“É hora de a Europa escolher”: quer acolher migrantes ou criar muros?

No terceiro dia do Festival 2504 falou-se sobre a Europa e a União Europeia, migração e direitos. A iniciativa insere-se na campanha #NãoPodias, dinamizada pela comissão das comemorações da Revolução.

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Amanda Lima, Victor Pereira e António Brito Guterres foram os convidados da terceira conversa do Festival 2504 Nuno Ferreira Santos

Durante a tarde desta segunda-feira, no Palácio Baldaya, em Lisboa, discutiu-se a migração: os que vêm, os que vão, os direitos a que todos deviam ter acesso e aquilo que é, actualmente, a noção de Europa e União Europeia. A conversa decorreu a propósito do Festival 2504, no âmbito da campanha #NãoPodias, dinamizada pela comissão comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril. Durante três dias, a freguesia lisboeta de Benfica acolheu várias conversas, concertos e workshops que tiveram como objectivo sensibilizar os mais jovens para as conquistas de Abril e para os desafios que ainda existem.

"Este será o meu quarto 25 de Abril em Portugal", começa por anunciar Amanda Lima. Os seus documentos dizem que ainda é "apenas" brasileira, mas a espera continua. Para a jornalista, antigamente a "Europa era vista como algo inacessível e distante. Mas agora não. Hoje, a Europa é uma realidade", principalmente para as pessoas da América Latina.

Convicta de que "há imigrantes de primeira e segunda em Portugal", a jornalista reconhece que os "brasileiros brancos (para quem o idioma não é um problema) são privilegiados". O mesmo não acontece quando se fala de imigrantes do Paquistão ou Bangladeche, que se inserem em "várias classes" de acordo com aspectos como a cor e o emprego, diz, acrescentando que "alguns [imigrantes] são vistos como bons e outros como maus".

A opinião é partilhada pelo historiador e investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Victor Pereira, que explica que, em França, há muito que "os portugueses foram catalogados como os bons emigrantes" por serem "brancos, católicos e bons trabalhadores". Durante a ditadura muitos portugueses procuraram refúgio e futuro noutros países e o país d'A Marselhesa foi um deles.

"Começou a surgir uma europeização 'por baixo' ainda antes do 25 de Abril. Havia milhares de portugueses na Bélgica e França. O Estado Novo tentou impedir isto, mas não funcionou. Muitos iam, viviam em bairros de lata e enviavam as remessas que depois financiavam a guerra colonial", explica.

Ao mesmo tempo que os portugueses saíam do país, estrangeiros entravam. A razão era a falta de mão-de-obra, realidade que continua a afectar Portugal e que levou a que vários cabo verdianos entrassem no país antes de 1974, explica António Brito Guterres, investigador em Estudos Urbanos​. No entanto, mesmo com todo o contexto histórico de migração que existe em Portugal e no continente europeu, muitos parecem ainda "ter medo dos emigrantes", o que origina divisões que podem ser muito perigosas e discursos "usados por certos partidos", argumenta Amanda Lima.

Questionada se a União Europeia (UE) tem de melhorar a forma como acolhe, a jornalista prontamente diz que sim. "É hora de a Europa escolher que Europa quer ser: uma Europa que acolhe ou uma que cria muros e leis que impedem a emissão de documentos?", questionou, acrescentando que "é ingénuo pensar que os movimentos migratórios vão parar". "Os imigrantes vêem na Europa uma oportunidade, muitas vezes, de sobreviver. A Europa diz-se aberta. Mas aberta para quem?", interrogou.

António Brito Guterres defende que "é preciso acabar com certos fantasmas da imigração" e acrescenta que "há uma rede de relações que Portugal tem com outros países e continentes que às vezes esquece". É o caso do Brasil e do continente africano. Além disso, diz, "a Europa está novamente a ser um espaço de fuga para os portugueses. Há aqui uma visão utilitária da Europa e da União Europeia".

A opinião é partilhada por Victor Pereira, que acrescenta que o problema reside no facto de muitos portugueses considerarem que "a União Europeia é o euro e não a Europa dos valores e da democracia". "A UE é vista como uma zona de conforto e não de solidariedade", diz. Já a jornalista Amanda Lima, que ainda não se considera europeia, conclui que a União deve ser um espaço onde há "pessoas acolhedoras e democráticas" porque os "valores [europeus] vão além dos papéis" e da nacionalidade.

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