Jerry Springer (1944-2023): o apresentador do “entretenimento escapista”
Segundo a família, Springer morreu “pacificamente” na sua casa em Chicago, esta quinta-feira. Tinha 79 anos.
Durante quase 30 anos, entre 1991 e 2018, Jerry Springer apresentou o Jerry Springer Show, um talk show em que não era raro ver insultos e outros impropérios e pessoas a chegarem a vias de facto. Às vezes era o próprio apresentador o autor dos insultos. É esse o legado de Springer, que morreu esta quinta-feira, aos 79 anos, na sua casa em Chicago. A notícia foi confirmada ao The New York Times, que escreve que Springer, que também foi conselheiro de campanha de Robert F. Kennedy em 1968, advogado e mayor de Cincinnati, no Ohio, morreu após uma "doença breve".
Jene Galvin, porta-voz da família de Springer e produtor executivo do Jerry Springer Podcast, que o apresentador teve nos últimos anos de vida, é citado num comunicado no site oficial do apresentador a falar do amigo de longa data como alguém "insubstituível". "A habilidade de Jerry de ligar às pessoas estava no centro do seu sucesso em tudo o que ele tentou, fosse a política, a radiodifusão ou só brincar com as pessoas que queriam uma fotografia ou uma palavra na rua", lê-se. A "sua perda" dói "imensamente", "mas as memórias do intelecto, coração e humor dele continuarão a viver".
O programa de Springer, que registou quase cinco mil episódios e no início era mais sério e político, queria sempre ser polémico, sobretudo a partir de 1994. Incluía um público bastante estridente, e encorajava as pessoas a irem tratar das suas frustrações da vida real. Recebeu convidados de todo o tipo: supremacistas brancos, adúlteros, famílias destruídas, pessoas transgénero – nem sempre tratadas, admitiu e arrependeu-se o próprio apresentador mais tarde, da melhor maneira –, homossexuais, trabalhadoras do sexo e tudo o que mais pudesse ser escandaloso para o público da televisão diurna. Foi um fenómeno internacional. Era o tipo de programa que podia ter membros do Ku Klux Klan a serem espancados pelo público, alguém que tinha cortado o próprio pénis ou um homem que tinha casado com um cavalo.
The Jerry Springer Show era, nas palavras do próprio anfitrião, "entretenimento escapista". Tornou-se central na televisão norte-americana, tendo chegado a ultrapassar em audiências o Oprah Winfrey Show, concorrente que também dominava a televisão americana a partir de Chicago, no Illinois. As duas lendas da televisão tinham, no mínimo, uma abordagem diametralmente oposta à forma de trabalhar o pequeno ecrã. O programa não era, nem pretendia ser, unânime, procurando o choque, ainda que cada episódio acabasse com Springer a dizer ao público que tomasse conta deles próprios e dos outros. Foi considerado pela TV Guide, em 2002, o pior programa de televisão de sempre. Em 2015, Springer começou o já mencionado podcast e entre 2019 e 2022 apresentou na NBC o programa Judge Jerry.
A busca por conteúdo devasso levava a que muitas pessoas exagerassem quando lá iam, isto apesar de a produção avisar que podiam ser multadas se fossem apanhadas a mentir. Em 1999, por exemplo, um grupo de punks de San Diego, que incluía Justin Pearson, baixista e vocalista da lendária banda de grindcore/power violence The Locust, enganou o programa com um quadrado amoroso bissexual ficcional. Houve lutas e semi-nudez. Não foram os únicos punks a passarem por lá: o infame GG Allin, que morreu em 1993 se tornou célebre por atirar a própria matéria fecal ao público, também apareceu num episódio, o ideal platónico de convidado daquilo que o programa viria a tornar-se.
Gerald "Jerry" Norm Springer nasceu a 13 de Fevereiro de 1944, numa estação de metro em Londres, que estava a ser usada como abrigo durante a Segunda Guerra Mundial. Os pais, judeus alemães, tinham fugido para Inglaterra durante o Holocausto, tendo deixado para trás a avó materna, que acabou por morrer num campo de concentração. Com cinco anos, Jerry e a família mudaram-se para Queens, Nova Iorque, onde Springer acabou por crescer. O apresentador estudou Ciência Política na Universidade de Tulane, no Louisiana. Foi nessa altura que se iniciou na rádio, prática que foi mantendo. Licenciou-se depois em Direito na Universidade do Noroeste, no Illinois. Entre 1973 e 1994 foi casado com Micki Velton, com quem teve uma filha, Katie Springer.