A Narrativa faz um ano e agora quer sair país fora

Um fim-de-semana carregado de iniciativas, Ciclo 2023, assinala primeiro aniversário da Narrativa, espaço lisboeta dedicado à fotografia contemporânea. A aposta em nomes emergentes é para continuar.

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O espaço da Narrativa está instalado no Areeiro, em Lisboa, e foi inaugurado no dia 25 de Abril de 2022 Narrativa

O que se passou ao longo do último ano na Narrativa, espaço lisboeta dedicado à fotografia contemporânea, fez pensar Mário Cruz. O alcance das várias iniciativas ali promovidas “ultrapassou muito” as expectativas que tinha criado, quando há um ano se instalou numa loja com rés-do-chão e cave no bairro das Estacas, em Alvalade, Lisboa. Hoje, perante o rápido sucesso em termos de visitantes e quando a Narrativa comemora o primeiro aniversário com o Ciclo 2023, já pensa em alargar horizontes. E isso passa por tentar encontrar um novo espaço — maior —, mas sobretudo por levar as iniciativas da Narrativa para fora de Lisboa.

“Gostava de ver a Narrativa a fazer oficinas noutros locais, a fazer exposições noutros pontos do país; a conseguir encontrar novos autores que não vivam em Lisboa, no Porto ou nas grandes cidades”, diz o repórter, que abandonou no ano passado a Agência Lusa, onde trabalhou durante 16 anos. O que mais tem surpreendido Mário Cruz não são as enchentes nos dias das inaugurações (segundo o próprio, já chegaram a receber cerca de 400 pessoas numa colectiva), o que seria expectável, mas a grande dinâmica que se criou no dia-a-dia daquele espaço, uma afluência contínua também potenciada pelas “três ou quatro” iniciativas extra-exposições que vão acontecendo ao longo dos meses. “A procura não se ficou pelos acontecimentos pontuais; sinto que A Narrativa acabou por se tornar um ponto de encontro do panorama fotográfico lisboeta, não só para entusiastas da fotografia, mas também para os autores — tem sido muito interessante ver esse fluxo.”

À boleia do primeiro aniversário (25 de Abril), a Narrativa propõe o Ciclo 2023, um fim-de-semana carregado de iniciativas, que começa esta sexta-feira às 19h00 com a inauguração da exposição Permissions, da fotógrafa inglesa Emma Hardy. Feita a partir de uma selecção de imagens pessoais de Hardy, que deu origem a um livro com o mesmo nome, este trabalho propõe uma reflexão sobre “a ternura da maternidade e da infância, mas também o amor e o anseio de sair de casa”. Na sequenciação do livro, as imagens do círculo familiar mais próximo de Hardy (os três filhos, a mãe... fotografados ao longo dos últimos 20 anos) são intercaladas com imagens de flores, um exercício equilibrista semelhante ao que a fotógrafa inglesa foi praticando ao longo dos últimos anos, nos quais teve que compatibilizar a carreira e afazeres profissionais com a educação dos filhos, a vida em família.

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Fotografias de Permissions, de Emma Hardy, em exposição na galeria da Narrativa Narrativa

Para além da exposição com a sua assinatura, Emma Hardy — que tem um percurso sobretudo ligado à moda e ao retrato — participará numa leitura de portfólios (sábado, entre as 10h e as 13h), fará uma conferência e apresentará Permissions (entre as 15h e as 16h30). E no domingo dará uma talk (entre as 10h e as 13h), apenas para dez participantes (inscrições já esgotadas). Na leitura de portfólios participarão ainda Mário Cruz e a curadora e editora russa Katya Bogachevskaya (directora da Academy of Documental and Art Photography Fotografika e fundadora da Fotografika Publishing). À noite (às 21h), será projectado o documentário Garry Winogrand, All Things Are Photographable (2018), de Sasha Waters Freyer, sobre a extensa e marcante obra de Garry Winogrand (1928-1984).

O domingo será exclusivamente dedicado ao livro de fotografia, com a apresentação de Through the Eyes of the Leopard, de Rui Bernardino (às 15h), um debate sobre fotolivros (entre as 16h30 e as 17h30), com Fábio Miguel Roque (fotógrafo e editor), Rui Ribeiral (editor, curador de fotografia e director da livraria Photo Book Corner), João Miguel Baptista (programador cultural, fotógrafo e um dos fundadores da Feira do Livro de Fotografia de Lisboa). A fechar o dia, Maria Oliveira (fotógrafa) falará sobre a concretização de Guardar o fogo para dias de pouca luz (Scopio Editions, 2019) e sobre Osso Espuma, um trabalho em curso, que dará origem a um novo livro.

Mais nomes, novos nomes

Nomes como o de Maria Oliveira (que expõe desde 2011 e que ganha, passo a passo, tracção nacional e internacional) ou o de Rui Bernardino, que edita agora o seu primeiro fotolivro, são exemplos de um desígnio que esteve na matriz da Narrativa: contribuir para a afirmação de nomes que estão no início da carreira; dar visibilidade a novos protagonistas no panorama da fotografia portuguesa. Ao longo do último ano, foram mostrados 13 novos autores, individual ou colectivamente.

E este gesto é para continuar: “Temos, felizmente, muitas galerias em Lisboa a mostrar fotografia, mas diria que estão muito focadas apenas num campo fotográfico ou em nomes estabelecidos. Não são espaços com as portas abertas para nomes emergentes — creio que A Narrativa veio dar uma resposta a esse vazio. Não nos interessa mostrar apenas nomes reconhecidos — tivemo-los no último ano —, mas ser um espaço-montra para novos nomes da fotografia que se faz em Portugal.”

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À boleia do primeiro aniversário, a Narrativa propõe o Ciclo 2023, um fim-de-semana carregado de iniciativas Narrativa

Neste campo, outra das promessas que ficam para o próximo ano é a da inaugurar A Narrativa como chancela editorial. Nem que seja editar “pelo menos um livro por ano” de um novo autor. “Valorizamos muito o livro de fotografia; é um momento marcante na vida de um autor. Gostaríamos de começar uma colecção de fotolivros de novos autores, que é uma coisa que também não existe em Portugal. O que existe são colecções para celebrar quem já fez muito.”

Para Mário Cruz, no último ano a Narrativa transformou-se também “num ponto privilegiado para sentir o pulso da produção fotográfica nacional”. Porque há muitos que procuram ali apoio para questões práticas, como a organização de uma exposição ou a maquetagem de um livro, mas também aconselhamento ou opinião. “Creio que a fotografia portuguesa está saudável, mas não tem o apoio que deveria ter.” Em todo o caso, e apesar de ser um caminho muitas vezes solitário, o repórter elogia o que tem visto ultimamente: “Em Portugal há cada vez mais novos fotógrafos a começar muito bem”.

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