Sete rostos dos “muitos, muitos mil para continuar Abril”
Salgueiro Maia, intervenção, liberdade, escola pública: os significados de Abril multiplicam-se. Desde o Marquês até ao Rossio, em Lisboa, eram certamente mais de mil — aqui ficam sete testemunhos.
Para Leonardo Antão, Abril é Salgueiro Maia
Com 75 anos, desce a Avenida da Liberdade de uma ponta à outra. Leonardo Antão segura, com mais alguns homens, uma faixa onde se vê, explica, “o nosso amigo Salgueiro Maia”. Vê no “capitão sem medo” um defensor de dois “valores fundamentais que não existiam antes do 25 de Abril”: a liberdade e a democracia. E é por eles que marcha, de sorriso do rosto.
Ele próprio é coronel, do serviço de material, conta. E não tem dúvidas que Salgueiro Maia foi “quem mais deu o peito às balas”, quer no Terreiro do Paço quer no Largo do Carmo. Recorda a chaimite que retirou Marcello Caetano do Quartel do Carmo – Leonardo trabalhou com estes veículos blindados e participou no processo de “mudança de motor a gasolina para diesel” – e a coragem do capitão de Abril durante a Revolução.
“Os cravos de Abril vingaram sem precisarem de fazer sangue, com flor e aroma a liberdade”. Quer manter esse aroma e passá-lo “às juventudes” que já nasceram em liberdade, com “valores fundamentais em que assentam as sociedades desenvolvidas e organizadas”.
Para Rui Marron, Abril é intervir, manifestar e reivindicar
O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses marcou presença no desfile do 25 de Abril, em Lisboa. Rui Marron tinha 14 anos a 25 de Abril de 1974, era novo, mas lembra-se da alegria que sentiu nesse dia, ele e toda a gente, segundo conta. “Uma grande manifestação de solidariedade” – é assim que descreve a Revolução dos Cravos que, passados 49 anos, continua a levar multidões às ruas para celebrá-la.
É essa solidariedade, esse sentido de comunidade que quer “que se preserve”. Hoje, com 63 anos, saiu à rua pela “defesa dos valores de Abril” e pelos “antifascistas” que foram presos e mortos “para que existisse a liberdade de que hoje podemos usufruir”.
A liberdade trouxe a intervenção sindical, as manifestações e as reivindicações, diz. Enquanto enfermeiro, valoriza-a porque quer continuar a reivindicar melhores condições para o seu sector. E isso, garante, só é possível por causa do 25 de Abril.
Para Júlia, Inês e Lee, Abril é o início da liberdade que não se pode esquecer
A celebração do fim da ditadura é “das coisas mais bonitas” que Júlia já viu. Quando veio do Brasil não sabia o que era o 25 de Abril, mas imediatamente percebeu porque era tão marcante para os portugueses. Trazia um cartaz onde se lia parte da letra de Tanto Mar de Chico Buarque, que celebra a ligação entre povos irmãos. O fim da censura, o início da liberdade para se ser através “da arte, da poesia, todas as formas artísticas” é “lindo, lindo, lindo”, diz.
Inês e Lee, por seu turno, temem um regresso das tendências autoritárias. “Já estivemos em ditadura e podemos muito bem voltar a estar”, diz Inês. Por isso mesmo, saem à rua e relembram a história, mesmo que não a tenham vivido, para que não se repita. O sentido de comunidade, a celebração da Revolução “é importante”. “O povo está frustrado”, diz Lee, que teme que isso “empodere a direita” – “nós estamos a cair e temos de voltar a subir”. E o 25 de Abril é isso, garante.
Para Maria Queirós, Abril é um processo
“A lista de direitos que adquirimos no 25 de Abril é extensíssima”, diz Maria Queirós, para quem a Revolução dos Cravos “é uma data absolutamente fundamental”. Mas diz que no sector da Cultura fica, até hoje, um amargo de boca.
Abril “é um processo que se faz todos os dias”. Maria tem 45 anos, ainda não tinha nascido em 1974, mas é uma filha de Abril: marcha para que a Revolução não estagne, pois esta conquista-se todos os dias.
Diz contudo que a revolução cultural “ficou a meio”, e que há muito que falta fazer. O Manifesto em Defesa da Cultura, do qual é co-signatária, “bate-se há 10 anos” pelo direito da população à cultura, à fruição e criação cultural e pelos direitos “efectivos e justos” dos trabalhadores da área. Ainda há muito por fazer e o processo não está terminado.
Para José Feliciano Costa, Abril é escola pública
Foi com o 25 de Abril que nasceu a escola pública, disse José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof. Os professores estiveram em peso na Avenida da Liberdade e, ao longo da manifestação, eram vários os sindicatos que se faziam ouvir.
“A educação é um direito, sem ela nada feito”, entoavam. Professores de todos os pontos do país emprestavam a voz à manifestação e reivindicavam melhores condições para a profissão. Para a escola pública ter qualidade, é preciso haver progressão nas carreiras de quem a edifica, garante José Feliciano Costa. Até lá, não se cumpre Abril.