Barragem do Alvito: “Construam-me, porra…”, pedem os ribatejanos, impacientes

A barragem de Alvito que está prometida desde os anos 50 do século passado vai ser construída. Os ribatejanos repetem agora o que os alentejanos exigiram em 1994 no Alqueva – que a façam.

Foto
A barragem do Alvito será construída no rio Ocreza para “garantir a eficiência hídrica no Médio Tejo” Paulo Miguel Fernandes Costa

O ministro do Ambiente e Acção Climática (MAAC), Duarte Cordeiro, já tinha anunciado em Janeiro que o Governo ia aproveitar o lançamento do concurso para atribuir a nova concessão da barragem do Cabril para promover o “novo desenho” projectado para a barragem do Alvito a construir no rio Ocreza e assim “garantir a eficiência hídrica no Médio Tejo”. Em Março insistiu no assunto. Mas ainda há muitos problemas que desaguam em Portugal do Tejo que nos chega de Espanha. As principais propostas de soluções para o reforço da resiliência hídrica do Tejo encontram-se em consulta aberta até este domingo, 23 de Abril.

[A concessão da barragem de Cabril] é a fonte de financiamento que nos permite naquele território financiar um conjunto de soluções para reforçar a resiliência hídrica do Tejo”, defende Duarte Cordeiro. Contudo, persistem as dúvidas sobre a necessidade da sua dimensão, reconhece o ministro. O anteprojecto da barragem do Alvito apresentado em 2010 previa uma capacidade de armazenamento de 500 hectómetros cúbicos (hm3).

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) publicou na página do Participa o conteúdo da exposição que o seu vice-presidente, Pimenta Machado, apresentou no dia 7 de Março no Centro de Ciência Viva da Floresta de Proença-a- Nova: “Soluções da Resiliência Hídrica do Tejo”.

A proposta avalia a possibilidade de construção da barragem do Alvito com a sugestão de uma produção de energia eléctrica em circuito reversível, ou seja, os caudais libertados durante o turbinamento ficam retidos na barragem de Pracana, para serem devolvidos ao ponto de água inicial, tal como acontece em Alqueva.

A nova infra-estrutura hidroagrícola, com capacidade para receber 425hm3, poderá vir a reservar entre 110 e 150hm3 de volume de água destinada a reforçar nos períodos de baixos caudais no Tejo eventuais quebras nos débitos oriundos de Espanha.

O investimento previsto para a nova barragem é de “pelo menos 340 milhões de euros”, sublinha a APA. E deixa uma observação: “Será necessário avaliar do ponto de vista ambiental e económico-financeiro as implicações deste projecto.”

Foi neste sentido que a Associação de Estudos do Alto Tejo (AEAT) já se pronunciou. No documento que publicou na sequência do anúncio da construção da barragem do Alvito, esta organização realça: “Entre outros aspectos negativos, a construção da barragem vai causar um impacto irreversível no geomonumento das Portas do Vale Mourão.” Esta formação geológica “é um importante ícone do Geopark Naturtejo, que está integrado na lista da UNESCO”.

A AEAT salienta ainda: [A defesa da construção barragem] precisa de argumentos mais consistentes e racionais para que nos convençam da sua importância regional ou nacional.”

Projecto Tejo

Do lado oposto posicionam-se os proponentes do Projecto Tejo, que prevê a possibilidade de poderem vir a ser equipados com sistemas de rega cerca de 300 mil hectares, dos quais 260 mil no vale do Tejo e 40 mil na região oeste.

O Projecto Tejo, dinamizado por Manuel Campilho, Miguel Campilho e Jorge Froes, diz pretender combater a desertificação agrícola no Ribatejo e no Oeste, onde, entre 1999 e 2009, a área das explorações agrícolas baixou de 720 mil hectares para 550 mil hectares, “fruto da falta de condições para uma agricultura rentável”. Associado à rega, o projecto destaca ainda a necessidade de se proceder à drenagem de uma extensa área territorial abrangida pela bacia do Tejo, controlar as cheias e a cunha salina que sobe o rio nos períodos mais secos.

O aproveitamento das potencialidades de uma barragem a instalar no rio Ocreza, no concelho e distrito de Castelo Branco, é objecto de estudos desde a década de 50, antevendo o que viria a acontecer ao regime de caudais do Tejo, a partir da instalação, em 1969, da barragem de Alcântara no troço do rio em território espanhol.

Desde então assistiu-se a uma progressiva diminuição das amplitudes máximas no registo do escoamento. À elevada capacidade de armazenamento da albufeira espanhola (3160hm3) soma-se o decréscimo progressivo dos volumes de água libertados por Espanha em “cerca de um terço do caudal médio anual registado (face ao início do século)”, contraste que explica a situação actual do Tejo em território português, acrescenta a APA.

