceu do cruzamento entre irmãos e ficou com problemas neurológicos que a impedem de planar, andar muito tempo sem cair ou procurar alimento. Assim que o criador se apercebeu da deficiência, colocou-a para adopção.
Sarah ficou com ela — e depois com Nero e Naruto, ambos vistos como estorvos para os anteriores donos. Os machos estão para adopção, mas Narval não: precisa de cuidados especiais que ninguém quer ter. A incapacidade obriga-a a manter-se afastada dos outros dois petauros, que, por instinto de sobrevivência, a podem matar.
Interesse faz aumentar vendas online
Segundo a médica veterinária Luísa Guardão, especialista em animais exóticos, o interesse nos petauros-do-açúcar tem crescido nos últimos anos e os donos são cada vez mais conscientes das necessidades destes mamíferos. No entanto, o facto de o tempo de gestação ser de apenas 17 dias e de se reproduzirem com facilidade faz com que sejam vistos como um negócio rentável. É o que se encontra nos grupos de Facebook dedicados a estes animais: em dois grupos privados, há uma mensagem que alerta que é proibido publicar a venda, porém, o que se verifica é o contrário.
O P3 entrou num desses grupos e notou que o modus operandi é quase sempre o mesmo. O criador publica fotografias ou vídeos dos animais, muitas das vezes sem qualquer legenda, e espera pelos comentários com perguntas sobre o preço, sexo e, inclusive, se enviam para o estrangeiro. O valor só é enviado por mensagem privada. Em resposta, um dos criadores disse ter um petauro macho com três anos que custava 125 euros. O pagamento podia ser feito por dinheiro ou transferência bancária, mas tinha de se assegurar um "sinal" de dez euros.
Como estes marsupiais não são nomeados na Convenção de Washington, que regula o comércio de animais e plantas para evitar a extinção, a venda não é ilegal. No entanto, devem estar registados junto do Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC) e ter microchip, caso contrário, os tutores arriscam-se a ter de pagar multas.
Contudo, e segundo dados enviados ao P3, apenas 12 petauros estão registados no SIAC.
“Todo o criador de animais de companhia — e os petauros são animais de companhia — tem de estar registado. Mas o que é facto é que quando se procede ao registo é sobretudo para cães e gatos”, explica Alexandra Pereira, directora do departamento de bem-estar animal do ICNF, acrescentando que o departamento pediu uma revisão da lei e que o parecer deverá chegar “dentro de dias”.
Cada petauro é diferente — mesmo que pareçam iguais
Mommy, de Joana e Alexandre, e as três filhas não se importam que os tutores lhes mexam. Só eles sabem quem é quem — ao olho destreinado, a verdade é que parecem todas iguais. O pêlo é cinzento claro, têm uma risca mais escura no topo da cabeça e têm todas o mesmo tamanho — o tamanho da palma de uma mão. Segundo o casal, é na forma da cabeça e principalmente no comportamento que se vêm as diferenças. Mommy “é a menos social”, Gordinha e Pumpkin são as mais preguiçosas e Zucchini gosta muito de Joana ao ponto de lhe trepar pelo braços e pernas.
Segundos depois de ser novamente pousado no chão da sala, o animal corre rapidamente para junto da gaiola como que a pedir para voltar a entrar. “Eles adoram estar na gaiola, sabem que ali é a casa”, destaca Joana. “Ai, mordeu-me. Já está farta, coitadinha.”
Luísa Guardão defende que a interacção com os donos é a base para a qualidade de vida destes animais. E mesmo estando em cativeiro, recomenda que se repliquem situações que encontrariam na natureza, como distribuir locais de alimentação pelos diferentes patamares da gaiola e ter várias hipóteses de fuga. “Temos de apostar em meios de enriquecimento: simular as árvores com ramos e folhas naturais para não estarem só ali confinados e fazerem alguma coisa”, adianta a veterinária.
Alexandre e Joana bem tentam que os petauros planem, mas sem sucesso. Dos quatro, Gordinha é mais teimosa e nem sequer gosta de saltar entre as lianas. Além disso, é também a mais comilona: ao contrário da mãe e das irmãs, que comem durante uns minutos e vão brincar, não arreda pé da gaiola enquanto ainda existirem vestígios de alimentos.
O nome já o deixa adivinhar, têm o chamado paladar infantil: adoram doces. “A base da alimentação deles é a papa como a que está nestes cubos e que vou congelando. Leva maçã cozida, peito de frango, um ovo, iogurte natural sem açúcar, sumo de uma laranja, óleo de linhaça, azeite, multivitamínico de répteis, aveia e duas medidas de copos de fruta e duas de vegetais que vamos variando” explica a engenheira.
Segundo Luísa Guardão, os petauros-do-açúcar podem viver até dez anos em cativeiro se forem bem cuidados, contudo, “são sensíveis” e precisam de mais cuidados do que um cão ou gato. “As fêmeas pesam entre 60 e 80 gramas e temos de ter muita atenção à proporção dos alimentos que damos. No fundo, o que eu peço para todas as espécies é que o tutor seja um verdadeiro biólogo no que diz respeito à alimentação, porque a obesidade é um problema nos exóticos”, alerta.
O casal não está arrependido de ter comprado Mommy na loja de animais, nem de ter mais três petauros para lhe fazerem companhia, no entanto, assumem que são animais que requerem um investimento de tempo e dinheiro. Por isso, não os recomendam como animais de estimação: “Se forem bem tratados duram muito tempo e uma pessoa que os compre aos 20 se calhar aos 30 não tem a mesma vontade de os ter”, afirma Alexandre. Mas, por enquanto, o dia-a-dia do casal é vivido ao ritmo que ditam os petauros: pouco tempo depois de acordarem, os pequenos animais vão fazer outra sesta até ao jantar ser servido.