Subida do mar pode deixar tartarugas sem lugar para pôr os ovos

Subida do nível médio do mar, causada pela crise climática, pode deixar submersos locais onde as tartarugas marinhas fazem ninhos, revela estudo. Estes animais desovam sempre nas mesmas praias.

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A tartaruga-comum (Caretta caretta) foi uma das espécies consideradas no estudo REUTERS/Paulo Whitaker

A subida do nível médio do mar, causada pela crise climática, pode deixar submersos os locais onde cinco espécies de tartarugas marinhas fazem ninhos em praias da Austrália, da Costa Rica, dos Estados Unidos e de ilhas no Caribe, revela um estudo publicado esta semana na Scientific Reports, uma revista científica do grupo Nature.

“Mesmo em cenários moderados de mudança climática, a previsão é a de que até 2050 o habitat de desova de algumas tartarugas marinhas seja completamente inundado, e num cenário extremo muitos viveiros podem mesmo desaparecer”, refere o artigo, que tem como primeira autora Marga Rivas, investigadora do Departamento de Zoologia da Universidade de Granada, na Espanha.

As tartarugas marinhas depositam os ovos sempre na mesma praia. Quando chega a época da desova, são capazes de fazer longas viagens só para fazer ninhos no areal do costume. Apreciam uma zona com areia seca, acima da linha das marés. As projecções da subida das águas são, portanto, uma péssima notícia para algumas espécies classificadas como vulneráveis ou em risco pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Só na última década, segundo as Nações Unidas, a subida do nível médio do mar duplicou.

Os cientistas estimaram a probabilidade de 2835 ninhos de tartarugas marinhas, distribuídos por sete viveiros em diferentes países, ficarem completamente submersos durante todo ano. Estes cálculos foram feitos tendo em conta diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa, um moderado e um outro extremo, projectados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) para a janela temporal entre 2010 e 2100.

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Mais de 100 milhões de ovos são postos pelas tartarugas durante um período de cinco dias REUTERS/Juan Carlos Ulate

De Cuba à Austrália

O artigo concentrou-se em viveiros existentes nas seguintes geografias: a praia de Mondonguillo na Costa Rica, a península de Guanahacabibes em Cuba, a ilha Saona na República Dominicana, a costa do Equador, a ilha Raine na Austrália, a ilha Saint George nos Estados Unidos e, por fim, Saint Eustatius no Caribe.

Os viveiros considerados no estudo são visitados por adultos reprodutores das cinco espécies estudadas pelos autores: a tartaruga-verde (Chelonia mydas), a tartaruga-comum (Caretta caretta), a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), a tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) e a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata).

São espécies que gostam de acasalar em águas costeiras e mais aquecidas (tropicais e subtropicais). Quando chega o momento da desova, as tartarugas deixam o meio aquático e rastejam em direcção a praias arenosas rasas. Com a ajuda das barbatanas, cavam um ninho não muito profundo e depositam os ovos na cavidade. Podem fazer diferentes ninhos no mesmo areal a cada época.

“Os adultos reprodutores migram longas distâncias entre os habitats de alimentação e reprodução, voltando ao mesmo local para procriar durante muitas décadas. Uma tartaruga-verde que foi marcada em áreas de alimentação no Quénia, em 2003, foi observada a reproduzir-se no arquipélago de Chagos, em 2015, e depois rastreada por um transmissor de satélite em direcção ao mesmo local, no Quénia, em 2016”, escreve Marga Rivas, juntamente com um co-autor, a cientista Nicole Esteban, num artigo publicado na plataforma The Conversation.

Os modelos de inundação de ninhos, validados por dados recolhidos previamente em trabalho de campo, mostram que mesmo um “cenário conservador” (ou seja, moderado) da subida das águas já afecta a capacidade reprodutiva das tartarugas nos locais estudados. Nas ilhas Raine e Saona, por exemplo, todos os ninhos estariam numa situação de vulnerabilidade e até de possível extinção. No mesmo cenário, os cientistas estimam que todos os locais de nidificação na ilha de Saint George e na praia de Mondonguillo encontram-se em território inundável.

“As previsões globais recentes da subida do nível médio do mar, acelerada pelo rápido derretimento do gelo na Gronelândia e na Antárctica, indicam que cenários pessimistas podem ser mais precisos do que os conservadores”, avisam os autores do estudo.

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Tartaruga chega a uma praia da Costa Rica para fazer ninhos na areia e despositar os ovos REUTERS/Juan Carlos Ulate

Alimentar praias com areia

Nos modelos desenhados pelos cientistas, os ninhos de tartarugas-de-couro surgiam como os mais ameaçados. A explicação é simples: esta espécie gosta de depositar os ovos perto da maré alta, ou seja, em locais mais arriscados do que as zonas mais altas. As tartarugas-de-pente e as tartarugas-verdes acabam por ocupar uma posição mais confortável uma vez que desovam perto de dunas e falésias íngremes.

Os autores sublinham a importância da adopção de estratégias de conservação para proteger as populações de tartarugas marinhas. Uma das possíveis medidas é a alimentação de praias com areia, por forma a ampliar o espaço para os ninhos e garantir um areal menos húmido. Mais estudos são necessários, sugerem os cientistas, para investigar como estes animais se adaptam às mudanças causadas pelas cheias nos locais de nidificação.

“Embora as tartarugas marinhas existam há milhões de anos e tenham estado presentes em vários eventos de alterações climáticas, não sabemos como as populações podem ser afectadas por estas mudanças rápidas projectadas, [capazes de provocar] grande perda de locais de nidificação nas áreas de estudo até 2050”, alerta o artigo.