Debate no Parlamento com cadeiras do Governo vazias e um polémico “justiça pelas próprias mãos”

Logo na abertura do debate potestativo marcado pelo PSD, a deputada Mónica Quintela fez uma afirmação que acabou por marcar a discussão.

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Mónica Quintela, deputada do PSD, fez declarações que motivaram protestos à esquerda RUI MANUEL FARINHA / LUSA

As cadeiras do Governo no parlamento estiveram esta quinta-feira vazias no debate sobre justiça, no qual o PS rejeitou a "teoria do caos" e que ficou marcado pela polémica frase da deputada Mónica Quintela sobre "fazer justiça pelas próprias mãos".

Foi logo na abertura do debate potestativo sobre o estado da Justiça em Portugal, agendado pelo PSD, que a deputada social-democrata, depois de um retrato negro do sector, de sucessivas críticas de inoperância e incapacidade de gestão atiradas ao Governo, e de acusações de "denegação de Justiça" e de "desonestidade intelectual" em relação à medida que prevê a devolução de 25% das taxas judiciais pagas por cidadãos que desistam de processos nos tribunais administrativos, que Mónica Quintela acabaria por afirmar: "Restará aos cidadãos começar a fazer justiça pelas próprias mãos".

A primeira rejeição da afirmação veio da deputada socialista e ex-ministra da Saúde, Marta Temido, afirmando que o PS não está entre "aqueles que acham que se deve fazer justiça pelas próprias mãos", recusando ainda a visão da "teoria do caos" na Justiça que atribuiu à intervenção do PSD.

Mas a linha vermelha acabaria a ser traçada por Rui Tavares, do Livre.

"O PSD lança os foguetes, o Chega apanha as canas e o PS fica a assobiar para o lado. (...) Quando ouço a senhora deputada dizer que resta aos cidadãos fazer justiça pelas próprias mãos, os aplausos podem vir da sua bancada, mas os sorrisos vêm de outra. (...) Quando houver um cidadão que entenda fazer justiça pelas suas mãos, quero ver como ficamos todos por não o termos assinalado a tempo", disse, dirigindo-se ao parlamento, recolhendo aplausos à esquerda e sorrisos na bancada do Chega.

Mónica Quintela acabaria por contestar a ideia de que teria incentivado no seu discurso fazer-se justiça pelas próprias mãos e acusou Rui Tavares de deturpar as suas palavras.

A ausência do Governo foi amplamente notada por praticamente todos os grupos parlamentares, tendo o deputado do Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares ironicamente optado por se dirigir no púlpito à cadeira vazia da ministra da Justiça, já depois de numa primeira intervenção ter questionado a sua ausência e de ter considerado "incompreensível que só arrastada" a ministra Catarina Sarmento e Castro vá à Assembleia da República.

"Se tivéssemos cá a ministra podíamos ter todo um debate sobre casos concretos de problemas na justiça. (...) A ministra não está presente porque não tem resposta para estes problemas", disse o deputado bloquista.

Ficou a cargo já no final do debate, pelo socialista Pedro Delgado Alves, a "defesa da honra" do Governo, tendo o deputado referido que nada no regimento obriga à presença do executivo num debate potestativo, sendo a ausência uma "opção legítima", mas reconheceu que o grupo parlamentar "preferia a presença da ministra".

O Bloco de Esquerda, por Pedro Filipe Soares, depois de ter referido questões e problemas do sector como a greve dos oficiais de justiça, frisou que o seu impacto no atraso processual podia ser evitado se o Governo acedesse a uma reivindicação que a própria ministra já considerou justa e disse que será resolvida no âmbito da revisão do estatuto profissional e que apenas ainda não foi concretizada por "intransigência" da ministra.

A justiça da greve e das reivindicações dos oficiais de justiça foi sublinhada por Pedro Filipe Soares e reconhecida logo na primeira intervenção do PS, pelo deputado Francisco Oliveira, mas não faltaram críticas de falta de soluções e reformas por parte do executivo para a Justiça, tendo a oposição reagido com críticas de populismo e demagogia à intervenção de Marta Temido a apontar indicadores de Justiça "acima da mediana da União Europeia", o que levou Patrícia Gilvaz, da Iniciativa Liberal, a acusar o PS de se "contentar com uma justiça mediana".

Alma Rivera, do PCP, apontou sucessivas medidas não concretizadas para apontar ao PS a responsabilidade pela sua própria "falta de credibilidade" no sector, acrescentando que o Governo e os socialistas já "tiveram tempo e oportunidade de fazer diferente".

Também à sucessão de críticas ao Governo acabou por vir de Pedro Delgado Alves a assunção de culpas e responsabilidades ao reconhecer que continuam a existir problemas, mas não deixou de recusar ele próprio a "ideia de caos" e que o debate sobre justiça seja um discurso circular que se repete e que repete sempre os mesmos mantras, como se o parlamento e o país vivessem dentro do filme O Feitiço do Tempo, sobre o dia da marmota, em que o mesmo dia se repete sucessivamente.

André Ventura, do Chega, aproveitou o debate para acusar o Governo de querer nomear como procurador europeu o juiz Ivo Rosa, que entretanto desistiu da sua candidatura ao cargo, e ao qual André Ventura atribuiu "o branqueamento de dezenas de crimes no processo Operação Marquês a José Sócrates", referindo-se a uma "promiscuidade endémica que vai matando o país aos poucos" e a um governo que "premeia os dóceis".

"Falar de juízes A ou B nos processos C ou D, como sendo culpa do Governo, francamente não compreendemos", respondeu a deputada e ex-ministra Alexandra Leitão, na primeira resposta sobre a matéria, a que se juntaria depois Pedro Delgado Alves, sublinhando que o processo de nomeação de candidatos corre à margem do Governo e repetindo a ideia de Governo como "mera caixa de correio" neste processo, já sublinhada pela ministra da Justiça.