“Multimilionárias populacionais”, China e Índia enfrentam futuros demográficos divergentes
Fertilidade e envelhecimento são duas questões-chave para olhar para o crescimento cada vez mais lento da China e da Índia. ONU reforça que reduzir dependência de combustíveis fósseis é crucial.
A demografia, uma área das ciências sociais, parece por vezes uma arte. Este mês, para responder à enorme pressão por mais informação sobre a “ultrapassagem” da China pela Índia como o país mais populoso do mundo, os técnicos das Nações Unidas dedicados à área da população fizeram um exercício de “agoravisão” (nowcasting): tecnicamente, trata-se de uma projecção, mas olhando para o presente, em vez das habituais previsões (forecasting) para o futuro.
Na semana passada, no relatório sobre o estado da população mundial publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), a Índia surgia na tabela com 1428 milhões de habitantes, ultrapassando pela primeira vez a China, que conta agora 1425 milhões de pessoas. Contudo, como foi sublinhado pela secção de Estimativas e Projecção Populacional do Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais (UNDESA), “é impossível saber a data certa para esta transição, tendo em conta as limitações de dados disponíveis”.
Esta segunda-feira, sob alguma pressão mediática, o UNDESA lançou um documento com o título “A Índia ultrapassa a China como o país mais populoso do mundo”, que começa por indicar que estes dois “multimilionários populacionais” enfrentam futuros demográficos diferentes.
A referência aos números, no início do relatório, é breve: “O que interessa são as tendências populacionais que estão por detrás”, reforçou John Wilmoth, director do departamento de População do UNDESA, sublinhando a importância de olhar para as opções políticas em áreas como educação, saúde e planeamento familiar e ainda a protecção dos grupos mais vulneráveis, em particular as pessoas mais idosas, que estes dois países tomaram ao longo das últimas décadas e as que serão necessárias nos próximos anos.
Fertilidade e envelhecimento
Duas questões são essenciais ao olhar para as tendências destes países: as taxas de fertilidade e o envelhecimento da população.
No primeiro tópico, a questão do planeamento familiar tem sido crucial para o percurso demográfico, com resultados diversos e nem sempre positivos a longo prazo. A política de filho único da China, por exemplo, serviu para conter o crescimento da população, mas também lançou as sementes para a crise de fertilidade que o país agora enfrenta. Na Índia, as políticas de “desencorajamento” de famílias maiores tiveram efeitos variados, com uma maior consolidação em estados como Kerala ou Tamil Nadu, onde o foco dos governos locais foi o desenvolvimento socioeconómico e o empoderamento das mulheres.
A nota técnica do UNDESA sublinha que as políticas demográficas para influenciar a fertilidade devem garantir a liberdade para indivíduos e casais para decidir se querem ou não ter filhos, quantos filhos querem ter e quando o querem fazer. Isto inclui, cada vez mais – nestes dois países, como em todo o mundo –, políticas sociais e laborais que garantam às mulheres o desenvolvimento das suas carreiras mesmo quando têm filhos, tais como “creches subsidiadas, licenças de parentalidade, bónus fiscais, entre outros”.
No outro extremo da pirâmide etária, “o número de pessoas mais velhas está a crescer rapidamente”, alerta John Wilmoth. Um dos grandes desafios de ambos os países – mas da China em particular – é o aumento da população idosa. De acordo com a nota técnica do UNDESA, entre 2023 e 2050, espera-se que o número de pessoas com mais de 65 anos quase duplique na China, e mais do que duplique na Índia. Contudo, em termos relativos, a “fatia” de população idosa da Índia irá crescer mais lentamente.
É preciso assegurar apoio social para este grupo cada vez maior, que não deve ser visto, contudo, apenas como um fardo para os sistemas de segurança social: “Temos de garantir que as pessoas mais velhas podem usar os seus conhecimentos e capacidades de uma forma que as beneficia a elas e à sociedade”, referiu o demógrafo, apelando a uma maior “equidade intergeracional”.
“Agora é tempo de pensar a longo prazo, de promover solidariedade entre sociedades e com as futuras gerações”, reforçou.
Reduzir dependência fóssil
Na Índia, o número de pessoas em idade activa deverá continuar a crescer até meados deste século, tanto em número como em termos de proporção da população, o que poderá significar oportunidades para acelerar o crescimento económico do país.
Contudo, o relatório é claro sobre a necessidade de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis para que o desenvolvimento da população seja sustentável. “O sucesso dos esforços globais para garantir a sustentabilidade ambiental vai depender de forma crucial do desenvolvimento da China e da Índia”, lê-se na nota técnica do UNDESA.
“A relação entre população e desenvolvimento é complexa”, afirma John Wilmoth, recordando que uma população jovem pode ter um impacto positivo e “fortalecer a economia”, mas isso também dependerá do investimento que é feito na formação, na criação de emprego e nas condições de vida em geral.
À medida que ambos os países continuam a buscar “prosperidade e um crescimento económico continuado” para as suas populações, “é essencial que o aumento do rendimento per capita não prejudique os esforços no sentido de um consumo e uma produção mais sustentáveis”, lê-se na nota técnica. “Para proteger e preservar o planeta para as gerações futuras, as economias dos dois países – e do mundo – devem fazer uma transição urgente da actual dependência excessiva da energia de combustíveis fósseis.”