Espanha. Combate à partilha de contas terá custado um milhão de utilizadores à Netflix

Estudo de mercado revela que dois terços dos desistentes o fizeram devido ao aumento de preço para ver streaming em mais casas. Portugal registou ligeiro decréscimo até Fevereiro.

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Aplicação da medida de combate à partilha de contas tem gerado controvérsia Reuters/MARIO ANZUONI

Na semana passada, a Netflix disse estar “satisfeita” com o efeito do seu combate à partilha de contas implementado em Portugal, Espanha, Nova Zelândia e Canadá. Além das muitas dúvidas que a aplicação prática desta medida tem gerado e das várias diferenças entre esses países, a Netflix não quantificou ainda o impacto no número de assinaturas mas, agora, a consultora de mercado Kantar revela que em Espanha a plataforma perdeu mais de um milhão de utilizadores.

A medida anunciada pela Netflix a 8 de Fevereiro avisava que a partilha de contas por mais de uma casa passaria a ser paga (em Portugal, mais 3,99 nas modalidades standard e premium); em Espanha, esse extra é de 5,99 euros. Segundo a consultora Kantar, no primeiro trimestre deste ano a Netflix perdeu mais de um milhão de utilizadores e o estudo de mercado associa directamente a decisão às novas regras da plataforma líder. A Kantar diz que dois terços destes assinantes usavam a password de outra pessoa e deixaram de utilizar o serviço — há uma diferença entre utilizadores e assinantes, mas a perda de mais de um milhão de espectadores é significativa por si só em termos de quota real de mercado.

Avisando que ia usar endereços de IP e dados sobre o uso dos dispositivos onde os espectadores consomem Netflix, a plataforma de streaming foi fornecendo dados escassos sobre o que iria suceder depois de 8 de Fevereiro. Evitando termos como “bloquear”, a sua política aproximou-se mais de uma tentativa de sensibilização sob a capa de uma aparente mudança obrigatória, tentando empurrar os assinantes mais cumpridores para uma alteração voluntária nas suas contas.

A Netflix titubeou depois na aplicação da medida — há quem ainda consiga partilhar fora da morada principal e de uma morada secundária pré-definida, há quem tenha sido logo convidado a pagar mais ou a fazer uma nova conta, sem que seja claro o método de fiscalização desta nova regra no uso da plataforma. E há quem tenha passado para modalidades mais baratas ou quem tenha cancelado a conta; haverá quem tenha criado novas contas ou passado a pagar mais. O PÚBLICO tem questionado a Netflix sobre estes dados repetidamente, mas a empresa não comenta.

A Marktest tem o mais relevante indicador disponível no mercado português para os consumos de streaming, o barómetro BStream. Ainda que não haja já números verdadeiramente significativos quanto ao efeito da medida, os mais recentes dados publicados — em Fevereiro, e que incluem auscultação dos consumidores entre Novembro e Fevereiro — revelam "algum decréscimo de subscritores da Netflix, face à vaga anterior e à homóloga", disseram ao PÚBLICO os responsáveis pelo estudo. Só mais para a frente haverá dados mais completos.

Na apresentação de resultados trimestrais na semana passada, a empresa disse-se “satisfeita com os resultados do primeiro trimestre” nestes países e que esses resultados “fortalecem a confiança” nesta nova abordagem. O combate à partilha de contas é uma de várias medidas que visa suster a potencial estagnação do número de utilizadores do serviço e fazê-lo crescer em cerca de 100 milhões de assinaturas. O número que, pelas contas da Netflix, lhe escapa devido à circulação de palavras-passe. Outra das medidas dessa estratégia é a introdução de uma modalidade de assinatura mais barata mas com publicidade.

Na sua carta aos investidores na semana passada, a Netflix dá o seu contexto, mais animador: “Tal como na América Latina [onde começaram a experiência em 2022], vemos uma reacção de cancelamento em cada mercado quando anunciamos as novidades, o que tem impacto no crescimento de membros [o nome dado pela Netflix aos assinantes] a curto prazo. Mas à medida que aqueles que pedem emprestada a palavra-passe começam a activar as suas próprias contas e os membros existentes acrescentam contas para ‘membros extra’, vemos um aumento nas aquisições e nas receitas”. A empresa fornece um dado extra, sobre o Canadá, onde diz que o combate à partilha correu particularmente bem e que aquele mercado está mesmo a crescer mais rapidamente do que o norte-americano.

Os quatro países são mercados de dimensões, culturas e ecossistemas audiovisuais muito distintos. No caso espanhol, noticia a Bloomberg, “é claro que há uma quebra aguda devido ao combate” à partilha de contas, como diz Dominic Sunnebo, director de divisão do painel mundial de espectadores da Kantar. O cancelamento de assinaturas triplicou em relação ao trimestre anterior, indica a mesma empresa, e um décimo dos auscultados dizem que pretendem cancelar a sua assinatura no presente trimestre.

Notícia actualizada às 19h: Dados do BStream Portugal

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