O plano espanhol

O plano espanhol para a Região Hidrográfica do Tejo refere que se verifica uma diminuição do escoamento “em todo o sistema” da bacia hidrográfica desde 1980; já a precipitação atmosférica desceu 12% e o escoamento sofreu uma quebra de 26%. Portugal está dependente em 66% das afluências vindas de Espanha através do rio Tejo, observa a APA, e verifica-se uma “redução generalizada” do escoamento no período 1989-2015 em relação ao período anterior de 1930-1988, sendo essa diminuição em ano seco de 44%, em ano médio de 19% e em ano húmido de 30%.

Sobre as transferências de água entre bacias hidrográficas luso-espanholas, os relatórios hidrometeorológicos anuais sobre o regime de caudais publicado no Plano de Gestão da Rede Hidrográfica do Tejo e Ribeiras do Oeste (RH5A) para o ciclo 2022/2027 destacam uma das consequências do critério seguido pelas autoridades espanholas na gestão das afluências para Portugal.

No ano hidrológico 2018/2019, para atingir o volume anual integral definido na Convenção de Albufeira, Espanha fez descer, durante o mês de Setembro, o nível da água da albufeira de Cedillo em cerca de 20 metros, com as respectivas consequências, nomeadamente em termos dos usos existentes no plano de água e da qualidade da água.

Foto
Proenca-a-Nova, Beira Baixa, e o rio Ocreza Adriano Miranda

A dimensão do impacto, com a libertação média de 14 milhões de metros cúbicos de água diários, veio a reflectir um cenário dramático. A gestão que Espanha fez do caudal do Tejo “não é aceitável”, protestou na circunstância o Governo português, que não mereceu qualquer explicação do Governo espanhol. Durante o mês de Agosto foram escoados para Portugal 430hm3, adiantou ao PÚBLICO o MAAC.

Pântano, putrefacção e água em mau estado

Resultou desta descarga diluviana um panorama desolador no leito da albufeira de Cedillo repentinamente transformada em pântano com sedimentos em putrefacção. Esta situação extrema representou um alerta para Portugal, quando, no país vizinho, se procura pôr a produção de energia quando esta tem mais valor. O rio deixa de funcionar de acordo com o que o ecossistema precisa, mas em função dos períodos de maior consumo.

“Espanha tem cumprido os caudais ecológicos previstos na Convenção de Albufeira no seu Anexo 16, mas a forma como o tem feito nem sempre tem sido a mais adequada”, destacou Amparo Sereno Rosado, especialista em Direito do Ambiente.

A degradação do estado qualitativo das massas de água superficiais em território nacional é outra das consequências da redução dos débitos vindos de Espanha.

No segundo ciclo de planeamento e avaliação do estado das massas de água entre 2016 e 2021, na bacia do Tejo em território nacional, foram consideradas 467 massas de água superficiais, das quais 47% apresentaram estado bom e superior e 51% revelaram um estado “inferior a bom”.

Do lado espanhol no segundo ciclo de planeamento, das 323 massas de água superficiais identificadas, 182 (56%) estavam em estado “bom ou melhor”, 135 em “inferior a bom”.

A barragem cheia em 2030

A bacia do Tejo é a que apresenta mais riscos, devido à irregularidade do seu caudal e à carga poluente que é levada nas escorrências resultantes da actividade agrícola, pecuária e nas descargas de águas residuais e industriais produzidas em Portugal e Espanha. Menores caudais significam maior concentração de carga poluente.

“O Tejo precisa de mais regularização”, reclamaram as comunidades intermunicipais (CIM) da Beira Baixa, Médio Tejo e Lezíria do Tejo, quando assinaram a 9 de Setembro um documento conjunto para a construção da barragem do Alvito, no rio Ocreza, uma obra que consideram “decisiva” para a sustentabilidade dos seus territórios.

A barragem cheia em 2030” é um objectivo que perseguem, lembrando que os caudais lançados pela barragem de Alcântara em direcção a Portugal durante o período crítico de estiagem são extremamente irregulares, e tornam “difícil o seu aproveitamento”, quando Portugal não dispõe de armazenamento adicional. Quando estas circunstâncias se observam, a capacidade de regularização no leito do rio Tejo “é praticamente nula”. Frisam que as barragens do Fratel e de Belver, as únicas instaladas no troço do Tejo em território português, “são fios de água”.

As CIM ribatejanas e beirã defendem a instalação na rede hidrográfica do Tejo em Portugal de barragens com capacidade de armazenamento, como a que existe nas bacias do Douro e Guadiana. Por Alvito os ribatejanos repetem agora o que os alentejanos exigiram em 1994. É a mesma palavra de ordem inscrita numa parede onde se ergue hoje a barragem do Alqueva e que está a ser replicada no Ribatejo, mas alusiva à barragem do Alvito: “Construam-me porra…” Não terá a grandeza da barragem alentejana, mas sempre será uma alquevinha.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários