Memórias da resistência no Porto continuam a ser recolhidas na antiga PIDE

Unidade de Informação e Interpretação do Património da Resistência ao Fascismo no Porto convive com Museu Militar desde 2015. Em Setembro, continua trabalho etnográfico de recolha de testemunhos

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Museu Militar está instalado na antiga prisão da PIDE, onde há também um espaço dedicado à resistência ao fascismo Paulo Pimenta

O debate sobre a criação de um Museu da Resistência no Porto acende-se todos os anos por altura do 25 de Abril. O espaço continua por cumprir – mas na antiga sede da PIDE, onde está instalado o Museu Militar e para onde muitos reivindicam um Museu da Resistência, está a ser construído, desde 2015, um espaço dedicado à resistência antifascista na cidade. Esta terça-feira, dia 25, é apresentado o programa da segunda fase de intervenção, a decorrer durante o próximo ano. A recolha e exposição de testemunhos de quem tenha memórias da resistência é uma das apostas.

Da autoria do arquitecto e investigador Mário Mesquita, o projecto Do Heroísmo à Firmeza, coordenado pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), recria dentro da antiga prisão política o trajecto que milhares de pessoas fizeram naquele espaço durante a ditadura.

A adaptação da antiga prisão procurou “despertar sensações” em quem a visita, levando a um “imersivo” recuar no tempo, conta Mário Mesquita, apontando um exemplo: “As duas salas de interrogatório e tortura não têm nenhuma reprodução do que era a tortura, mas estão pintadas de negro. Isto provoca uma sensação. Algumas pessoas saem a chorar.”

Na escada, haverá fichas da PIDE e recortes de imprensa; na galeria do saguão interior nas águas-furtadas do edifício estarão “dez quadros informativos usando objectos e documentos colocados no espaço das molduras de gesso existentes”; nos compartimentos adjacentes a este local serão recriados alguns quadros do quotidiano dos presos, “não pela explicitação directa das cenas, mas pela indução subtil à consciência sensorial da informação”.

A intervenção “minimalista” pretende incluir “múltiplos actores do processo social, cultural e político com o qual se relaciona”, reforça Mário Mesquita: “Quer-se que as pessoas sejam a estrutura, o meio e o fim desta unidade de informação e interpretação, vincando, pela etnografia, a salvaguarda e difusão destas memórias, a curto, médio e longo prazo.”

Convivência entre dois espaços

A vontade de criar um museu da resistência antifascista no número 329 da Rua do Heroísmo surgiu a 26 de Abril de 1974, aponta Mário Mesquita. E a URAP abraçou-a desde a sua fundação, dois anos depois. Mas a instalação do Museu Militar naquele espaço, em 1977, complicava esses desejos. Em 2015 – e após uma petição pública e recomendações ao Governo feitas pelo PEV e PCP – a URAP e o Exército Português chegaram a um acordo: o desejado edifício poderia servir os dois.

Para o autor do projecto e também docente na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), essa convivência faz todo o sentido e as reivindicações da criação de um Museu da Resistência, com a saída do Museu Militar da Rua do Heroísmo, são espelho de um “desconhecimento do que está a ser feito”. “Não é um Museu da Resistência, mas é um núcleo de informação e interpretação. E convive com o Exército, que também é parte importante desta história”, aponta.

Após uma intervenção arquitectónica no edifício, a obra foi iniciada com uma base documental, não só daquilo que existia, mas também resultado de novo trabalho, um “resgate da memória histórica do edifício”. Houve múltiplas sessões de debate – com ex-presos políticos, familiares e outros cidadãos que viveram o tempo da ditadura –, um esforço que será reforçado a partir de Setembro, quando mais testemunhos serão recolhidos.

A ideia é ouvir todos os que possam ter memórias daquele espaço, da envolvente e de outros locais do Porto ligados à ditadura, como cineteatros, cafés, clubes desportivos ou associações. Esse trabalho, diz Mário Mesquita, terá como base o roteiro dos espaços da resistência no Porto entre 1926 e 1974.

No dia 25 de Abril (10h45), após a apresentação da segunda fase do projecto (que tem uma parceria com a Torre do Tombo e os apoios das fundações Engenheiro António de Almeida, Calouste Gulbenkian e Oriente), há uma visita guiada ao espaço (11h30), seguida de leituras de excertos do livro O Falso Testemunho e da abertura da exposição de fotografia O Último Dia da PIDE no Porto.

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