Julgamento de Mamadou Ba adiado devido à greve dos funcionários judiciais
O início do julgamento de Mamadou Ba estava marcado para esta quarta-feira. O activista anti-racismo responde por difamação e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi Mário Machado.
O início do julgamento de Mamadou Ba estava marcado para esta quarta-feira, mas acabou por ser adiado devido à greve dos funcionários judiciais. A greve, convocada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), começou esta quarta-feira e tem a previsão de duração de 10 dias, ou seja, até cinco de Maio.
À porta do Juízo Local Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa, estavam cerca de 30 apoiantes de Mamadou Ba. Alguns com t-shirts com frases de apoio ao activista anti-racismo. "Acusam um, respondemos todes. Solidariedade com Mamadou Ba!", lê-se. Também tinham cartazes, mas não foram exibidos. Foram guardados depois de agentes da PSP, que estavam a fazer segurança à porta do tribunal, terem explicado que esta manifestação de apoio a Mamadou Ba tinha de ser previamente comunicada. A manifestação de apoio fez-se assim em silêncio e de forma ordeira.
Mamadou Ba chegou já perto das 14 horas e foi cumprimentando os presentes. Não quis prestar declarações aos jornalistas e remeteu para a sua advogada Isabel Duarte que começou por dizer que "este processo tem algumas características estranhas".
"Na verdade, a frase pela qual vamos ser julgados aqui tem todo apoio da decisão de vários tribunais que julgaram Alcino Monteiro", afirmou, sublinhando que a sua expectativa é de que Mamadou Ba será absolvido. "Seja aqui, seja no tribunal Europeu", acrescentou.
Isabel Duarte fez ainda algumas considerações sobre do despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre que considerou que tinha razões suficientes para remeter o activista anti-racismo para julgamento. "O despacho de instrução foi ditado em menos de 24 horas. É difícil alguém perceber exactamente o que se passa assim. Um advogado ainda tem desculpa, mas um juiz não...", afirmou, sustentando que "o juiz não ponderou uma série de elementos que existiam no processo".
Para a advogada "existe um erro de apreciação, uma errada visão das questões que existem no processo e da maneira como a frase foi ditada e o seu enquadramento".
O activista anti-racismo responde por difamação, publicidade e calúnia, num processo colocado pelo militante neonazi Mário Machado.
Em causa está o facto de Mamadou Ba ter dito que o neonazi Mário Machado foi “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995.
Alcindo Monteiro foi espancado até à morte na Rua Garrett, em Lisboa, numa noite em que os skinheads tinham saído à rua para comemorar o 10 de Junho, para eles o "Dia da Raça", perseguindo e atacando pessoas de origem africana.
Apesar de Mário Machado ter sido um deles, quando ocorreu o homicídio estava no Bairro Alto, onde, juntamente com outros cabeças-rapadas munidos de soqueiras, garrafas partidas e botas de biqueira de aço, protagonizou actos de violência também contra vários cidadãos negros.
A justiça condenou-o a dois anos e meio de cadeia por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, tendo ficado provado que bateu na cabeça de uma das vítimas, espancada até perder os sentidos, com "um pau semelhante a um taco de baseball". Porém, não fez parte do grupo de 11 cabeças-rapadas sentenciados pelo homicídio.
Mamadou Ba escreveu nas redes sociais que o neonazi era uma “das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro” e Mário Machado apresentou uma queixa-crime contra o activista.
Esta não é a primeira acusação de difamação de que o activista é alvo. No despacho de pronúncia em que desafia Mamadou Ba a apresentar dados novos sobre o assassinato que comprovem o que afirmou, o juiz de instrução formula algumas perguntas: “Pode uma pessoa carregar um anátema toda a vida imputando-se-lhe a participação num homicídio (…) objecto de aturado julgamento e com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde é absolvido desse concreto crime, mas condenado por outro? E chamar a isso liberdade de expressão?”
Entre as testemunhas de defesa, está, além da ex-ministra da Justiça Francisca Van Dunem, que já testemunhou por escrito, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a diplomata Ana Gomes e o ex-líder do BE Francisco Louçã, além do líder do Livre, Rui Tavares, do ex-deputado Miguel Vale de Almeida e dos jornalistas Diana Andringa, Daniel Oliveira e Paulo Pena.
O início do julgamento está agora marcado para três de Maio e segundo a advogada Isabel Duarte, se não for novamente adiado por causa da greve dos oficiais de Justiça que se deverá manter, Mamadou Ba deverá falar. Caso a sessão de três de Maio não se realize já está indicado na agenda o dia 10 de Maio.