Benfica em Milão com um pé no heroísmo e outro na decepção
Em Itália, as “águias” caminham sobre o abismo de quem pode, heroicamente, chegar às meias-finais da Champions, e de quem pode ficar sem aquilo que chegou a parecer mais possível do que nunca.
Nesta quarta-feira, o Benfica joga um pouco pelo passado, muito pelo presente e talvez ainda mais pelo futuro. Não será fácil encontrar no passado recente um jogo tão decisivo para os “encarnados” – desportiva e mentalmente – como a partida frente ao Inter de Milão (20h, TVI), da segunda mão dos quartos-de-final da Liga dos Campeões.
A equipa portuguesa terá de encontrar forma de sorrir sobre leite derramado – e derramou bastante nos últimos três jogos. Tem a Champions por um canudo (derrota caseira por 2-0 frente ao Inter) e deixou de estar a agarrar o campeonato com as duas mãos e fá-lo, agora, com um mero par de dedos (derrotas frente a FC Porto e Chaves).
E agora? Agora caminha sobre o abismo de quem pode, heroicamente, chegar às meias-finais da Champions, e de quem pode ficar sem aquilo que pareceu mais fácil do que nunca.
Jogando pelo passado, os “encarnados” sabem que sem dois golos marcados em Milão vão deitar ao lixo aquela que era, possivelmente, a melhor probabilidade de meia-final e até uma final da Champions nas últimas largas décadas. Com um sorteio teoricamente favorável (sem “tubarões” até à final), a glória europeia, que escapa desde 1962 – e utópica para os portugueses no início de qualquer temporada –, estava ali bem perto.
Jogando pelo presente, o Benfica sabe que se construiu uma esperança de conquista europeia pouco condizente com uma queda frente ao Inter, adversário sobre o qual havia uma crença generalizada de que era inferior aos portugueses.
Jogando pelo futuro, aquilo que acontecer em Milão pode definir o que se vai passar desta quarta-feira em diante. Uma queda será o tal passo rumo ao abismo de quem jogou e ganhou muito, mas agora tem jogado e ganho pouco. Por outro lado, a passagem às meias-finais, até pelo contexto heróico de quem reverteria um 0-2, poderia ser o empurrão mental de que a equipa parece carecer neste momento. A penumbra viraria luz e até o campeonato pareceria mais controlado depois de um triunfo europeu deste calibre.
Quando jogadores e treinadores dizem, na antevisão de uma partida, que “no futebol tudo é possível”, geralmente isso traduz um cenário bem negativo de reverter. Mas, em rigor, nem seria preciso ver António Silva e Roger Schmidt traçarem esse cenário.
Atacar medindo o risco
Na primeira mão, o Inter montou uma “teia” difícil de desmontar. Um 3x5x2 que, defensivamente, é dos sistemas mais equilibrados que um treinador pode usar, porque permite ocupar simultaneamente o espaço central e os corredores com eficácia semelhante – e Simone Inzaghi usou-o nesse preceito, saindo possivelmente surpreendido pela forma como a equipa, aparentemente desinteressada de atacar, acabou por marcar dois golos.
E é isto que esperará o Benfica em Milão: um bloco defensivo denso – e provavelmente mais conservador do que nunca, com uma vantagem de dois golos no bolso. Se o Inter, que é uma equipa pouco audaz, seria difícil de desmontar com a eliminatória em 0-0, alguém acredita que seja mais fácil com 2-0 a seu favor?
A boa notícia para o Benfica é que o futebol não se faz de previsões deste tipo. Um golo cedo poderá ser o bálsamo que embale os “encarnados”, que até em meros lances de bola parada podem virar um 2-0. Há, ainda assim, a necessidade de corrigir algumas coisas.
Com os criativos sempre por zonas interiores, pareceu faltar ao Benfica frescura física, alguma qualidade técnica para tirar pernas italianas da frente e maior capacidade de fazer rodar a bola com rapidez, fazendo “dançar” o bloco adversário.
Também a exploração da profundidade foi praticamente zero e, defensivamente, houve um risco tremendo de uma equipa que deixava a defesa em quatro contra quatro com alguma frequência – foi até assim que sofreu o primeiro golo.
E se com 0-0 houve tanto risco, com 0-2 o risco “encarnado” poderá ser ainda maior, com a névoa de um golo italiano que “mate” a eliminatória. Ser audaz e poder “morrer” pela audácia ou ser paciente e poder “morrer” pela paciência? É um dilema clássico do futebol jogado em eliminatórias.
Na antevisão da partida, Roger Schmidt, treinador do Benfica, reconheceu que já não se está a falar de uma eliminatória de 50/50 em matéria de probabilidades, mas acrescentou: “Já mostrámos a nossa capacidade de marcar golos. Precisamos de equilíbrio e do nosso jogo ofensivo. Com 0-2 e a experiência do Inter, é uma situação perigosa, mas podemos reverter a situação.”
Já Simone Inzaghi, técnico dos italianos, argumentou que o Benfica “é um adversário de grande valor, que piorou em termos de resultados mas não de jogo” e que “tinha perdido dois jogos num ano e agora perdeu três numa semana, mas não significa que esteja em crise”. “Vamos tentar ter uma noite tão boa como aquela em Lisboa”, concluiu.