Uma nova ideia (antiga) de sustentabilidade…
Sempre que leio ou ouço falar sobre temas relacionados com a sustentabilidade, confesso que me vêm à memória os meus avós e as histórias que me foram narradas sobre a vida dos meus antepassados. E porquê? A resposta é simples. Inicialmente poderá parecer difícil decifrar qual a ligação, mas basta pensar um pouco. Inconsciente ou conscientemente temos no nosso background familiar, nos antepassados mais distantes ou nos mais recentes, pais e avós, memórias do que significava, naqueles tempos, a sustentabilidade.
Vivida muitas vezes à custa das circunstâncias e das necessidades, assim como do modelo económico da época, há 50, 100 ou mais anos. Muito do que existia (e do que “não existia”), do estilo de vida, da forma de trabalhar, do que se ensinava em casa ou nas escolas, poderia ser “resgatado”, reaprendido, readoptado ou readaptado aos tempos que vivemos hoje.
Será impossível regressar aos velhos tempos de muitas práticas, algumas ancestrais, que incorporavam (sem o saberem) o conceito dos 5 R (repensar, recusar, reduzir, reciclar e reutilizar), porque, entretanto, adoptámos ao longo dos últimos anos um estilo de vida baseado no “fast-consumption”, ao nível da alimentação, do vestuário, da tecnologia, da decoração, do turismo… Este estilo está disponível em todo o lado e a toda a hora, tudo graças ao dito (mas importante, para a melhoria da qualidade de vida!) “desenvolvimento tecnológico e industrial ilimitado”, embora, na sua maioria, feito à custa de uma economia que estimula o consumo muitas vezes desenfreado, sem conta e medida. Era, é, sem dúvida, o “mercado” a funcionar.
Esta crónica não tem o objectivo de culpabilizar ninguém, até porque a maioria de nós faz parte da equação e com a mão sobre o peito diz “mea culpa”. A sociedade caminhou até aqui, ao “quase” ponto sem retorno das alterações climáticas e das suas consequências nefastas. Contudo, regressemos aos nossos antepassados.
A política dos 5 R era prática comum, apesar de não ser ensinada nas instituições de ensino, nem divulgada por meios de comunicação. Era apenas o bom senso comum a imperar. Os produtos eram na sua maioria de uso múltiplo e o descartável era simplesmente desconhecido, a reutilização era quase sempre “obrigatória”.
Os recursos materiais eram reutilizados à exaustão, “poupados” ao máximo, porque escasseavam e eram caros, o desperdício era reduzido ao mínimo. Vestuário, máquinas, ferramentas, mobiliário, artigos de casa, etc. eram reparados até esgotarem todas as possibilidades de recuperação.
Nada era desperdiçado, fazendo jus à célebre lei de Lavoisier, considerado o pai da química moderna, “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e, embora de forma rudimentar, a economia era já circular.
Como exemplo e em microescala poderíamos analisar o funcionamento de uma exploração agrícola no meio rural. Os animais eram alimentados com os produtos cultivados na exploração ou nas pastagens, os campos e hortas eram fertilizados com os dejectos dos animais, as flores eram utilizadas entre as culturas, actuando como pesticidas naturais, as águas de consumo doméstico eram reutilizadas para a irrigação dos campos, entre muitas outras práticas. Evidenciavam, portanto, a interiorização dos conceitos de sustentabilidade e economia circular, com criação de produtos de qualidade e com total respeito pelo ambiente e meio envolvente.
Será certo afirmar que temos um longo caminho a percorrer e que necessariamente passará pela mudança de mentalidades e envolvimento de todos. Forçosamente, teremos de adoptar um modelo de desenvolvimento sustentável em detrimento do modelo “descartável” ou “fast-consumption”. Mais do que quantidade, avidez ou ligeireza, temos de apostar na qualidade, no equilíbrio entre performance & tempo de vida útil, ao menor custo e com o menor desperdício e obviamente com o menor impacto negativo possível sobre o ambiente e pessoas.
Há muitos R a considerar e que constituem enormes desafios para todos: consumidores, produtores, prestadores de serviços, accionistas, gestores, legisladores, políticos e sociedade em geral. Acrescento ainda o R de “reaprender” a valorizar bens materiais (e imateriais), assim como serviços, do novo ao antigo, do que pode ser repensado, recusado, reduzido, reciclado, reparado, reutilizado, recuperado ou renovado.
Transformar um modelo económico descartável e linear em um modelo económico “sustentável” e circular é, sem dúvida, o maior desafio que a humanidade enfrenta na actualidade. Cabe a todos e a cada um de nós estarmos envolvidos e comprometidos com o nosso futuro e com o das futuras gerações.