Neste mês de Abril de 2023, calores mil. Esta quinta-feira, a estação meteorológica de Mora, no Alentejo, assinalou um novo valor máximo absoluto de temperatura do ar para o mês em Portugal continental: 36,9 graus Celsius. Este novo registo vem quebrar um recorde com 78 anos: até agora, a temperatura máxima absoluta para este período era de 36 graus, tendo sido verificada em Pinhão, em Alijó, no dia 20 de Abril de 1945.
“Como já são 18h, e também não acreditamos que a temperatura possa subir mais, podemos avançar que este novo valor é o máximo absoluto, para o mês de Abril, das séries de dados do continente”, avançou ao PÚBLICO Ricardo Deus, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). O valor máximo extremo registado em 1945 também foi destronado, esta quinta-feira, pelas estações de Amareleja (36,7 graus Celsius), Neves Corvo (36,5 graus), Alcácer do Sal (36,3 graus), Alvalade/Sado (36,2 graus) e Portel (36,1 graus).
Ricardo Deus recorda que os dados do IPMA já apontavam para a probabilidade de recordes de temperatura no Alentejo – e não só. “As previsões apontavam para que este período de temperatura muito elevada, que está a configurar uma onda de calor, tivesse como a zona mais preocupante a zona do Alentejo, da Lezíria do Ribatejo e da Beira interior. Estas regiões eram aquelas em que estávamos a prever que pudessem atingir valores muito elevados de temperatura do ar – e foi isso exactamente que aconteceu”, refere o cientista.
Além das regiões que estavam no “radar” do IPMA, houve um novo dado que constituiu uma surpresa para os meteorologistas: o Nordeste trasmontano. “Nós não tínhamos na nossa previsão, nem esperávamos que pudesse atingir valores tão elevados. Mas o que é facto é que também nessa região [Nordeste transmontano] se registaram valores de temperatura bastante elevados e até se bateram também alguns recordes de temperatura. Nós ainda estamos a ultimar os dados, mas cerca de 50% das estações da nossa rede bateram recordes neste mês de Abril. Portanto, além de Mora, estamos a falar de mais de metade da nossa rede na qual foram batidos recordes de temperatura”, adianta Ricardo Deus.
A culpa é da crise climática?
Os seres humanos tendem a desenvolver uma relação de familiaridade com os sinais meteorológicos de cada mês ou estação do ano. A expectativa de chuvas em Abril ou de temperaturas agradáveis, moderadas, durante a Primavera são exemplo disso. Agora, em tempos de crise climática, muitos se questionam se um novo recorde de temperatura constitui ou não uma prova cabal da mudança do clima.
“É um dado adquirido que estamos a viver um contexto de alterações climáticas – não só em Portugal, mas no mundo. O clima do nosso planeta está a mudar e está a ter configurações de variabilidade de alguns parâmetros que não eram usuais. E, portanto, assumimos que esta é uma mudança”, afirma Ricardo Deus.
A ocorrência de valores muito elevados de temperatura do ar em determinadas regiões, incluindo Portugal, pode começar a repetir-se com mais frequência e intensidade. “O território continental do nosso país integra a bacia mediterrânea, que constitui uma zona muito sensível para estas questões da mudança do clima. É normal que estes valores possam ser batidos com alguma frequência”, refere o cientista.
Ricardo Deus recorda ainda que, em 2017, Portugal testemunhou uma onda de calor precisamente no mês de Abril. “Era muito mais extensa, espacial e temporalmente. Foram 20 dias de calor em 2017, ou seja, seis anos voltou a acontecer um episódio com valores muito elevados nesta altura do ano. O que eu quero dizer é que estes indicadores da mudança climática, em que são atingidos extremos com alguma frequência, consecutivamente, e em algumas regiões do território em que não era normal, configuram precisamente esse contexto de alterações climáticas”, lembra o meteorologista.
O ar quente que veio de África
O calor incomum para o mês de Abril não foi exactamente uma surpresa. O IPMA já havia previsto que a quinta-feira seria o dia mais quente da semana, estando o calor atípico associado a um fenómeno natural, no contexto da dinâmica atmosférica, que muitas vezes está na origem de ondas de calor: as massas de ar.
Uma massa de ar quente, “com origem no Norte de África, e transportada na circulação de um anticiclone localizado junto à Península Ibérica”, mais precisamente entre o arquipélago da Madeira e o continente, é a explicação para este calor de Verão em plena Primavera. Este fenómeno está influenciar a meteorologia em grande parte da Península Ibérica, favorecendo a ocorrência de novos recordes de temperatura máxima e de uma terceira onda de calor de Abril em Portugal continental.
“Quando há quebra de recordes de temperatura, geralmente temos [uma massa de] ar com origem no Norte de África – e não no interior da Península [Ibérica]. Isto de vez em quando acontece, não há aqui nada de novo. O facto de este Abril estar a ser um mês relativamente seco também acontece – mas atenção que choveu na semana passada, sexta-feira, em Lisboa, mas também foi praticamente a única chuva de um mês inteiro”, refere Nuno Lopes, igualmente meteorologista do IPMA.
No dia 26 de Abril, já haviam sido quebrados recordes em algumas estações. “Foram ultrapassados valores de temperatura máxima absolutos para o mês de Abril em algumas estações automáticas do IPMA, estando a maioria localizadas na região do Alentejo. Destacam-se, entre outras, as estações de Neves-Corvo (35,4°C), Alvalade (35,2°C), Alcácer do Sal (35,0°C), Mértola (34,9°C), Amareleja (34,4°C) e Évora (33,3°C)”, refere um comunicado do instituto divulgado quinta-feira. Desses recordes quebrados na quarta-feira, 11 voltaram a ser batidos no dia seguinte.
A partir de sexta-feira, o calor tende a abrandar. “Nos dias 28 e 29 de Abril espera-se uma descida da temperatura máxima em todo o território e que será mais significativa no litoral norte e centro, mantendo-se ainda valores entre 28 e 32 graus Celsius em muitos locais da região sul”, refere um comunicado do IPMA.
Para os próximos meses, no que toca à temperatura média mensal do ar, o IPMA prevê “anomalia positiva sobre todo o território de Portugal continental, para os meses de Maio (0,25 a 1,0 graus Celsius), Junho e Julho (0,5 a 1,0 graus Celsius)”, ou seja, são esperadas temperaturas acima da média.