Agro-alimentar liderou investimento em inovação dos sectores tradicionais
Empresas do sector investiram quase 610 milhões de euros em projectos de I&D e em inovação empresarial no quadro do Programa Portugal 2020.
Sempre que quer perceber as tendências do futuro, o economista José Félix Ribeiro passa os olhos pela lista de empresas cotadas no Nasdaq. Procurando o que pode estar para acontecer no sector agro-alimentar, encontrou empresas que o surpreenderam. Umas dedicam-se a produzir proteínas alternativas, outras à gestão de comida “difícil”, à robótica ou à “impressão em 3D de comida”.
Félix Ribeiro esteve esta quinta-feira a desenhar as “tendências” do sector nacional da agricultura e da indústria alimentar, no âmbito do programa Fora da Caixa, que o PÚBLICO produziu em parceria com a Caixa Geral de Depósitos, e certamente não encontrou startups com este nível de inovação entre nós. Mas notou que, entre os clusters de exportação ditos tradicionais (têxtil ou calçado, entre outras), o agro-alimentar foi o sector que mais investiu em projectos de investigação e desenvolvimento (I&D) e em projectos de inovação empresarial no quadro dos apoios comunitários inscritos no Portugal 2020 (PT 2020).
Foram, ao todo, 90,9 milhões de euros em I&D e 518,7 milhões em inovação empresarial, notou o economista. Este investimento na modernização não esconde os problemas estruturais que afectam o sector, entre os quais pesa a crise climática. Mas ajudam a perceber o crescimento no volume de exportações nos últimos anos, que ultrapassaram em muito os sete mil milhões de euros em 2022, mais 20% do que no ano anterior.
Num debate em que participaram João Basto, da Sovena, Manuel Nobre Gonçalves, da Sugal, Pedro Queiroz, da FIPA, a federação das indústrias da alimentação, e Francisco Cary, administrador da Caixa e responsável pelo acompanhamento do sector, falou-se da necessidade de as empresas apostarem na tecnologia, não apenas no processo industrial, mas também na produção agrícola. Não é esse, porém, o principal problema que detectaram.
João Basto falou da dimensão das empresas. Manuel Nobre Gonçalves dos entraves na organização da produção. Pedro Queiroz reconhece estes problemas, mas fala de oportunidades como a da “flexibilidade” da indústria em “dar respostas rápidas aos nossos clientes”. Já Francisco Cary deu conta dos progressos na “profissionalização da gestão” para situar o sector numa fase de consolidação do seu crescimento.
Paulo Macedo, CEO da Caixa, tinha notado que, em termos gerais, a economia portuguesa precisa de dar muitos saltos em frente para acabar com a sensação de que “normalizámos o fracasso” dos últimos anos. “Tivemos um crescimento basicamente anémico e, por isso, temos de nos interpelar”, notou. Na sua opinião, o país, e em especial as empresas, tem de vencer problemas de governance que influenciam a cultura empresarial, na área da gestão, na transição digital e na captação e incentivo ao talento.
Citando um princípio geral, respondeu a um problema estrutural do agro-negócio português: são precisas mais empresas grandes. Para o confirmar, recordou que apenas 1% das empresas nacionais é considerado “grande”, mas, ainda assim, respondem por 40% do emprego, 48% dos salários, 62% das exportações ou 71% dos impostos.
Para o sector, as oportunidades da conjuntura são muitas, notou Félix Ribeiro. A produção agrícola, de acordo com a FAO (a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), tem de crescer 70% para acudir ao aumento da população até 2050. E, no caso especial de Portugal, o desempenho do sector é fundamental para superar o défice da balança agro-alimentar que, de acordo com Bruno Dimas, do Gabinete de Prospectiva e Planeamento do Ministério da Agricultura, bateu um novo recorde em 2022, acima dos cinco mil milhões de euros.
O Fora da Caixa decorreu em Santarém e encerrou com uma conversa com o historiador e director do Panteão Nacional, Santiago Macias, e um breve concerto de Pedro Abrunhosa.