“Deixai a esperança, vós que entrais.” Quem já leu a Divina Comédia, de Dante Alighieri, saberá o contexto histórico e poético da citação. A frase está também na República dos Fantasmas, em Coimbra, no pórtico da entrada para a sala de estar. O contexto é diferente, não estando associado à entrada do Inferno dantesco, mas a tudo o que envolve as tradições académicas, assim como uma forma de resistência ao regime, durante o Estado Novo.
Se, em Portugal, se fala de crise habitacional, procurando-se uma forma de reduzir o impacto da subida dos preços para adquirir habitação de forma digna — estando, no cerne da questão, a falta de oferta residencial aos estudantes — em Coimbra, a prioridade é dar apoios aos promotores dos Coldplay, relegando, para segundo plano, duas das casas estudantis mais importantes de Coimbra: a República dos Fantasmas e a Real República Rapó-Taxo.
Numa altura em que o preço médio de um quarto em Coimbra não é menor do que 300 euros, sem despesas incluídas, nas Repúblicas, o preço é substancialmente mais baixo (200 euros, na República dos Fantasmas), englobando alimentação, todas as despesas e uma série de actividades culturais. As mesmas repúblicas que hoje estão em risco foram a casa de pessoas como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, entre outros.
E ao falarmos de Repúblicas, não falámos do caso específico da República dos Fantasmas e da Real República Rapó-Taxo (com a obrigação de, em três meses, ter de adquirir a casa, num investimento de 450 mil euros, sob pena de serem postos na “rua”). Falamos das 23 casas estudantis de Coimbra, que permitem uma habitação acessível a mais de 200 estudantes, assim como alimentação a preços mais baixos que a própria Universidade de Coimbra, para outras centenas.
Todos os estudantes de Coimbra podem orgulhar-se de ver, entrar, conhecer ou jantar numa República. Todos se rejubilam, até o departamento turístico da Câmara de Coimbra, que promove a história de intervenção e de luta das Repúblicas de Coimbra, únicas no país.
O problema põe-se, contudo, na falta de apoio da mesma câmara que nos declarou património cultural, acusando “falta de enquadramento legal” e, de um certo modo, falta de vontade política.
Houve alturas em que, se em dificuldades, os estudantes apelavam aos "repúblicos" por comida, que nunca foi negada. Existe a cultura de ajudar, oferecendo almoços e jantares a todos os interessados, assim como um sofá, uma almofada e um cobertor, se for preciso, para descansar a cabeça. Actualmente, as próprias Repúblicas estão em dificuldade e, aos que outrora ajudou, pede agora ajuda.
Os estudantes nunca pediram “dinheiro de mão beijada”, tendo demonstrado, anualmente, a sua importância na manutenção das tradições académicas que são, na maioria, a principal atracção turística de Coimbra. Sem os estudantes, Coimbra não passa de uma cidade mal-organizada, sem jardins, com péssimos transportes públicos e o belo Mondego. São os estudantes a vivalma da cidade, o seu espírito e a sua continuidade. O comércio vive dos estudantes, a população vive dos estudantes. Em síntese, Coimbra são os estudantes. E as Repúblicas são as casas dos estudantes.
Continuando esta tendência de obscurecer as Repúblicas, o significado da esperança será, ao invés de um lugar onde todos são respeitados, onde não existem preceitos sociais, ou premissas económicas, mas o amor a uma causa que é a Academia, uma esperança frustrada de salvar as casas mais importantes do país onde memórias, alegrias, confissões e histórias se perfizeram e se fazem, diariamente, e onde foram formados alguns dos maiores do país.
Assim, impera uma única acção: ajudar as Repúblicas em necessidade, nomeadamente a República dos Fantasmas que, em tristeza, se vê nesta situação de vulnerabilidade. Para resolver a crise de habitação, devemos, por fim, começar por quem deu as soluções desde o tempo de D. Dinis.