Taça das Taças 1985-86: o milagre do Grotenburg

A segunda parte do jogo de Milão foi um daqueles momentos em que os adeptos de um clube já só se apoiam na fé. O Benfica não seguiu em frente, mas às vezes os milagres acontecem.

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Matthias Herget (Uerdingen) eHans-Jürgen Dörner (Dresden) cumprimentam-se antes do início da partida Getty Images

A Taça das Taças deixou de figurar no calendário de provas da UEFA no final da temporada 1998-99. Durante muito tempo fez figura de segundo plano num cenário em que a Taça dos Campeões era estrela e havia uma Taça UEFA (depois Liga Europa) recheada de equipas que, não tendo chegado ao título na temporada anterior, se reforçavam na época seguinte. Ainda assim, tinha o seu “sal” particular, até porque alguns dos vencedores das taças de cada país eram ilustres desconhecidos.

Mas a Taça das Taças também teve grandes jogos, equipas notáveis e muitas histórias. Uma delas fala-nos de uma recuperação épica, daquelas que servem de argumento para quem rejeita a visão de que a fé cega não tem bases científicas… Nesta quarta-feira, os adeptos do Benfica, por exemplo, não terão deixado de manter uma pequenina chama de esperança mesmo quando a sua equipa precisava de marcar mais três golos em Milão para eliminar o Inter na Liga dos Campeões. Faltavam menos de 30 minutos, mas no futebol tudo é possível. Às vezes altamente improvável, mas possível.

Não aconteceu. Mas podia ter acontecido. Porque já aconteceu, várias vezes, os jogos e as eliminatórias levarem uma volta contra todas as probabilidades. Talvez um dos casos mais notáveis destas incríveis curvas do destino seja o da partida da segunda mão dos quartos-de-final da Taça das das Taças, época 1985-86. O jogo que ficou conhecido como “O Milagre do Grotenburg”.

O Bayer Uerdingen foi fundado em 1905 e no seu museu constam duas Taças da Alemanha, conquistadas em 1984 e 1985. O Dínamo Desden é mais recente: nasceu em 1953. Mas tem um currículo mais recheado, com oito títulos de campeão nacional da Alemanha… de Leste. Sim, em 1986 a Alemanha ainda estava dividida pelo muro entre o bloco comunista e a Europa ocidental. E, por isso, apesar de serem dois clubes alemães, Bayer Uerdingen e Dínamo Dresden representavam países diferentes nessa edição das competições europeias.

O Bayer chegara aos quartos-de-final da prova depois de afastar facilmente, na 1.ª eliminatória, os malteses do Zurrieq (3-0 fora e 9-0 em casa) e deixar pelo caminho os turcos do Galatasaray (2-0 em casa, 1-1 fora) na segunda ronda. Quanto ao Dínamo, deixara pelo caminho os neerlandeses do Utrecht (1-2 fora, 4-1 em casa) e os finlandeses do HJK (0-1 fora, 7-2 em casa). Como se percebe a equipa da República Democrática Alemã gostava de marcar muitos golos nas partidas da segunda volta. Provou o outro lado da moeda a 19 de Março de 1986.

Segunda parte louca

A eliminatória arrancou em Dresden e o Dínamo marcou a sua superioridade com golos de Frank Lippmann (50’) e Hans-Uwe Pilz (60’). Era uma boa vantagem para a segunda mão, reforçada logo no primeiro minuto quando Ralf Minge fez o 0-1 no Estádio Grotenburg, em Krefeld, onde 17.000 espectadores compunham apenas meia casa nas bancadas. Wolfgang Funkel ainda empatou, 12 minutos depois, mas as coisas pareciam decididas ao intervalo, com uma finalização certeira de Lippmann (35’) e um autogolo de Rudolf Bommer (42’) a darem vantagem de 3-1 ao Dínamo. No conjunto da eliminatória, as coisas estavam em 5-1.

Apesar das boas notícias no marcador, os de Leste já tinham sofrido uma contrariedade, quando um dos seus melhores jogadores, o central/trinco Mathias Sammer (74 vezes internacional pela Alemanha – 23 pela RDA, 51 pela nação unificada, depois de 1990) saiu lesionado, logo aos 28’. Ainda assim, o cenário estava aparentemente traçado: só mesmo uma reviravolta épica poderia evitar a eliminação do Bayer Uerdingen.

Após 12 minutos da segunda metade, o Dínamo continuava confortável no resultado. Os alemães ocidentais precisavam de marcar cinco golos para alcançarem a sua primeira meia-final europeia. É nestas alturas que até a fé mais cega começa a fraquejar… Mas então o árbitro apitou penálti e Funkel fez o 2-3. Cinco minutos depois o islandês Gudmunsson assinou o empate.

“Tu queres ver?!...”, terão pensado, em alemão, naturalmente, alguns adeptos do Bayer. Mas três golos em meia hora? Só mesmo um milagre. E, lá está, às vezes eles acontecem. Aos 66´ Wolfgang Schäfer fez o 4-3 para os da casa e aos 78 o suplente Dietmar Klinger colocava o resultado em 5-3. A eliminatória estava empatada, mas era preciso mais um golo, porque nessa altura vigorava a regra de desempate por golos marcados fora e o Dínamo estava na frente… Pára tudo! Não há tempo para mais contas: outro penálti para o Dínamo! Estão decorridos 79’ e Funkel, novamente de penálti, vira a eliminatória. O impensável acontecia. A loucura nas bancadas foi ainda reforçada com mais um golo, de Schäfer, aos 89’, antes de uma aturdida equipa do Dínamo Dresden deixar o campo sob o peso de uma derrota histórica.

O Bayer Uerdingen acabou depois eliminado nas meias-finais da Taça das Taças 1985-86 pelo Atlético de Madrid. Mas para a história ficou mesmo o jogo que passou a ser conhecido como “O Milagre do Grotenburg”. Provando mais uma vez que no futebol tudo é possível.

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