Os protestos começaram cedo na Escola Secundária Luísa de Gusmão, na Penha de França, em Lisboa. Pouco depois das 8h, a tenda foi montada dentro do portão, no pátio à entrada da escola, a marcar o início da “ocupação”. “O nosso plano foi entrar e chamar pessoas”, conta Kira Cruz, que com a colega Catarina seguiu pelos corredores da escola, de megafone na mão, a chamar os colegas a juntarem-se à “Primavera das Ocupas”.
A direcção da escola não achou piada aos planos. “Quando chegámos cá fora, estava a polícia”, conta Kira. As estudantes foram obrigadas a trazer a tenda para o lado de fora, onde continuaram a gritar palavras de ordem ao megafone, sob o olhar de seis agentes da PSP.
“Chamar a polícia/ Contra uma criança/ Falta noção/ É preciso mudança”, gritam ao megafone. Ainda faltava muito para terminar o dia e a esperança é que se juntem mais estudantes depois das aulas da manhã.
A Luísa de Gusmão foi uma das escolas onde os alunos começaram esta quarta-feira as "acampadas" pelo fim do investimento em combustíveis fósseis em Portugal, reivindicando também electricidade de fontes 100% renováveis até 2025.
Esta quarta-feira, além da escola Luísa de Gusmão, começam a ser “ocupadas” as faculdades de Letras e de Psicologia da Universidade de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e ainda a Escola Secundária Tomás Cabreira, em Faro.
À semelhança do que aconteceu em Novembro, os alunos planeiam trazer tendas para montar nos espaços das escolas e faculdades e, na maioria dos casos, faltar às aulas em nome do clima. Ao longo do dia, conversam com os colegas que passam pelo local para explicar as reivindicações e chamar para a causa.
Organizam-se também palestras sobre questões climáticas, com o apoio de activistas de colectivos de acção climática ou mesmo professores. As refeições, quase sempre vegetarianas ou vegan, são feitas com a ajuda de todas as pessoas, distribuindo as tarefas de forma igualitária.
Na Faculdade de Psicologia, por exemplo, o almoço foi gratuito, acompanhado de uma palestra sobre clima e feminismos. Na faculdade de Letras, onde a “ocupação” de Novembro terminou com a detenção de quatro estudantes, os alunos conseguiram montar a sua "acampada" — com direito a cravos vermelhos espalhados pelo espaço — sem grandes problemas.
Para esta quarta-feira estavam também marcadas concentrações de estudantes nas escolas Luís de Camões, Josefa de Óbidos e Rainha D. Leonor, em Lisboa, e também acções nas universidades de Coimbra, Porto e Algarve.
"A acção individual" não chega
A “ocupação” na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) ainda não começou: tem data marcada para 2 de Maio e vai durar "o máximo de tempo" possível, segundo Nico Moniz, estudante de sociologia e porta-voz do movimento Ocupa da FLUP. Reuniram-se esta quarta-feira em solidariedade com os alunos já em protesto e para "simbolizar o início das ocupas a nível nacional".
Na entrada da faculdade reúne-se um grupo com menos de uma dezena de jovens em volta de uma faixa onde se lê "solidariedade com activistas de Lisboa", em que reivindicam também o "fim dos combustíveis fósseis em Portugal até 2030 e 100% de energia 100% renovável até 2025", indica Nico. Também existem preocupações a nível local: "A importância de haver gratuidade dos transportes públicos, para as pessoas não terem de usar tanto o carro, e haver condições nas casas para não haver tanta necessidade de aquecimento, com isolamento térmico para as pessoas não passarem frio."
Cristina Dubert juntou-se ao grupo porque percebeu "que a acção individual não é o que vai fazer com que consigamos combater a crise climática". A estudante de 19 anos acredita que não chega "ser vegetariana, usar escovas de bambu" ou andar o máximo de bicicleta. Vê antes uma necessidade de "mostrar aos governos que uma acção tem de ser tomada" e que "é preciso pôr a crise climática no calendário", considera.
A preocupação pelos efeitos da crise climática passa fronteiras, dizem. No dia em que começa o acampamento, haverá na FLUP uma discussão sobre o colonialismo fóssil, adianta Nico. "Não queremos que a história se repita, e acho que é importante estarmos atentos a estas novas formas de exploração." Cristina concorda: "Não somos nós — os países do Norte global — quem vai sofrer com a crise climática, mas somos nós que temos o poder de fazê-la diminuir." Para isso, é preciso ouvir o que diz a ciência e cumprir um objectivo, acrescenta, "não chegar aos 1,5ºC".
Fica o apelo dos jovens: "Fim aos combustíveis fósseis. O futuro das alterações climáticas não é daqui a uns anos, está a ser agora e existem muitas comunidades já a sofrer muito."
1500 pessoas para “parar o gás”
O que dizem os adultos perante as reivindicações dos jovens? O plano dos estudantes é que as ocupações terminem apenas quando houver 1500 pessoas inscritas no protesto que decorre a 13 de Maio no porto de Sines, “a principal entrada de gás fóssil em Portugal”, numa acção organizada pela campanha Parar o Gás.
Ao lado das colegas da Luísa de Gusmão, Laura Trueb, estudante da Escola Rainha D. Leonor, veio para mostrar solidariedade, já que a sua escola só começa oficialmente a ocupação no dia 2 de Maio. Têm apostado na divulgação, nas formações sobre desobediência civil e sobre a necessidade de acabar com os combustíveis fósseis, e reservaram também algum tempo para dar apoio às "acampadas" que começam esta quarta-feira.
Mas desta vez há também a dupla missão de angariar participantes para o protesto de 13 de Maio. Como tem corrido? “Consegui convencer dois amigos”, garante.
Ao largo da Escola Luísa de Gusmão, o muralista António Alves passeia o seu cão e pára para ouvir as estudantes. “Estou convosco! O meu cão também!”, apoia, divertido. Comenta que o protesto “tem todo o cabimento”, numa altura em que, considera, “estamos todos robotizados a dizer que sim ao sistema, sim ao Governo.”